Correspondência ativa de 1906

Sumário

A Solon Rodrigues da Cunha [filho]. Cartão/Telegrama. [Santos, 1906?].
A Dilermando de Assis. [Rio de Janeiro, 23 jan. 1906].
A Firmo Dutra. Rio de Janeiro, 15 jan. 1906.
Ao Pai. Rio de Janeiro, 14 fev. 1906.
A Praguer Filho. Rio de Janeiro, 8 mar. 1906.
A Firmo Dutra. Rio de Janeiro, 25 mar. 1906.
A Rio Branco. Rio de Janeiro, 27 mar. 1906.
A Plínio Barreto. Rio de Janeiro, 2 abr. 1906.
A Francisco Escobar. Rio de Janeiro, 18 abr. 1906.
A Eugênio Egas. Rio de Janeiro, 28 abr. 1906.
A Oliveira Lima. Rio de Janeiro, 23 maio 1906.
A Francisco Escobar. Rio de Janeiro, 13 jun. 1906.
A Firmo Dutra. Rio de Janeiro, 7 jul. 1906
A Francisco Escobar. Bilhete postal. [S.l., jul. 1906].
A Domício da Gama. Rio de Janeiro, 14 jul. 1906.
A Afonso Arinos. Rio de Janeiro, 17 jul. 1906.
A Machado de Assis. Rio de Janeiro, 19 jul. 1906.
Ao Pai. Rio de Janeiro, 24 jul. 1906.
A Henrique Coelho. Rio de Janeiro, 30 jul. 1906.
A Rio Branco. Rio de Janeiro, 29 set. 1906.
A Firmo Dutra. Rio de Janeiro, 30 set. 1906.
Ao Pai. Rio de Janeiro, 22 out. 1906.
A Rio Branco. Rio de Janeiro, 10 nov. 1906.
A Otaviano Vieira. Rio de Janeiro, 14 nov. 1906.
A Francisco Escobar. Rio de Janeiro, 17 nov. 1906.
A Oliveira Lima. Rio de Janeiro, 8 dez. 1906.
A Domício da Gama. Rio de Janeiro, 9 dez. 1906.
A Francisco Escobar. Rio de Janeiro, 12 dez. 1906.
A Assis Brasil. Rio de Janeiro, 23 dez. 1906.
A Francisco Escobar. Rio de Janeiro, 26 dez. 1906.
A Francisco Escobar. Rio de Janeiro, 31 dez. 1906.

Rio, 23 de janeiro de 1906

Dilermando

Não querendo demorar a resposta à sua carta de ontem, escrevo-lhe neste papel, certo de que me desculpará. A minha resposta é simples: há grande, absoluto engano no que imagina. A questão é muito outra ― e você é inteiramente estranho a ela. Veja o inconveniente de se tirarem deduções de atos e palavras isoladas. Além disso, apesar de aborrecido por um sem número de contrariedades, julgo que não o tratei mal. Na sua idade nunca se é um homem baixo. Não creia que lhe houvesse feito uma tal injustiça. A minha casa continua aberta sempre aos que são dignos e bons. Não poderá fechar-se para você. Quando souber a razão do meu aborrecimento, avaliará a injustiça que fez a si próprio e a mim. Até sábado. Estude, seja sempre o mesmo rapaz de nobres sentimentos e disponha dos poucos préstimos do amo., crdo., obdo.

Euclides da Cunha

Rio, 15 de janeiro de 1906

Firmo Dutra

Desejo-te felicidades e a todos os teus.

Cheguei bem ― encontrando todos bons. Mal te posso escrever ― tais e tantos os trabalhos que ainda me impõem os restos da Comissão. Quando pretendes vir até cá? Talvez eu vá primeiro até lá ― em rota para a Venezuela ou para a as Guianas. Quem sabe?

