Dossiê sobre a morte de Euclides da Cunha

RISSATO, Felipe Pereira (org.). Dossiê sobre a morte de Euclides da Cunha. In: EUCLIDESITE. Artigos. São Paulo, 2020. Disponível em: https://euclidesite.com.br/artigos. Acesso em: [data]. Reprodução permitida para fins educacionais e desde que citada a fonte.

Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 16 de Agosto de 1909

Morreu assassinado o escritor Euclydes da Cunha.

GAZETILHA

Assassinato do Dr. Euclydes da Cunha

Ainda não voltamos a nós do espanto horrível que nos causou a notícia do absurdo e trágico assassinato de nosso prezado e eminente colaborador Euclydes da Cunha.
Um telegrama expedido de Cascadura às 12h30min da tarde de ontem dizia-nos laconicamente:
Euclydes da Cunha assassinado. Estrada Real, 214. (Assinado), Solon Cunha.
Assassinado por quê? Como? Por quem? Parecia inverossímil a notícia. Ainda nos primeiros dias da semana última o ilustre escritor aqui estivera, em companhia de seu jovem filho, Euclydes, irmão de Solon Cunha, signatário daquele despacho, uma inteligente e viva criança, aluno do Internato Bernardo de Vasconcelos, onde o pai fora buscá-lo. Entregamos nessa ocasião ao nosso prezado colaborador um exemplar do Atlas do Brasil, do sr. Barão Homem de Mello, reiterando o pedido que já lhe havíamos feito para que se incumbisse do juízo crítico desse trabalho.
Transanteontem, sexta-feira, apareceu-nos Euclydes da Cunha, à tarde, dizendo que não pudera concluir o artigo e referindo-se com muitos gabos à obra que tinha de analisar.
Nesse dia ofereceu ao nosso colega sr. Ernesto Senna um retrato, recentemente tirado na fotografia Guimarães, tendo escrito de próprio punho esta dedicatória, com a caneta que sempre trazia consigo. “A Ernesto Senna, lembrança do Euclydes da Cunha. Agosto, 909.”
Ao nosso redator-gerente entregou também com dedicatória autógrafa um exemplar do folheto Fora de Forma, do sr. Alberto Rangel, que aquele, havia justamente um ano, lhe pedira, para completar o ensaio intitulado Dois Egressos da Farda, cuja publicação em volume Euclydes da Cunha de novo solicitou com desusado empenho.
Como o sr. Ernesto Senna insistisse por umas notas biográficas que o nosso colaborador ficara de fornecer-lhe para não sabemos que publicação, Euclydes da Cunha sentou-se na ponta de uma mesa e escreveu textualmente isso:
“Natural do Estado do Rio, Cantagalo. Nascido em 1866. Bacharel em matemática, ciências físicas e naturais. Lente de lógica do Pedro II. Sertões (1930); Contrastes e Confrontos (1905); Peru versus Bolívia (1908). Colaborador do Jornal. Chefe da Comissão mista brasileiro-peruana de reconhecimento do Alto Purús.”
Euclydes da Cunha andava ultimamente queixando-se de moléstias, mas não lhe notávamos alteração de maior na fisionomia. É todavia certo que o estudo acurado a que se entregara para o concurso de lógica alterou-lhe um pouco a saúde. Satisfeitíssimo com o decreto de sua nomeação, dera já algumas aulas e parecia deveras apaixonado pelo ofício de professor. Falava sempre da necessidade de um compêndio para a disciplina que regia, mostrando-se disposto a escrevê-lo, logo que se desembaraçasse da revisão das provas de seu novo livro À Margem da História, que está sendo editado em Portugal.
Nada, absolutamente nada, fazia prever a tragédia de ontem. Todos tinham na conta de um homem heróico e intemerato. O autor de obras tão fortes deveria ser naturalmente um espírito robusto, um homem armado de rude coragem contra os equívocos da vida, contra os absurdos do destino.
Infelizmente assim não acontecia. Euclydes da Cunha era uma cerebração de rara força, servida por um coração vibrátil e fragílimo. Às grandes cóleras vingadoras do seu poderoso estilo evocado, correspondia, no seu trato social e na sua existência doméstica, uma extraordinária delicadeza de sentimentos. Tinha por vezes certos melindres de uma candura verdadeiramente angélica. Dava, não raro, uma impressão de profunda timidez pessoal, revelando acanhamentos e humildades que tocavam pelo desazo, aparências curiosas que à primeira vista nos autorizavam a supô-lo um homem em contradição com a sua própria obra.
A verdade, porém, é que essas duas feições de seu espírito e de seu caráter se casavam à maravilha, imprimindo um vigoroso relevo à sua personalidade.
Homem de uma integridade moral a toda a prova, experimentado em provações de todo gênero, com uma alta compreensão dos seus deveres cívicos, pelejador como poucos, intrépido até à temeridade, Euclydes da Cunha conservara da matemática a disciplina mental formidável, da poesia a idéia da beleza e o gosto da perfeição, da filosofia o sentimento da justiça, a vibração contínua e generosa, alguma coisa acima das misérias da terra…
E tudo isto a morte cortou ontem brutalmente, num golpe de tragédia inenarrável.
A má nova da trágica morte do dr. Euclydes da Cunha espalhou-se, ontem, logo às primeiras horas da tarde, por todos os ângulos da cidade.
A princípio, eram apenas informações vagas, inconcisas, dando margem à dúvida, aliás, inspirada em todos os corações pelo que a notícia tinha de profundamente lamentável. Mais tarde, porém, os amigos do ilustre homem de letras, mais inteiramente interessados em esclarecer a triste notícia, iam aos poucos recebendo a confirmação e a narrativa pormenorizada do infausto acontecimento.
O fato passara-se em uma afastada estação dos subúrbios, Piedade, dentro de uma pequena casa, na Estrada Real de Santa Cruz nº 214, onde residiam os irmãos Dilermando Cândido de Assis, aspirante a oficial do Exército, e Dinorah Cândido de Assis, aspirante de Marinha, ambos antigos amigos e protegidos da família do dr. Euclydes da Cunha.
Haviam estes dois moços, faz cerca de seis anos, perdido os seus progenitores; e, desde essa época encontraram sempre da parte do dr. Euclydes da Cunha e de sua esposa d. Anna Solon da Cunha a proteção e carinho que a morte de seus pais lhes tinha roubado.
Foi justamente este sentimento de amizade maternal que animava a sra. d. Anna tão paralelamente ao que nutria o seu esposo, que, em um dado momento, malevolamente desvirtuado, cruelmente envenenado, deu causa ao tremendo drama em que caiu sem vida, atravessado por uma bala, o laureado homem de letras que, pode-se dizer, sem rebuços, era o maior estilista da sua geração.
Ordenemos os acontecimentos.
Há algum tempo o dr. Euclydes da Cunha teve de acolher em sua residência na Rua Nossa Senhora de Copacabana nº 23 duas senhoras contraparentes da sra. d. Anna, sua esposa. Estas moças são ainda parentes muito próximos dos aspirantes militares Dilermando e Dinorah, a quem, como já dissemos, o dr. Euclydes e sua esposa protegiam.
Estas duas senhoras, parece, não estimaram em muito o acolhimento que receberam e não tardou que se incompatibilizassem com a exma. sra. d. Anna. De pequenas intrigas que a princípio alteraram mais de uma vez a boa paz dos dois consortes, foram aos poucos surgindo acusações mais ou menos sérias e, por fim, não se trepidou em despertar no coração do chefe da casa o dissolvente ciúme.
Aventou-se-lhe no espírito a suspeita de que a sua esposa, a fidelíssima companheira de 17 anos de uma existência cheia de lutas, já não era mais a mesma; a amizade que dedicava ao aspirante Dilermando não podia ter este nome, porque era coisa muito diversa, era amor, cheio de culpa, eivado de crimes.
Tudo isto, esta tremenda acusação, está claro, não era sequer pronunciada, nunca ninguém a formulara direta ou indiretamente.
Ela foi feita com pequenos olhares, sorrisos malignos, foi levantada surdamente, com método, com uma calma fria e feroz, para que fosse adivinhada apenas, vagamente percebida.
Os seus efeitos começaram, porém, a se fazer sentir, sem nenhuma demora.
