“Os Sertões” por Guimarães Rosa

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As páginas de Euclides rodaram voz, ensinando-nos o vaqueiro, sua estampa intensa, seu código e currículo, sua humanidade, sua história rude. E tinha conteúdo e direção o que Euclides comunicava em seus superlativos sinceros, na qualidade que melhor lhe cabia dar, nesta nossa largueza descentrada, de extremas misturas humanas, numa incomedida terra de sol e cipós.

Guimarães Rosa, Folha de S. Paulo, São Paulo, 1º de dezembro de 2002. Caderno mais!

“Os Sertões” por Marco Antonio Villa

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…esse reencontro com a história do Brasil e com Canudos ocorreu devido à leitura de Os Sertões. Desde então é uma relação de amor e ódio. Vez ou outra fico irritado com determinadas explicações euclidianas. Mas o mau humor passa quando a leitura segue e a cada página volto a ficar encantando: é uma espécie de feitiço.

Marco Antonio Villa, Folha de S. Paulo, São Paulo, 1º de dezembro de 2002. Caderno mais!

“Os Sertões” por Eduardo Lourenço

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Conheci tarde o livro de Euclides. Por dever de ofício, primeiro, por paradoxal sedução, depois. Não creio que tenha verdadeira leitura para quem não conheça o Brasil. Precisamente o Brasil que Euclides inventa escrevendo-o por paixão de geógrafo e empenhamento jornalístico e político. Em todos os sentidos, “Os Sertões” é um livro não só singular, mas insólito. É como uma estátua da ilha de Páscoa na paisagem, nem sequer literária, brasileira. Está aquém e além da literatura. Certas descrições são célebres (o higrômetro). O todo, inóspito, abrupto, arcaico, tornou-se mítico.

É um livro que o leitor deve construir com o material apenas elaborado do autor que está ao mesmo tempo fora do seu texto e dentro dele. A revolta de Canudos, que devia ser uma mera excrescência da sua ficção ctônica e antropológica, revela-o a si mesmo como um Homero bárbaro, como todos os Homeros. A crônica de um episódio excêntrico de um mundo excêntrico converte-se, graças à sua paixão cívica e ética, em adivinhação e compaixão proféticas por conta do futuro. A crônica de um Brasil como o avesso do Paraíso. Com Antônio Conselheiro como um redentor sem redenção.

Eduardo Lourenço, Folha de S. Paulo, São Paulo, 1º de dezembro de 2002. Caderno mais!

“Os Sertões” por Ferreira Gullar

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Eu tinha que ler Os Sertões se queria ser um escritor brasileiro. Meti isso na cabeça e entreguei-me à tarefa obrigatória. No início foi penoso, mas, bravamente, atravessei as áridas páginas da primeira parte, ‘A Terra’, e passei ao capítulo seguinte, de travessia igualmente difícil, pelo menos até chegar aos tipos humanos – o sertanejo, o vaqueiro, o jagunço… Meu interesse era conhecer a história de Antônio Conselheiro, que se tornara lendária, tema dos cordéis da infância. E, quando a ela cheguei, não larguei mais o livro até a última página do derradeiro capítulo.

Ferreira Gullar, Folha de S. Paulo, São Paulo, 1º de dezembro de 2002. Caderno mais!

“Os Sertões” por Afrânio Peixoto

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Um livro os concretiza [nacionalismo, independência e autonomia intelectual] a propósito de tema nacional, em que entra a terra do Brasil, o coração mesmo profundo dele, o sertão do Brasil, a mais legítima gente brasileira, porque nem é mais o íncola, nem o africano, nem o reinol, porém o derivado deles, o brasileiro caldeado e no seu esboço mais definido, – o sertanejo; e esse livro se escreve em estilo brasileiro, com a ênfase, a truculência, o excesso, a exuberância, o brilho, o arremesso, a prodigalidade, a magnificência, que nos caracterizam e talvez nos singularizem. É o livro e o estilo de Euclides da Cunha. Todos os brasileiros se reveem nestas páginas que idealmente todos queriam poder escrever, porque é assim que se exprimiriam, se tivessem o dom e a arte da escrita literária. É por isso o estilo nacional.

Afrânio Peixoto, Poeira da estrada, 2. ed., Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1921.

“Os Sertões” por Vargas Llosa

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Creio que [Os Sertões] vale por muitas coisas, mas sobretudo porque é como um manual de latino-americanismo, quer dizer, neste livro se descobre primeiro o que não é a América Latina. A América Latina não é tudo aquilo que nós importávamos. Não é tampouco a Europa, não é a África, nem é a América pré-hispânica ou as comunidades indígenas — e ao mesmo tempo é tudo isso mesclado, convivendo de uma maneira muito áspera e difícil, às vezes violenta. E de tudo isso resultou algo que muito poucos livros antes de Os sertões haviam mostrado com tanta inteligência e brilho literário.

SETTI, Ricardo. Conversas com Vargas Llosa. São Paulo: Brasiliense, 1986. p. 39.