Esta aí chegará com o Jornal do Commercio, onde está uma interview que não pude forrar. Não tive outro remédio senão referir-me ao maldito engano de latitude, que em má hora encontrei ― principalmente por causa de carta daí para o Jornal do Brasil em que tratava do caso. Seria tua? Que empurrão, meu bom amigo! Mas felizmente o ministro me fez justiça de acreditar que era eu o mais contrariado com o sucedido. Agora está desvendada a coisa. Melhor.

Manda-me notícias, tuas. Muitas recomendações ao dr. Agesilau e família, ao coronel Lisboa, ao Taumaturgo, ao Teixeira ― em suma, a todos que aí tanto me cativaram com tantas provas de estima e creia sempre no colega amo.

Euclides da Cunha
Rua Humaitá, 67.

Rio, 14 de fevereiro de 1906

Meu Pai

A sua carta de […] seria para mim dolorosíssima se fosse justa. Mas é natural que nos seu afastamento não possa formar ideia exata da situação e dos fatos.

Realmente seria crudelíssimo que eu merecesse uma tal reprimenda, depois de lutar com tanta abnegação para trazer até aqui, como trouxe, a vida numa linha reta inflexível.

[…] do que ontem ― o mesmo sonhador ternamente abraçado a um velho ideal de justiça e de honra, certo anormal nestes dias, mas altamente nobilitador e útil.

Daí esta feição antipática (e bastante paradoxal porque o meu maior orgulho é o de sentir-me, fundamentalmente, bom.

[…] e sinto-me elevado a meus próprios olhos por tê-las enfrentado.

quanto ao outro ponto, delicadíssimo, da sua carta ― não há, absolutamente, o que o sr. acredita. Como sempre exageraram as minhas intenções.

Eu não caí ― graças a Deus ― no repugnante ridículo de uns ciúmes de todo em todo injustificáveis; e nem estaria aqui, a escrever-lhe esta se duvidasse um só momento da honestidade da que me completa a vida.

Trata-se apenas de um cuidado que é bem antigo. Considerando a derrocada moral desta terra, onde os menores atos estão sujeitos às mais falsas interpretações, me oponho a coisas que toda a gente permite ― frivolidades que toda a gente tolera, mas com as quais esta mesma “toda a gente” forma não raro os mais monstruosos conceitos. Em resumo, as dissenções do meu lar provêm, exclusivamente, da minha teimosia no malhar sobre um velho lema: “Não basta que sejamos honestos; é também preciso que pareçamos ser honestos”.

[…]

Não sei como vou escrevendo esta.

Entregarei o Relatório ao barão ― e ele quer que ele se imprima já, na Tipografia Nacional ― impressão a que tenho de assistir e na qual se incluiu alguns “anexos” que estou escrevendo.

De tudo isto resultou a precipitação das minhas cartas. Tenho trabalhado demais: e desde que cheguei não faço outra coisa senão escrever.

Tenho mandado ao sr. algumas revistas. Ontem vi ― com surpresa ― duas caixas de charutos que trouxe para o sr. Nem me lembrava mais! Vou mandar uma ― estando a outra inutilizada e os charutos esmagados. O Tertuliano bom e vai escrever-lhe.

Lembranças a todos do seu filho amo.

Euclides

[Trechos rasurados e cortados]

Rio, 8 de março de 1906

Meu bom e digno amo. dr. Praguer

Vim tão sobrecarregado com o remate da Comissão e tão estoureado entre centenas de notas e apontamentos, que devem ser ordenados no Relatório, que mal tenho tempo para as saudades. Por isto demorei tanto esta carta ― e ainda não escrevi ao Crespo! nem a Belarmino dando-lhe parabéns pela chegada, nem ao Teixeira! Dizem que o trabalho nobilita; no entanto a mim me deu uma atitude de condenado diante dos belos corações que aí me dispensaram tão generosa estima. Para consigo, sobretudo, não me perdoarei nunca o vir tão tardiamente dar-lhe o meu doloroso abraço de pêsames pela morte do bom, do digno e devotado homem de ciência que foi o dr. Praguer. Ao passar na Bahia, o meu primeiro pensamento foi o de abraçar o velho naturalista, do qual conservava, e conservo, a mais saudosa recordação. Infelizmente a pequena demora do vapor me impediu de cumprir aquele dever. Mas aquela simples intenção, recordada hoje, consola-me diante da memória do nobilíssimo amigo.