O jovem Dilermando e seu irmão sentiram imediatamente que o amigo, o infatigável e digno protetor, mudara completamente a maneira de tratá-los.
Chegaram a saber a causa; souberam que o dr. Euclydes da Cunha tinha já revelado o seu ciúme, a negra suspeita que o alucinava.
Dilermando retirou-se para a casa onde residia com Dinorah, numa pequena “república”, situada no interior do arrabalde da Piedade, à Estrada Real de Santa Cruz, nº 214 e daí endereçou uma carta ao dr. Euclydes da Cunha, chamando sua atenção para a injustiça que fazia não só a ele senão à sua esposa.
Os conceitos e expressões desta carta tiveram o efeito mais benéfico possível e não tardou que uma resposta do dr. Euclides viesse cientificar o rapaz de que tudo passara e ele continuava a merecer a sua confiança.
Mas em seguida a estes fatos não veio a calma desejável. Os espíritos malignos continuavam a sua obra, advinha um turbilhão de circunstâncias evidentemente desnorteadoras.
O dr. Euclydes da Cunha, em meio de seus trabalhos científicos, das suas grandes e várias preocupações, recebia a notícia da grave enfermidade do seu pai, dr. Manoel Rodrigues Pimenta da Cunha, residente no Estado de São Paulo.
Ao mesmo tempo d. Anna tinha notícias do grave estado de saúde de sua velha mãe, que é a viúva do general Solon.
O que há de mais revoltante em toda esta tragédia é que, apesar de todas estas atribulações, que feriam de chofre os dois consortes, o sobressalto do lar, a feroz intriguisse não tinha intercadência, continuava sem considerações e sem tréguas.
Ao mesmo tempo, para fugir a este insuportável estado de coisas, e para dar à sua mãe os cuidados de que devia estar carecendo, na quinta-feira passada, à tarde, a sra. d. Anna da Cunha deixou a casa de Copacabana e foi para a casa da viúva Solon, no Campo de S. Cristóvão nº 24.
Na sexta-feira, durante o dia, d. Anna foi encontrar-se com o dr. Euclydes da Cunha no Internato do Ginásio, onde visitaram um filho, o segundo em idade, de nome Euclydes, que ali estudava o terceiro ano do curso.
Os dois esposos conversaram longamente e, a não ser o acabrunhamento doentio em que se achava o dr. Cunha, nada se poderia prever da tempestade que se lhe revolvia no íntimo.
À tarde, ele conduziu a esposa até à casa materna, de onde voltou com o filho para a cidade.
Ao chegar em casa, porém, o dr. Euclydes da Cunha não tardou de chegar a conclusão de que a esposa fora para a casa de sua mãe para ter mais liberdade de encontrar-se com o aspirante do Exército.
Esta conclusão, como ele a tirou, ninguém sabe. No dia seguinte, sábado, foi à casa da viúva Solon, e, como não encontrasse sua esposa, tornou à casa em um intenso estado de exaltação.
Receberam-no as duas senhoras que em tão pouco haviam estimado o acolhimento que haviam tido em sua casa.
O dr. Euclydes da Cunha, então cheio de viva cólera, absolutamente crente no que se lhe insinuava, cego, sem procurar sequer raciocinar, disse-lhes: “Amanhã se acaba tudo isto, mato-os”.
Presenciou este fato o seu filho mais velho, Solon, de 17 anos, que se apressou a sair de casa, ontem, logo cedo, para levá-lo ao conhecimento de sua mãe.
O dr. Euclydes da Cunha saiu também cedo de casa, dirigindo-se para a Estação Central da Estrada de Ferro, onde tomou um trem de subúrbios.
Tendo ouvido a narrativa que lhe levara seu filho Solon, a sra. d. Anna da Cunha não quis perder tempo. Acompanhada de Solon e de Luiz, de um ano e meio de idade, d. Anna saiu imediatamente de casa, dirigindo-se para a Estrada de Ferro, onde tomou o primeiro comboio, que partiu para os subúrbios.
Todo o seu intuito era chegar antes do marido, chegar a tempo de impedir a grande desgraça, custasse o que custasse, com o seu prestígio de mulher, de companheira de 17 anos de vida comum ou com o prestígio dos filhinhos que levara consigo.
Infelizmente, porém, d. Anna da Cunha chegou tarde.
Seu marido tinha-a precedido, chegara um comboio antes.
Dirigiu-se então para a casa dos irmãos Cândido Assis, e quando lá entrou já encontrou o dr. Euclydes da Cunha agonizante sobre um leito, em torno do qual Dilermando e seu irmão se quedavam comovidos.
D. Anna da Cunha penetrou no quarto justamente com seu filho Solon, que com ela, ajoelhando-se ao lado do leito, procurava saber do agonizante o que se havia passado.
O dr. Euclydes da Cunha pronunciou ainda algumas palavras de perdão e de amor e rendeu a alma ao Criador.
Remontando a narrativa ao momento em que o dr. Euclydes da Cunha tomou o trem suburbano, vimo-lo saltar na estação da Piedade e perguntar ao primeiro transeunte onde demorava a Estrada Real de Santa Cruz.
Indicam-lhe e ele segue para a frente.
Ao chegar à pequena “república” dos rapazes seus protegidos, dentro da salinha da frente, cujas paredes são cobertas de panóplias de armas, vê Dinorah assentado à mesa tomando uma xícara de café.
Aqui principia a narrativa feita pelos dois irmãos, pois o fato se passou sem testemunha alguma.
Percebendo-o ao portão, o rapaz foi abri-lo.
Ele entrou e dirigiu-se direto à porta de um quarto que estava fechada, indagando se sua mulher se achava ali.
Era o quarto de Dilermando, que ainda dormia.
Ainda não eram 11 horas da manhã.
O dr. Euclydes da Cunha forçou a porta e fazendo Dilermando levantar-se, disse que fora ali para matar ou morrer.
E juntando a ação à palavra detonou o primeiro tiro de seu revólver.
A este tiro sucederam-se outro e mais outro.
Dilermando declarara que tomando por sua vez um revólver procurou intimidar o dr. Euclydes, disparando dois tiros contra a parede, mas como visse que ele não retrocedia e não o pudesse desarmar, alvejou-o, por sua vez, em defesa própria.
Seu irmão Dinorah interveio na luta, estabelecendo-se então verdadeiro tiroteio dentro do pequeno aposento.
Em poucos instantes, o dr. Euclydes da Cunha, baleado mortalmente, procurava a saída da casa, indo cair exangue de forças no pequeno jardim à frente.
Então, contam os irmãos que apesar de se acharem ambos também bastante feridos, aproximaram-se do seu antigo protetor e recolheram-no para dentro de casa, deitando-o no leito de Dilermando.
Os ferimentos que o dr. Euclydes da Cunha apresenta são: no pulso, no braço, no flanco direito e na região infra-clavicular esquerda, que parece ter sido que determinou a morte, provocando uma hemorragia interna.
Dilermando Cândido de Assis, de 21 anos de idade, está ferido no mamelão direito, virilha e baixo-ventre do mesmo lado.
Dinorah Cândido de Assis, de 20 anos, tem apenas um ferimento na região dorsal.
Os dois irmãos, naturais do Estado do Rio Grande do Sul, são filhos do 1º tenente do Exército João Cândido de Assis, e viviam há seis anos sob a proteção do dr. Euclydes da Cunha.
Quando a lamentável notícia foi confirmada, dirigiram-se imediatamente para a Piedade numerosos amigos do grande brasileiro que se extinguira tão desastradamente. Um dos primeiros que lá chegaram foi o deputado Coelho Netto, que já o encontrou morto.
Depois de conversar rapidamente com a sra. d. Anna da Cunha e seu filho Solon, o sr. Coelho Netto procurou a agência dos telégrafos e dali expediu despachos aos srs. drs. Nilo Peçanha, presidente da República; barão do Rio Branco, Esmeraldino Bandeira, Conselheiro Ruy Barbosa e Mário de Alencar, secretário da Academia de Letras, de que o dr. Euclydes da Cunha era um dos mais belos ornamentos.
Depois disto, o sr. deputado Coelho Netto que foi infatigável nesta triste emergência voltou à casinha da Estrada Real, e começou a dar providência para que o corpo fosse transportado para a estação.
Eram 3 horas da tarde quando o cadáver do dr. Euclydes da Cunha foi colocado sobre uma maca da guarda noturna de Inhaúma e carregado para a agência da estação da Piedade, onde ficou depositado até que chegasse o vagão fúnebre que o deveria trazer para a cidade.
