Atualidade de “Os Sertões”

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“Os Sertões” correm o risco de se tornarem obra “difícil”, na medida em que nossa cultura linguageira está sendo degradada. Quem quer que, porém, tem a ventura de assenhorear-se com maior riqueza e flexibilidade desta nossa tristemente tão mal tratada língua, ao deparar as obras de Euclides dificilmente deixa de ser aliciado por sua grandeza e sua beleza – sem falar de sua perdurante atualidade.

Antonio Houaiss, Euclides Léxico, Gramática, in Diário Oficial do Estado de São Paulo, Caderno Especial, 18 dez. 1982.

Artista barroco

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Havia de fato em Euclides da Cunha a magia do artista barroco. Ele via a realidade, às vezes, como se estivesse possuído, dominado por ela. E os seus poderes de mágico engrandeciam a realidade, transformavam as coisas do seu jeito, faziam vinho da água; realizavam o milagre.

José Lins do Rego, Gordos e magros

“Os Sertões” por Monteiro Lobato

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…estudou Euclides da Cunha um dos dramas de nossa crueldade. Os outros, que o temos em número maior do que se supõe, jazem em branco, à espera de novos Euclides, suficientemente artistas para fixá-los em obra de verdade e arte. No geral esses dramas permanecem ignorados do país. (…) Canudos teve a sorte de topar em seu caminho um a serviço de uma consciência. Não fora isso, e o drama lá estaria hoje reduzido à mentiralha de encomenda dum relatório tendencioso, apologético para o vencedor, capaz de meter na história, como heróis, a gente que Euclides atou ao pelourinho. (…) O meio de neutralizá-lo é um só: contrapor-lhes Euclides. Infelizmente os Euclides são raros, e centenas de dramas se desenrolam antes que surja um.

Monteiro Lobato, 1920

“Os Sertões” por Samuel Putnam

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[Os Sertões] é uma das mais admiráveis obras que se tem escrito em todos os tempos. Quanto posição que merece na estima e afeição de todo um povo, só pode ser comparada à Divina Comédia, ou ao Dom Quixote. Como os grandes clássicos, Os Sertões é a expressão profunda da alma de uma raça, tanto na sua força, quanto na sua confessada fraqueza.

Samuel Putnam (tradutor d‘Os sertões para a língua inglesa), 1948

“Os Sertões” por Guimarães Rosa

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As páginas de Euclides rodaram voz, ensinando-nos o vaqueiro, sua estampa intensa, seu código e currículo, sua humanidade, sua história rude. E tinha conteúdo e direção o que Euclides comunicava em seus superlativos sinceros, na qualidade que melhor lhe cabia dar, nesta nossa largueza descentrada, de extremas misturas humanas, numa incomedida terra de sol e cipós.

Guimarães Rosa, Folha de S. Paulo, São Paulo, 1º de dezembro de 2002. Caderno mais!

“Os Sertões” por Eduardo Lourenço

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Conheci tarde o livro de Euclides. Por dever de ofício, primeiro, por paradoxal sedução, depois. Não creio que tenha verdadeira leitura para quem não conheça o Brasil. Precisamente o Brasil que Euclides inventa escrevendo-o por paixão de geógrafo e empenhamento jornalístico e político. Em todos os sentidos, “Os Sertões” é um livro não só singular, mas insólito. É como uma estátua da ilha de Páscoa na paisagem, nem sequer literária, brasileira. Está aquém e além da literatura. Certas descrições são célebres (o higrômetro). O todo, inóspito, abrupto, arcaico, tornou-se mítico.

É um livro que o leitor deve construir com o material apenas elaborado do autor que está ao mesmo tempo fora do seu texto e dentro dele. A revolta de Canudos, que devia ser uma mera excrescência da sua ficção ctônica e antropológica, revela-o a si mesmo como um Homero bárbaro, como todos os Homeros. A crônica de um episódio excêntrico de um mundo excêntrico converte-se, graças à sua paixão cívica e ética, em adivinhação e compaixão proféticas por conta do futuro. A crônica de um Brasil como o avesso do Paraíso. Com Antônio Conselheiro como um redentor sem redenção.

Eduardo Lourenço, Folha de S. Paulo, São Paulo, 1º de dezembro de 2002. Caderno mais!