Tenho muita coisa a contar-lhe, mas nenhum tempo para isto. Mais tarde ouvirá histórias curiosíssimas. Recomende-me muito a d. Lulita, dizendo-lhe que jamais me esqueceria as nobres qualidades de espírito e coração que tanto a destacam como esposa, como extremosa mãe de família e como artista insuperável. Não sei lisonjear; mas não sei também calar os sentimentos que me animam. Mande-me notícias suas e de todos. Um abraço em cada um dos amigos ― Teixeira, Ferin, Belarmino Paulino, Figueiredo Rodrigues, Crespo, Rezende, João Pinto. Só. Mas são, como vê, uma legião. Adeus, creia sempre na afeição sincera do

Euclides da Cunha

Rio, 25 de março de 1906

Firmo Dutra

Recebi a tua prezada cartinha de 20 de fevereiro, que somente hoje posso responder, tão aborvido mais no meu Relatório cuja impressão está ultimando na Tipografia Nacional. Obrigadíssimo pelo teu generoso conceito. Ainda bem que soubera compreender-me, destruindo naturalmente a falsa opinião que aí se formou danddo-me a autoria de alguns artigos que saíram na Gazeta. Não admira; porque aqui mesmo houve quem pensasse do mesmo modo o que obrigou A Gazeta a uma declaração formal àquele respeito. Mas afinal, toda a gente pudesse saber que não sou homem que me esconda para dizer o que penso. Disse-me o filho do Belarmino, que o Amazonas me atacará também por causa dos tais informes ― o que foi clamorosa iniquidade. Não importa. Non raggionar di loro… Desejo também muito a tua vinda; tanta coisa a contar! Sobretudo acerca de um célebre tenente, de fisionomia morta e olhos parados de consumado Tartufo, que eu tive a infelicidade de admitir na minha comissão. Graças aos deuses, aqui estou armado da minha bela energia de caboclo e enfrentando a rir os trambulhos desta vida que afinal são menores que as 73 corredeiras do Cujar. Hás de escrever logo sobre o meu Relatório que aí estará breve. Um abraço no Crespo. Recomendações aos teus. Muitos abraços no Teixeira e no Prazaes. Creia no

Euclides da Cunha

Rio, 27 de março de 1906

Exmo. sr. barão do Rio Branco

Saúdo respeitosamente a V. Exa. e envio-lhe a 1ª prova de uma carta que organizei, mostrando as notáveis ligações entre as bacias do Purus, Madre de Dios e Ucaiale. Esta carta está intercalada nas “Notas Complementares” do Relatório da Comissão que já está quase pronto, podendo ser breve encadernado e efetuando-se a tiragem anexa de 150 exemplares, conforme deseja V. Exa. A este propósito perguntou-me o Inspetor Técnico da Tipografia Nacional se podia desde já tirar o número de plantas que desse para aquelas avulsas e para o Relatório Geral do Ministério ― e eu respondi-lhe afirmativamente, podendo ele desimpedir as pedras para outros trabalhos.

As notas que aditei ao Relatório dividem-se em três partes: 1ª. Apontamentos sobre a história da Geografia do Purus. 2ª. Povoamento. 3ª. Navegabilidade do Purus ― e necessidade de uma navegação regular até as cabeceiras.

Com a mais elevada consideração, subscrevo-me

De V. Exa.

Euclides da Cunha

Rio, 2 de abril de 1906

Plínio Barreto

Mando-te um abraço e agradecimento pela tua carta gentilíssima. Bem se vê por ela que não acreditas no que aí se diz quanto à minha importância, ao esquecer antigos e bons amigos etc. Nas entrelinhas está o teu belo coração. Não te escrevi ― e aos outros ― pela mais prosaica e sovada das razões: falta de tempo.