A maca, da casa da Estrada Real para a agência, foi carregada pelo sr. deputado Coelho Netto, pelo delegado do 20º Distrito dr. Oliveira Alcântara e pelos repórteres de todos os jornais.
O corpo esteve na agência da estação da Piedade até às 6 horas e 34 minutos da noite, quando foi colocado em um vagão fúnebre anexo ao trem suburbano SU-96 que o conduziu para a estação Central.
Ali, aguardavam a chegada do corpo do infortunado publicista grande número de amigos e uma massa enorme de curiosos.
O corpo do infortunado publicista ficou durante algum tempo dentro do vagão da Estrada de Ferro. Ao chegar o coche fúnebre que deveria conduzir o cadáver para o necrotério, foi o corpo transportado para este veículo, pegando na maca, os srs. dr. Brício Filho, Irineu Marinho, dr. Oliveira Alcântara, Felix Pacheco, José Cordeiro e Anor Margarido. Ao chegar no necrotério, já aí se achavam entre outras pessoas os srs. Gastão Paranhos, sobrinho do sr. Barão do Rio Branco, e seu oficial de gabinete, dr. Muniz de Aragão, os quais, de ordem do sr. ministro do Exterior, fizeram cobrir de flores o corpo do ilustre morto, e colocaram-lhe aos pés duas palmas.
Durante a noite, o cadáver foi velado por diversas pessoas, amigos do dr. Euclydes da Cunha, entre os quais destacamos os srs. Olavo Bilac, Ernesto Senna, Júlio Barbosa, Manoel Lavrador, Muniz de Aragão, Carvoliva, Felix Pacheco, Octávio Moraes, Arthur Alves, dr. Brício Filho, tenente Odilon de Araújo, Antonio Dantas, Miguel F. Moraes, Óton do Amaral, Mário Guaraná, Ludgero Vidal, Teotônio de Oliveira, Otávio Dutra, Viriato de Araújo e Júlio de Oliveira.
O dr. Euclydes da Cunha deixa quatro filhos: Solon, de 16 anos; Euclydes, de 14 anos; Manoel Affonso, de 8 anos, e Luiz, de menos de dois anos.
Na Central da Estrada de Ferro encontrou-se também o menino Euclydes.
O cadáver foi transportado às 8 horas da noite para o Necrotério Público, onde será examinado, hoje, pelos médicos legistas da Polícia, devendo em seguida ser levado para a Academia Brasileira de Letras, de onde sairá o féretro para o Cemitério de São João Baptista.
O aspirante a oficial Dilermando Assis foi recolhido ao Hospital Central do Exército, tendo saído da Piedade às 3 horas e meia da tarde, acompanhado de um comissário.
Apesar de gravemente ferido o rapaz dirigiu-se a pé para a estação e daí para o trem, onde se sentou naturalmente em um carro de 1ª classe.
Dinorah acompanhou-o até a estação de S. Francisco Xavier, seguindo por sua vez para o Posto Central de Assistência, onde foi medicado e saiu para recolher-se a um quarto particular na Santa Casa de Misericórdia.
Ao sair de sua casa, em Copacabana, ontem pela manhã, o dr. Euclydes da Cunha trajava uma roupa velhíssima, há muito tempo abandonada.
Apesar disto, quando a polícia do 20º Distrito revistou as roupas do cadáver foram ainda encontrados nos seus bolsos diversos papéis particulares, um livro de cheques do London Bank e duas fotografias, sendo uma sua tirada na época em que era ainda noivo de d. Anna da Cunha.
O delegado de polícia do 20º Distrito, que esteve desde cedo no local com o seu escrivão Anor Margarido, tomou por termo as declarações dos dois irmãos Assis.
O revólver do dr. Euclydes da Cunha foi apreendido; era uma arma pequena, nova, de sete balas, das quais a última não detonou.
A arma do aspirante Dilermando foi um enorme revólver de campanha, calibre 80, semelhante ao Nagant.
O aspirante a oficial Dilermando de Assis esteve no último baile do Itamaraty. Teve há pouco um assalto de armas com o professor Jorge Ochepinti.
Seu irmão Dinorah de Assis é aluno ouvinte no 2º ano da Escola Naval.
É impossível à hora em que terminamos esta notícia redigir com largueza a biografia do nosso malogrado colaborador, traçar-lhe o perfil literário, fazer a análise de seus trabalhos e de suas obras.
Em nossas coleções encontraríamos à farta, elementos para uma exata apreciação da vida desse engenheiro e escritor notável, que morre aos 41 anos, quando ainda poderia prestar ao seu país e à língua portuguesa serviços inestimáveis.
Aluno da velha Escola Militar, fez parte da falange republicana que Benjamim Constant ali educou. Já nesse tempo afastado era um poeta apreciável, tendo deixado grande cópia de versos, alguns dos quais realmente brilhantes.
Quando Tomás Coelho foi à aludida Escola, onde a agitação democrática fervia às escancaras, Euclydes da Cunha praticou o famoso gesto de atirar-lhe [ilegível] arma aos pés, exclamando que uma dignidade acalma que se pretendia obter da mocidade republicana por meio de afagos interesseiros.
Reintegrado nas fileiras a 15 de novembro de 89, formado mais tarde em Engenharia Militar, combateu no litoral contra a Revolta da Esquadra e é pena que poucos escritos tenha deixado a respeito dessa horrível época de nossa história política.
Houve um dia em que se pode dizer sem exagero que o jovem oficial salvou, pela coragem de um protesto, a honra de sua geração perante a história. Foi quando se falou em asfixiar pela cal os presos políticos da Correção. A carta memorável que o tenente legalista publicou na Gazeta de Notícias, verberando a projetada monstruosidade, ficará como um belo documento da sua nobreza de caráter.
Bem cedo compreendeu Euclydes da Cunha que não era o Exército a profissão que lhe convinha.
Depois de empregar-se em alguns trabalhos de engenharia em São Paulo, acompanhou como jornalista a Campanha de Canudos e de volta escreveu Os Sertões, ao mesmo tempo que fiscalizava a reconstrução de uma ponte naquele Estado.
O que foi esse livro, não é preciso dizê-lo agora. Não há, em nosso país, memória de estréia mais fulgurante. O escritor e o homem de ciência adquiriram logo um renome enorme, só comparável à admiração geral suscitada pela coragem com que pintou as misérias e torpezas de que fora teatro o sertão baiano.
Desde esse dia Euclydes da Cunha ficou sendo um nome nacional. Pode-se dizer sem favor que ele inaugurou uma literatura nova.
Talvez não medre o seu feitio, mas ainda assim a sua figura ficará como uma das mais poderosas e originais entre as dos maiores escritores da língua portuguesa.
Sócio do Instituto Histórico, membro da Academia Brasileira de Letras, na vaga de Urbano Duarte, auxiliar técnico do barão de Rio Branco no estudo das questões de fronteiras, Euclydes da Cunha desenvolveu nestes dez anos ma assombrosa atividade mental, tendo publicado:
Em 1902, Os Sertões (Campanha de Canudos), de que foram tiradas três edições;
Em 1906, o Relatório da Comissão Mista Brasileiro-Peruana de Reconhecimento do Alto Purús, trabalho esse em que colaborou o comissário peruano Pedro Alejandro Buenano, e a que anexou as suas Notas Complementares; sobre a História da Geografia do Purús, seu Povoamento e Navegabilidade;
Em 1907, Contrastes e Confrontos, um volume, Porto;
Em 1907, Peru versus Bolívia, um volume, trabalho este publicado nas colunas do JORNAL DO COMMERCIO e de que foram tiradas duas edições no Rio de Janeiro, sendo publicada uma tradução espanhola em Buenos Aires, feito pelo sr. Eliodoro Villazon, atual presidente da República da Bolívia;
Em 1908, também nesta folha, Martin Garcia, (A propósito de Martin Garcya la jurisdicion del Plata, de Agustín de Vedia), estudo traduzido para o espanhol e publicado em Buenos Aires pelo sr. Agustín de Vedia.
Fez, em S. Paulo, em 1908, uma conferência sobre Álvares de Azevedo, que também publicamos. Não falamos aqui no grande número de artigos que deixa esparsos.
De 5 de Abril a fins de Outubro de 1905, fez o reconhecimento do Alto Purús, sendo chefe da Comissão Brasileira.
Deixa no prelo um livro. À Margem da História.

Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 17 de Agosto de 1909

Uruguai – Todos os jornais consagraram artigos ao Dr. Euclydes da Cunha.
Senado – O Sr. João Luiz Alves requereu e o Senado aprovou unanimemente um voto de pesar pelo falecimento do Dr. Euclydes da Cunha.
Câmara – Sobre a morte de Euclydes da Cunha falaram os Srs. Érico Coelho e Coelho Netto, sendo lançado na ata um voto de pesar.
Conselho Municipal – Realizou-se com grande acompanhamento o enterro do Dr. Euclydes da Cunha, tendo o féretro saído da Academia Brasileira de Letras.

Telegramas

BELÉM, 16
Produziu grande consternação a morte do Dr. Euclydes da Cunha.
O “Jornal” estampou o seu retrato, acompanhado de artigo, lastimando a perda irreparável que sofreu a literatura nacional.
A “Província” mandou depositar no seu túmulo uma coroa de saudades e nomeou representante para acompanhar o enterro.

RECIFE, 16
Causou profunda impressão o assassinato do Dr. Euclydes da Cunha.

S. PAULO, 16
A divulgação do triste fim do Dr. Euclydes da Cunha causou dolorosa impressão a toda a cidade.
A imprensa publica necrológios, largas notícias telegráficas e o retrato do malogrado escritor.
Os estudantes de direito salientam-se em suas manifestações ao grande estilista. As aulas dos lentes Drs. João Mendes e Ernesto Moura foram suspensas, depois de falarem os acadêmicos João Abreu e Eugênio Monteiro.
No Centro Acadêmico Onze de Agosto, em reunião presidida pelo bacharelando Vasques Neto, secretariado pelos bacharelandos Soares Chaubert e João Abreu, exposta o fim da reunião pelo presidente, falou o Sr. Flor Cyrillo sobre a individualidade de Euclydes da Cunha.
Os acadêmicos resolveram tomar luto por 7 dias, telegrafar à Academia de Letras dando pêsames, e solicitando do Sr. Barão do Rio Branco que os represente nos funerais.
O Centro resolveu adiar a inauguração do retrato de D. Pedro II e realizar sessão cívica no salão nobre da Faculdade em homenagem à memória do autor dos Sertões.
Será a sessão presidida pelo Diretor da Faculdade, Dr. Dino Bueno, sendo orador oficial o lente Reynaldo Porchat, amigo e admirador do finado.

