Aconteceu em agosto: casos e causos das Semanas Euclidianas
Foi num ano que reuniu Zifia, Bete Cida, Flor Heleno, Menina Moça, Brad Pitt, Frank Sinatra, Zé Bonitinho, Pequeno Buda, João Grandão e muitos outros para cujas alcunhas a memória tem sido uma traidora, que aconteceu o episódio descrito.
Muitos deles veteranos e alguns novatos, gente animada, “gente de boa índole, mas perigosa, que têm na cabeça não um cérebro, mas uma oficina do diabo…” nos dizeres daquele que foi apelidado de “Gato Félix”.
O país passava por dificuldades orçamentárias, era a famosa época do “vamos apertar os cintos” e para honrar o compromisso de realizar a Semana Euclidiana, seus dirigentes precisaram equilibrar os gastos. Os maratonistas foram alojados nos dormitórios e vestiários do Ginásio de esportes, o famoso Tartarugão: alojamento masculino à esquerda e o feminino à direita, um vigia tomava conta de todo o espaço, mas para cada um dos dormitórios, num gesto de confiança, foram designados dois veteranos como responsáveis: o Pequeno Buda na ala masculina e Zifia da ala feminina. Pronto! foram “falar de corda em casa de enforcado.”
Ambos, gente boa toda vida, mas perigosa, como dizia “Félix , o herói” , muito perigosa, eram “comunistas infantilóides”, que só pensavam em revolução e queriam eleger Antônio Conselheiro para presidente do Brasil, quando acabasse a ditadura militar.
Pois bem, para colocar em exercício o voto, fizeram uma eleição no alojamento para escolher um nome que representasse aquele espírito do momento. Não deu outra: “Delírios e delícias”. Realmente foi uma semana digna de ter um alojamento com esse nome e com uma faixa pregada na parede com essa designação.
Promoveram, na madrugada, futebol de pijamas na quadra do ginásio, tendo como juiz o vigia, gincana a luz de velas, porque cortaram a energia elétrica do ginásio, provavelmente por falta de pagamento, macarronada feita com água da piscina do Tartarugão.
Na noite em que todos resolveram não criar nenhuma programação e descansar, foram surpreendidos bem acima de seus dormitórios com um ringue montado e um espetáculo de luta livre. Também tiveram a oportunidade de assistir a alguns shows no ginásio e a inesquecível performance de Zifia com duas figuras inconfundíveis da cidade dançando New York… New York, pensando que era Lisa Minelli em Cabaret. Depois disso, ela passou a dançar New York, New York em qualquer canto da cidade, no coreto, na rua, na praça. Então, se não dá para fazer a revolução e nem eleger Conselheiro presidente do Brasil e nem para dormir, vamos dar ao povo alegria e diversão. O povo tem esse direito sagrado, resolveu o conselho do alojamento.
– Maratonistas da Semana Euclidiana, uni-vos!
Pronto! Novamente falou-se em “corda em casa de enforcado” e começou a execução do plano.
Na noite seguinte haveria um baile com uma banda famosa na região, o ingresso não era barato, por isso mesmo para poucos, apesar dos maratonistas já estarem lá dentro do show, o povo não estava, como resolver? Fácil!
Na entrada lateral do Tartarugão havia uma porta de acesso que passava por dentro dos quartos, entre as camas.
Não deu outra, a cidade foi comunicada do show gratuito, porém sigiloso e, em fila indiana, silenciosamente, para não acordar os maratonistas que dormiam, foram entrando um a um nas dependências do Ginásio de esportes.
Até hoje a banda deve estar tentando entender como foi que aquele show tinha tanta gente e quase nenhuma renda!
Aí estão os delírios e as delícias de jovens sonhadores, jovens que acreditam numa sociedade onde todos tenham direitos.
Isso aconteceu numa semana de um distante mês de agosto.