Ainda ando no Alto Purus ― e se não atravesso cachoeiras, revejo as infindáveis provas de um malvado Relatório que não quer acabar; e atravesso os dias tendo na cabeça a girar, o parafuso sem fim da triste preocupação profissional. Esquecer amigos! Dez ou doze heróis que suportam a minha aparente inconstância! Fora atirar pela janela afora tudo o que possuo. Não!

A prova está aí. Deixei longitudes e latitudes; desenpalei-me das massudas folhas e livro que me achatavam para mandar-te as minhas desculpas e a minha saudade. E se não me alongo em agradável prosa é porque esta pobre pena não é mais a que conheceste nervosa e rebrilhante; ― nem a conheço eu mesmo ― tão perra, embotada e romba sinto que a tornaram as notas apressadas do engenheiro e os ofícios do comissário.

Breve hei de aparecer. Irei a S. Paulo tratar de uma demarcação e aproveitarei o ensejo para ir a Descalvado para abraçar o meu velho. Passarei aí prevenindo-te com antecedência para irmos juntos até lá. Espero que não faltes. É questão de dois dias apenas.

Prevenirei com antecedência.

Adeus. Recomendações aos que te são caros.

Creia sempre no

Euclides da Cunha

Rio, 18 de abril de 1906

Ilmo. sr. Francisco de Escobar
Jaguari ― Estado de Minas Gerais

Escobar

Desejo-te felicidades e que continuem as tuas melhoras. Recebi o jornal com o lisonjeiro juízo de Gustavo Pena. Obrigadíssimo.

Continuo ainda muito atarefado apesar de já estar impresso o meu Relatório; e além de atarefado, doente. Há uma coisa pior que a tuberculose, que é franca ― é o insidioso impaludismo larvado que a medicina não atinge tão vário é ele e incaracterístico. Estou, por isto, aflito por terminar todas estas coisas, a fim de limpar o meu organismo dessa ferrugem que ameaça devorá-lo.

Escrevi-te há tempos ― Mandei, porém, desastradamente, a carta para Araguari!

Manda-me sempre notícias tuas; desculpando-me o não fazer o mesmo a meu respeito. Mais tarde conversaremos melhor. Dê muitas recomendações nossas a d. Francisca e a todos.

Receba apertado abraço do velho amo.

Euclides

[Cartão]

Rio, 28 de abril de 1906

Amigo Eugênio Egas

Recebi o seu cartão, mas não posso seguir imediatamente. O ministro ainda não me dispensou, de sorte que preciso falar com ele sobre a minha partida.

De qualquer modo poderei seguir na próxima semana. Comunicarei de véspera. Mande-me dizer se isto causa sensível transtorno. Em tal caso não terei outro remédio senão renunciar às vantagens do trabalho, o que farei muito a contragosto. Mas penso que uma demora de oito dias não terá grandes inconvenientes. Escreva-me, pois, a respeito.

Abraços aos amigos; disponha sempre do

Euclides da Cunha

Rio, 23 de maio de 1906

Meu ilustre amo dr. Oliveira Lima,

Saúdo-o muito afetuosamente, desejando-lhe felicidades e a sua Exma. sra. Neste momento o José Veríssimo entregou-me a sua prezada carta. li-a e reli-a, lamentando ao mesmo tempo que os meus muitos trabalhos me houvessem impedido escrever-lhe há mais tempo. É que não queria mandar-lhe apenas meia dúzia de linhas incolores. Ainda hoje, porém, tenho de escrever-lhe a carreira ― Falham-me ainda os últimos retoques da Comissão. Somente mais tarde conversaremos melhor.