S. PAULO, 16
No Tribunal do Juri, ao abrir-se a sessão o Dr. José Renevides de Andrade Figueira, em nome dos jurados, pediu ao presidente a inserção na ata, de um voto de pesar pela morte do Dr. Euclydes da Cunha.
O Dr. Adolfo Melo deferiu o pedido, associando-se à manifestação.

PORTO ALEGRE, 16
Na Faculdade de Direito foram suspensas as aulas, em sinal de pesar pela morte do Dr. Euclydes da Cunha, que foi aqui geralmente sentida.

BUENOS AIRES, 16
O correspondente da Nacion no Rio de Janeiro narra circunstanciadamente os episódios da tragédia de que foi vítima o Dr. Euclydes da Cunha.
Em nota da redação, o mesmo jornal faz justiça às qualidades de talento e caráter do glorioso escritor Brasileiro.

URUGUAI
MONTEVIDÉU, 16
Todos os jornais publicaram a biografia do Dr. Euclydes da Cunha, a cujo caráter e talento rendeu os mais altos louvores.

GAZETILHA

CONGRESSO NACIONAL – O Sr. João Luiz justifica e requer um voto de pesar pelo falecimento de Euclydes da Cunha,
Esse requerimento é aprovado unanimemente.

CÂMARA DOS DEPUTADOS – A requerimento do Sr. Érico Coelho e depois de falar o Sr. Coelho Netto, como damos em outro lugar, foi lançado na ata um voto de pesar pela morte de Euclydes da Cunha.

Assassinato do Dr. Euclydes da Cunha

Foi geral o sentimento de pesar causado pela notícia da horrível tragédia da Estrada Real de Santa Cruz. O assassinato do Dr. Euclydes da Cunha não podia deixar de impressionar fortemente o espírito público. Ainda que ele não fosse a notabilidade que era, as circunstâncias do crime teriam bastado para suscitar comentários de todo gênero. Mas a verdade é que só há uma apreciação a fazer-se e esta deve ser a da laboriosa vida do escritor e profissional de raro mérito, que o Brasil acaba de perder num obscuro lance dramático.
De todos os Estados, especialmente de S. Paulo, e bem assim das Repúblicas vizinhas chegaram eloqüentes testemunhos da surpresa e da intensa dor que a morte do Dr. Euclydes da Cunha produziu.
No Senado, na Câmara, por toda parte, essas demonstrações se multiplicaram com tocante sinceridade.
O brilhante estilista dorme agora o sono eterno, e a sua memória crescerá com os anos, avultará no tempo, cada vez mais admirada e mais querida.
A AUTÓPSIA – O cadáver do infortunado escritor Dr. Euclydes da Cunha, foi guardado durante a noite, no Necrotério, por um numeroso grupo de amigos a que por cerca de 4 horas da manhã se foram juntar os seus parentes, Srs. Nestor Augusto da Cunha, oficial do gabinete do Sr. Ministro da Fazenda, Engenheiro Arnaldo Pimenta da Cunha, e seu filho primogênito Solon da Cunha.
Para cerca de 9 horas da manhã, chegou ao Necrotério o Sr. Dr. Afrânio Peixoto, Chefe do Gabinete Médico Legal, que ia proceder à autópsia do cadáver.
Transportado o corpo do desditoso publicista do caixão mortuário em que se achava para a sala das autópsias, foram-lhe ali logo em seguida metodicamente despidas as vestes, começando às 10 horas em ponto o exame de necrópsia, que foi feito pelo Dr. Afrânio Peixoto, tendo como auxiliares os Drs. Cunha Cruz, Alfredo de Andrade, Rodrigues Caó e Diógenes Sampaio, médicos legistas da polícia.
O exame da autópsia, feito com extraordinária minuciosidade e atenção pouco vulgar, terminou às 12 horas e 10 minutos do dia, sendo então o cadáver recomposto pelos médicos, auxiliados pelos serventuários do Necrotério, Roberto Bruce e Armando Soares. Terminado este trabalho, o Dr. Afrânio Peixoto; juntamente com os seus auxiliares, coordenando as notas que durante o exame haviam tomado, lavraram o seguinte auto de autópsia:
INSPEÇÃO EXTERNA: – “O cadáver é de um homem branco, medindo 1m65 de comprimento, vestindo calça de casemira escura, ceroula branca de linho, desabotoada em parte e descida; camisa de linho branco e outra inteira de flanela, ambas manchadas de sangue e apresentando ambas solução de continuidade de 21 milímetros de extensão, e correspondendo a uma ferida na região infra clavicular direita.
No dorso e à direita estas vestes apresentam dois rasgões embebidos de sangue e correspondendo a dois ferimentos situados aí na pele.
O cadáver está em estado de rigidez, de olhos e boca entreabertos, não se escapando líquido algum das cavidades nasais.
Livores de hypopostase no dorso e partes declives.
Apresenta: na região infra-clavicular direita 11 centímetros de linha média e 10 centímetros da curva deltoidiana, um ferimento circular, de bordas enegrecidas e equimosadas, medindo dois centímetros em seu maior diâmetro, apresentando os caracteres das feridas por armas de fogo; na parte média do braço, na região antero-interna e postero-externa esquerda, dois ferimentos também de bordas enegrecidas e auréola aquiomática em torno, medindo um 7 milímetros e o outro 12 milímetros, afetando a forma de orifício de entrada e de saída de um projétil, correspondendo-se pela sondagem.
O braço esquerdo está encurtado e deformado pela fratura do humerus com cavalgamento, crepitação, esquirolas e fragmentos ósseos.
No punho, à direita, uma ferida de bordos enegrecidos, medindo nove milímetros, correspondendo, na face palmar da mão, há uma outra ferida, de lábios revirados para fora e de um centímetro de extensão.
No dorso, à direita, na parte superior da região costal, duas feridas: uma de bordas enegrecidas e medindo 15 milímetros em seu maior diâmetro, outra de lábios revirados para fora, correspondendo-se pela sondagem um trajeto de 55 milímetros, com o orifício de entrada e saída de um projétil.
Seguiu-se a INSPEÇÃO INTERNA. CRÂNIO E ENCÉFALO.
A calote resistente, meninges duras, pouco aderentes, apresentando-se bastante desenvolvidas as granulações de Pachione.
Placas leitosas de lipton-meningite. Ligeiro edema nas imediações das circunvoluções rolândicas. O cérebro pesando 1515 gramas foi retirado para ulteriores investigações. Meninges aderentes à base do crânio.
CAVIDADE TORÁXICA E ABDOMINAL: Diafragma. Corresponde ao sexto espaço intercostal. Nenhum líquido anormal na cavidade abdominal. Aberto o tórax encontra-se, na cavidade pleural direita, um derrame sanguinolento de 1300 gramas de sangue escuro e fluído.
Correspondendo à ferida externa, na região infra-clavicular, encontram-se em todos os tecidos moles um trajeto de bordos equimoseados e penetrando na cavidade, lesando o pulmão no lóbulo superior através de toda a sua massa. Pulmão direito apresenta numerosas aderências na parte superior e na sua massa nódulos numerosos. O pulmão esquerdo igualmente aderente na parte superior e inferior do lóbulo superior. Na cavidade toráxica esquerda existem 50 gramas de líquido sanguinolento.
O pericárdio contém cerca de 20 gramas de líquido citrino. O coração vazio, flácido, com ligeira sobrecarga gordurosa; cavidades esquerdas igualmente vazias.
Válvulas arteriais suficientes. Placas de ateroma na aorta. Coronárias vazias e permeáveis. O pulmão direito apresentando numerosas simfises na parte superior e dorsal.
O orifício externo já mencionado corresponde a um interno e inferior indo ter após o trajeto de 9 centímetros a uma lesão da 7ª vértebra dorsal, em cujo corpo penetrou o projétil, fraturando a costela direita correspondente, achando-se cravada na lâmina vertebral.
É uma bala de chumbo, das de revólver, deformada na ponta, pesando 10 gramas e medindo 7 milímetros de comprimento sobre 9 milímetros de base.
Nódulos e núcleos cazeosos na massa do pulmão direito. No pulmão esquerdo grande, congesto e engorgitado nas partes declives, areiada representando focos congestivos na sua parte posterior: nódulos cazeosos menos numerosos.
Abdômen – O fígado, grande, apresentando-se à seção, amarelado, havendo a espaços ligeira hipertrofia do tecido conjuntivo.
O baço pequeno, retraído, exangue ao corte e se apresentando com ligeira hipertrofia do tecido conjuntivo.
O rim esquerdo de tamanho regular, cápsula aderente a espaços, nada apresentando de anormal.
O rim direito com a cápsula aderente a espaços, apresentando anemeado à seção.
O estômago grande, cheio de gases contendo pequena quantidade de substância semi-líquida em digestão.
Intestino contendo líquido e gases, bexiga cheia de urina amarela clara.