Não preciso dizer-lhe que o seu nome aparece sempre a intermitência nas nossas palestras, principalmente quando nos artigos do Estado rebrilham as suas observações destemerosas sobre a vida americana. Entretanto, se eu pudesse aconselhar-lhe, diria que não destacasse enquanto tão incisivamente certos aspectos da existência ianque… posso ir além desta reticência que entrego à sua sutileza. Não sei se Venezuela. Vontade, tenho-a de sobra, a mais decidida boa vontade. o barão nada me disse ainda a esse respeito. Assim considero problemática a empresa em que teria como companheiro e mestre o dr. Firado, tanto merece da sua simpatia pelos nobilíssimos conceitos que dele mudou. Pois é pena! Uma estadia nas montanhas em que se levantou dia a miragem do “Eldorado” ― compensaria bem os longos dias tristonhos que passei na infinita monotonia do Purus. Aguardemos o futuro.

Creio que a minha recepção será em julho ― em pleno Panamericanismo. Acho a ideia desastrada.

Deviam escolher outro, menos por atender à plástica. Felizmente me responderá o Arinos: os meus escassos decímetros de envergadura corrigi-los-ão os 2 metros alentados do Titã!

Que pena não poder continuar! Felizmente diz-me que aqui estará breve. Então lhe contarei algo desta minha vida erradia e desassossegada.

Respeitosas recomendações à Exma. sra. um aperto de mão ao dr. Firado, a quem estimo pela sugestão da sua simpatia, e creia sempre e sempre no

Euclides da Cunha
Rua Humaitá, 67

Rio, 13 de junho de 1906

Escobar

Em meu nome e no da Saninha agradeço a participação e faço votos para que o teu último rebento, que acode ao belo nome de Haroldo, vice esplendorosamente nesta vida.

Desculpa-me o longo silêncio.

Extinta a minha comissão, o ministro não me dispensou, encarregando-me da organização de uns mapas. Assim vivo enleado entre os velhos traços dos velhos cartógrafos, os sujeitos mais desleais e desonestos que andam pela Geografia; ― e no meio desses tratantes, que traçam rios e alevantam montanhas à ventura, consoante a estética dos desenhos, vou atravessando uns dias fatigados e tristes.

Muitas vezes imagino ver-te aparecer, de surpresa, nesta vivenda de filósofo, em que entrarás como um irmão… Realmente! Porque não vens, ao menos por oito dias, contemplar um pouco as transformações do Rio? E a Tina de Lorenzo?

Conversaremos longamente ― e então ― monotonamente, remascando velhas frases e um velho pessimismo, eu te diria do grande desprezo ― crescente, assoberbador ― que ando sentindo pelas coisas deste país… Nuns cavacos trágicos, escalpelaríamos algumas dúzias de politicões, dando largo curso à nossa bílis vingadora de revolucionários…

Vê se te resolves.

Felizmente continuo a olhar para o ministro a quem tenho servido ― o único grande homem vivo desta terra ― com a mesma admiração de simpatia. E até com assombro: é lúcido, é gentil, é trabalhador, e traça na universal chateza destes dias uma linha superior e firme de estadista. Ninguém poderia substituí-lo. Conheço pela metade as questões que nos ocupam no extremo norte, mas esta meia-noção basta-me a garantir-te que a substituição do Rio Branco por quem quer que seja será uma calamidade. Há um baralhamento tal nas pretensões dos nossos vizinhos; incidem nelas tantos vícios históricos e tantas dúvidas geográficas; acumularam-se tantas perfídias nos acordos, convenções e tratados que vem de Sto. Ildefonso até hoje ― que o destrinçar tais meadas requer conhecimentos de longo curso, dificilmente adquiridos. Não sei quem possa tê-los da noite para o dia; nem como um simples decreto de nomeação possa aparelhar quem quer que seja com semelhante requisito. Sei que os litígios em andamento são gravíssimos e capazes das maiores e mais dolorosas surpresas para nós.

Imagina um caso único: um quinto da Amazônia opulentíssima que de uma hora para outra, por um desgarrão qualquer de estadista canhestro, ou capricho de um árbitro ― vá passando para as mãos dos peruanos!

Não sei se o futuro presidente cogitou dessas coisas. Por mim, não vou além desta brevíssima expansão com um amigo.

De fato tratá-las publicamente, num debate franco, fora uma infelicidade. A turba dos aduladores impropriou para tais lutas os sinceros e os dignos. Os atos mais nobres são passíveis das interpretações mais deploráveis. A opinião está envenenada; e quem quer que se abalance à luta desinteressada por uma ideia arrisca-se aos mais deprimentes conceitos.

Daí a minha mudez. Assalta-me o terror de ser emparceirado a não sei quantos vilões que toda a gente conhece toda a gente respeita.

Em paz, portanto, esta rude pena de caboclo ladino. Ou melhor, que vá alinhando as primeiras páginas de Um Paraíso Perdido, o meu segundo livro vingador. Se o fizer, como o imagino, hei de ser (perdoa-me a incorrigível vaidade) hei de ser para a posteridade um ser enigmático, verdadeiramente incompreensível entre estes homens.

E adeus. Escrevi-te a correr.

Lembranças aos teus ― e dispõe do velho amo.

Euclides

[julho de 1906]

[bilhete postal]

[Anverso:]

Destinatário: Ilmo. sr. ― Francisco de Escobar

Endereço: Jaguari ― Sul de Minas

[Reverso:]

Dizeres:

Escobar, felicidades. Vou indo melhor de saúde. Recebi a tua carta; e não respondi logo porque ando de novo às voltas com outros mapas atrapalhados. Vou ver se consigo os Monthly’s bulletins a que te referiste. Todos de casa, bons. Saudades nossas aos teus
Do

Euclides

Rio, 7 de julho de 1906

Firmo Dutra, o meu silêncio não quer dizer ingratidão e olvido; mas muita e grande cópia de trabalhos que me esmagam. Ando às voltas com uns velhos mapas indecifráveis. Aproveito, de relance, um momento de folga para dizer-te que recebi a tua gentilíssima carta, lida e relida com verdadeira alegria.

Não sei se aí chegou a notícia de que eu ia ser nomeado chefe da fiscalização da Madeira-Mamoré. Realmente as coisas se encaminham para isto ― e se obstáculo sério que encontro ― a oposição de meu pai ― for desviado, aí estarei em breve, calçando de novo as minhas botas de sete léguas.

O velho, porém, está aterrado com o meu nomadismo ― e não sei se o convencerei de modo que possa partir sem o contrariar.

Devia contar-te algo dos americanos. Vi-os muito rapidamente, no delírio das festas que os rodearam, e ainda não coordenei as disparatadas impressões que me sobressaltam. Falta-me, além disto, o tempo. Noutra carta conversaremos. Esta só tem um fim: dizer-te que não esqueço nunca a tua gentileza e pedir-te que disponhas de mim, com absoluta franqueza.

Muitas recomendações aos teus e aos amigos e creia sempre no teu

Euclides da Cunha

P. S. ― Um grande abraço, por mim, no Teixeira.

Rio, 14 de julho de 1906

Domício da Gama, desejo-lhe felicidades.

Recebi a Carta do Brasil, e farei as emendas que desejas. Felizmente há dois dias que não tenho febre, de sorte que hoje mesmo porei ombros à tarefa. Peço-te que me recomendes ao sr. barão, a quem não vou visitar porque não posso sair.

… Não poder sair… imagina que tortura para quem possui umas “botas de sete léguas”, como as minhas!

Até breve. Aí vai um apertado abraço
do

E. C.
Rua Humaitá 61
Envio um velho presente — há muito prometido.

Rio, 10 de novembro de 1906

Exmo. sr. barão do Rio Branco
Sendo-me impossível sair hoje, ― por não deixar um filhinho doente, envio a V. Exa. sinceras felicitações pela justa manifestação a que inteiramente me associo.

Subscrevo-me sempre com o mais elevado apreço

De V. Exa. comp., ato. crdo. abrdo.

Euclides da Cunha