Causa mortis – Hemorragia do pulmão direito, devido a ferimento por arma de fogo, atravessando de um lado a outro o órgão.
Além desta, causa da morte, o cadáver apresenta três outras lesões por armas de fogo.
Em seguida a este auto, foi o cadáver do Dr. Euclydes da Cunha vestido com casaca preta, meias de seda da mesma cor, camisa branca de goma e sapatos de verniz, sendo depois colocado no caixão.
Enquanto isto se passava, os parentes do querido morto davam as providências necessárias para o enterramento.
Às 12 horas e 40 minutos da tarde o corpo saiu do Necrotério para a Academia Brasileira de Letras, sendo para ali transportado em coche fúnebre de 1ª classe.
Por esta ocasião pegaram nas alças do caixão os Srs. Dr. Afrânio Peixoto, José Veríssimo, Ernesto Senna, Leôncio Corrêa e alunos do Colégio Pedro II.
O coche fúnebre foi acompanhado a pé do Necrotério para o edifício do Silogeu Brasileiro. Por esta ocasião, entre outras pessoas, vimos as seguintes:
Desembargador José Antonio Gomes, Alfredo Gomes, Felix de Sousa, Agenor de Azevedo, Acrísio Bezerra, Leal de Souza, João Gabriel Minas, Leôncio Corrêa, Roberto Cunha, Drs. José Veríssimo, Mário de Alencar, Quintão Gastão de Sá, Drs. Miguel Calmon, Antonio Calmon, Max Fleiuss, Dr. Paulo de Moraes Barros, José de Caracas, Oscar Clart, Luiz Nasini, Mário Ramos da Silva, Jacques Raimundo, Teototônio de Oliveira, Dr. Vieira Fazenda, Mário de Vasconcelos, Otávio Dutra, Dr. Leão Velloso, Dr. Alberto M. Lino, Ernesto Senna, Radagázio Moniz Freire, Antonio Atacavanni Nunes Filho, S. Silva, David Madeira, Castella de Carvalho, da Gazeta de Notícias; Nicolau Ciôncio, Marcellino Machado, Jorge de Toledo Dodsworth, J. Ferreira Guimarães, Dr. Marcos Batista dos Santos, J. Guimarães de Souza Sobrinho, João Lima Monteiro e Castro, Paulino Antonio de Souza, Luiz Gonzaga Barbosa, Felippe N. Ferreira Brandão, Álvaro da Silveira Gusmão, Tenente Arthur Alves, Joaquim Honório Meira, Waldemar Ferreira da Silva, Argemiro Toscano de Brito, Afonso Magalhães Júnior, d’A Tribuna; Joaquim Antonio Pimentel Júnior, Gualter de Almeida, Luiz da Afonseca, Valmore Magalhães, Aneno F. S. Santos, Justino A. Ferreira, Oscar Dermeval, da Notícia; Antonio Cid Lebelta, Antonio A. Moyano, Corresponze Estranger; Bilac Guimarães, José Manoel de Carvalho Pedroso, Dr. Guarani Goulart, Senclair F. de Pádua, Araripe Júnior, Dr. Alfredo de Andrade, Dr. Cunha Cruz, Aluízio Lima Campos, Dr. Lassance Cunha, Jaime de Azevedo Villas Boas; (Externato Nacional Pedro II, 4º ano): Raul Moura de Azevedo Maia, idem; Victor Mondaini, idem; Otávio de Menezes, idem; Lourival de Andrade, idem; Antonio Pereira da Costa, idem; Samuel Clark Neves, udem; Horácio Bosur, Vicente Trotte (Externato Nacional Pedro II, 3º ano;) Argemiro Mattos de Souza, Mariano de Brito, Antonio O. Moraes Lacerda (Externato Nacional Pedro II, 2º ano;) Otávio Soares (5º ano do C. R. Vasconcelos); Elísio da Silva Pinheiro (2º do Colégio Pedro II); Cid de Menezes, Pádua, idem; Nestor Rodrigues Silva, 2º Tenente do Exército; Miguel Salazar de Moraes, 2º Tenente do Exército; Ademar Pimenta (Externato Pedro II); Bartolomeu do Rego (Externato Pedro II, 1º ano); Carlos Batista Pereira Bastos, idem; Alcides Rosa, Heleodoro Augusto de Medeiros, José Joaquim Ribeiro Lima, Camisão de Melo, Moisés Villaça de Azevedo, Agenor Mafra, Jacinto Silva, Henrique Aderne, Nelson Pulchério, (Externato Pedro II, 1º ano); Hoche Pulchério, idem; Henrique Teixeira Campos, pela Gazeta da Tarde; Edgard Sampaio, M. Sampaio, Homero Carneiro (Externato Pedro II); Álvaro Antonio da Cunha, idem; Newton Simolain (Externato Pedro II, 3º ano); O. Delpech, José Bernadino de Senna (Externato Pedro II); Lico de Sá Carneiro, idem; Olímpio de Niemeyer, Afrânio Marinho da Cruz Camarão, Capitão Oliveira Gameiro, José Alexandre de Souza Filho, Arnaldo da Cunha Ferreira, Aníbal Couto, Victor Hugo Aranha e Nelson Medrado, pelo Correio da Noite.
O ENTERRAMENTO – O enterro do Dr. Euclydes da Cunha estava marcado para às 5 horas da tarde. Muito antes dessa hora, porém, começaram a chegar ao edifício do Silogeu cavalheiros representantes de todas as classes sociais, que foram prestar a sua derradeira homenagem ao inditoso escritor.
O corpo de Euclydes da Cunha repousava em caixão de primeira classe, sobre uma eça levantada em uma das salas ocupadas pela Academia Brasileira de Letras. Em torno, ardiam grandes tocheiros e na parede, ao fundo, erguia-se uma imagem do Cristo Crucificado.
O caixão desaparecia por entre custosas coroas e delicados ramos de flores naturais.
Na hora de ser transportado o caixão mortuário para o coche fúnebre, o Sr. Coelho Netto, lamentou, em rápidas palavras, o grande golpe porque acabava de passar a Pátria Brasileira, com a perda irreparável do ilustre membro da Academia de Letras.
Conduziram o caixão para o coche fúnebre os Srs. Capitão de Corveta José Maria Penido, representando o Sr. Presidente da República; Senador Rui Barbosa, José Veríssimo, Dr. Pecegueiro do Amaral, Dr. Coelho Netto e Solon Cunha.
Muitos carros formaram o prestito fúnebre, que, saiu com destino ao cemitério de S. João Batista.
Era já noite feita, quando se verificou a chegada àquela vasta necrópole. O corpo de Euclydes da Cunha foi inhumado no carneiro nº 3026, que estava todo ornamentado com flores.
Da entrada principal até aí, foi ele conduzido pelos Srs. Capitão de Corveta José Maria Penido, Filinto de Almeida, General Dantas Barreto, Coelho Netto, Arnaldo Cunha, Alberto de Oliveira, Dr. Miguel Calmon, Senador Arthur Lemos e Medeiros e Albuquerque.
Esse carneiro fica logo à esquerda de quem entra no cemitério, de junto ao gradil que dá para a rua Real Grandeza.
Por ocasião de baixar o corpo à sepultura, o Sr. Olímpio Niemeyer pronunciou algumas palavras de despedida.
Entre muitas coroas depositadas sobre o túmulo do saudoso escritor, vimos as seguintes:
“Ao Sr. Euclydes da Cunha – Lembrança do amigo grato Rio Branco.”
“A Euclydes da Cunha – Saudade eterna do Desembargador Gomes e sua filha.”
“Homenagem da tia Honorina e dos primos, Nestor, Álvaro e Izaura.”
“Última lembrança do primo Armando Cunha.”
“De seu pai – Saudade eterna.”
“La Legacion de Bolívia – A Euclydes da Cunha.”
“Ao Euclydes – Saudade de sua sogra e cunhados.”
“Ao bom Euclydes – Saudades de Araripe Júnior.”
“Saudosa lembrança – de Miguel Calmon.”
“Saudade imorredoura – de Adélia, Otaviano e filhos.”
“Ao Euclydes – Saudades do amigo Bhering.”
“Ao maior escritor brasileiro – Veneração dos Tenentes Alves Moraes, Odilon, Nestor, Jaime, José, Júlio e Daltro Filho.”
“A Euclydes da Cunha – Saudade da Academia de Letras.”
“Saudades de Anna Solon da Cunha e filhos.”
“Ao Dr. Euclydes da Cunha – O Estado de S. Paulo.”
“Ao Euclydes da Cunha – Saudades de Júlio Mesquita.”
“Ao seu distinto colaborador Euclydes da Cunha – O Jornal do Commercio.”
“A Folha do Dia – A Euclydes da Cunha.”
“A Euclydes da Cunha – Do admirador muito amigo – Arthur Lemos.”
“A Euclydes da Cunha – O Paiz.”
Dentre as muitas pessoas que visitaram o cadáver no edifício do Silogeu e que acompanharam o enterro, colhemos os nomes das seguintes:
Capitão-Tenente Galvão Bueno, representando o Sr. Dr. Nilo Peçanha, Presidente da República; José Veríssimo, Olavo Bilac, Marcelo E. Farias, pelo Instituto Afonso Pena; Osório Duque Estrada, Joaquim A. Lisboa, Medeiros e Albuquerque, Adroaldo Solon Ribeiro, Arnulfo Solon Ribeiro, Zadok Pastor, Lafayette B. R. Pereira, João Alfredo Pereira Rego, General Dantas Barreto, Augusto Cunha, Lindolfo Xavier, Dr. Alfredo Barcellos, Antenor Coelho, Félix Pacheco, Major Joaquim Lacerda, A. Rios, Deocleciano Coelho, Otávio Simas, Oscar Figueiras, Othon do Amaral, Dr. Miguel Calmon, Marques Pinheiro, Escragnole Dória, Senador Arthur Lemos, Deputado Deoclécio de Campos, Francisco P. Carneiro da Cunha, Alberto Faria, Orville A. Derby, James Darcy, Dr. Gentil Norberto Antonio Jansen do Paço, Mário Motta, Floriano de Brito, Dr. Carlos de Laet, Senador Ruy Barbosa, Dr. Érico Cruz, Dr. Brício Filho, Victor da Silveira, Dr. Rafael Pinheiro, Dr. Araújo Jorge, Coronel Bezzi, Dr. Pecegueiro do Amaral, Dr. Moniz de Aragão, Ferraz Faria, Sinval Saldanha, Nicolau Frageli, Dr. Leopoldo de Bulhões, representado pelo seu oficial de gabinete, Sr. Nestor Augusto da Cunha; Dr. Jayme Borba, Dr. Barros Moreira, Rodrigo Otávio, Filho, Thomaz Lopes, J. M. Goulart de Andrade, José Vianna Marques, Joaquim Nicolau Filho, Jacinto Paes de Mendonça Dias, Frederico de Barros Barreto, Vinhaes Júnior, Francisco Bernadino de Senna Júnior, Tristão Ferreira da Cunha, Bilac Guimarães, Luiz do Valle, J. H. Pacheco Júnior, José do Patrocínio Filho, Dr. Francisco Bhering, Antonio Carneiro Leão, Cláudio Coelho, Sílvio Romero, Licínio Cardoso, Augusto Ernesto Lassance Cunha, Dr. Carlos Peixoto Filho, Viriato de Araújo, Otávio Novaes, Manoel de Carvalho, Manuel Bernardes, Cândido Antunes Filho, Dr. Primitivo Moacir, Dr. Cláudio Pinilla, Ministro da Bolívia; Odilon Antenor de Araújo, Dr. Érico Coelho, Jayme Mendes, Miguel S. de Moraes, Capitão Henrique Silva, João Barbosa, pelo Estado de S. Paulo; João de Souza Lage, Carlos de Araújo, Emílio de Menezes, Dr. Leôncio Corrêa, Dr. Luiz Baleia, Paes Barreto, José P. Rebello Júnior, Serafim Franca, Deputado Eloy de Souza, San Germano Michelli, José Alves Netto Júnior, E. Borges Filho, Belarmino Mendonçca Filho, Frederico de Carvalho, por si e pelo Sr. Barão do Rio Branco, Ministro das Relações Exteriores; Dr. Afrânio Peixoto, Alfredo Américo Carneiro da Cunha, Rui Carneiro da Cunha, Dr. Lacerda Franco, Henrique Aderne, Dr. Francisco de Castro, Dr. Pinheiro Guimarães, por si e pelo Sr. Dr. Gastão da Cunha; Eduardo A. de Caldas Brito, Nestor Victor, Coelho Netto, uma comissão de alunos do Externato Pedro II composta dos Srs. Joppet da Silva, Ernani Cardoso, e Othon Seabra; João Luso, Ludgero Feital, Joaquim Pereira Ferreira, Heitor Modesto, Thomaz Cockrane, Dr. Inácio Cockrane, comissão do Internato Nacional Bernadino de Vasconcellos, composta dos Alunos Euclydes Roxo, José Filadélfio de Azevedo, Otávio Soares, Fernando Petronilho, Álvaro Heeksher, Flávio Roxo, Aniceto de Souza, Marques Porto Júnior, Carlos de Almeida, Alamir Martins, Jayme Linhares e Otávio Rocha; Tenente Juvenal de Oliveira, Francisco Baltazar da Silveira, Dr. Oldemar J. Moreira, Desembargador José Antonio Gomes, Alfredo Mariano de Oliveira, Joaquim de Freitas Brandão, Olímpio Niemeyer, Eugênio Nicoil, Dr. Coelho Lisboa, Dr. Constâncio Alves, Dr. Olímpio da Fonseca, Tenente Claúdio Monteiro, Tenente Otávio Félix, Francisco José Affonso, de Carvalho, Armindo Pereira, Rodrigues de Brito, Silvestre de Brito, Olintho Costa, Mariano da Fonseca, Antonio Bruno, David Eulálio de Souza, E. de B. Raja Gabaglia, Ernesto Senna, por si e pelo Sr. Dr. Martim Francisco Ribeiro de Andrade; Agenor do Coraville, Brito Guerra, Arthur Puglia, Antonio Leitão, Rodolfo Neiva, José Nolasco Pereira da Cunha, Pedro de Lima Vallverde, Silveira Martins Leão, Alípio Teixeira de Araújo, Ângelo Bonfani, Tenente Euclydes Pequeno, Dr. Alfredo Baltazar da Silveira, Camisão de Mello, João de Góes, Alfredo de Ambys, Antonio Peçanha e outros.
OS FERIDOS – O aspirante de Marinha Dinnorah Cândido de Assis foi recolhido à 18ª enfermaria da Santa Casa de Misericórdia, onde lhe foi designado um leito no ângulo esquerdo do salão, separado dos demais enfermos por um pequeno biombo.
Aí logo pela manhã foi procurado por um médico legista da polícia, Dr. Henrique Caó, que fora designado pelo 3º delegado auxiliar, para proceder a exame de corpo de delito em ambos os feridos.
O seu estado é lisonjeiro, tendo Dinnorah declarado em conversa ao aludido médico, desejar retirar-se imediatamente da Santa Casa por meio de alta, para ir reunir-se a seu irmão que se acha em estado grave, no Hospital Central do Exército.
Dilermando de Assis está na 1ª enfermaria deste hospital, aos cuidados do Sr. Dr. Ivo Soares.
À tarde este médico auxiliado pelo seu colega Dr. Paula Guimarães transportou o enfermo para a sala de operações do hospital a fim de procurar com a aplicação de aparelhos de raio X os pontos em que os projétis se acham alojados.
Os resultados das aplicações radiográficas foram os mais lisonjeiros, pois os médicos conseguiram determinar a posição das balas alojadas na virilha e no peito.
O estado do enfermo inspira sérios cuidados, mas apesar disto ele tem recebido amigos que o vão visitar com os quais conversa com certa animação.
Dilermando repele com energia a acusação relativa a natureza da amizade existente entre ele e a Sra. D. Anna da Cunha.
Mostra-se extremamente penalizado com o fim trágico que teve o seu protetor o Dr. Euclydes da Cunha e, não cessa de declarar que preferia sem hesitação ser ele o morto em lugar do grande brasileiro.
À tarde o Sr. Dr. Oliveira Alcântara, Delegado do 20º distrito policial, procurou em sua residência, a Sra. D. Anna da Cunha, para tomar as declarações suas e do seu filho Solon, declarações estas que irão figurar no processo.
Ao mesmo tempo na sede do 20º distrito prosseguiram ontem outros interrogativos necessários ao inquérito policial.
NO SENADO – O Sr. João Luiz lembra que o Senado já manifestou o seu pesar pela perda de dois dos mais brilhantes representantes da literatura brasileira, que recentemente faleceram – Machado de Assis e Arthur Azevedo.
É justo, portanto, que venha o orador pedir também um voto de pesar pelo doloroso fato do falecimento de Euclydes da Cunha, que pela sua educação republicana já se recomendava à consideração de todos os republicanos e que pela limpidez impoluta do seu caráter e pela grandeza da sua alma se impunha à estima de todos os homens de bem.
Foi um escritor que perpetuou na nossa língua as suas maiores belezas, deixando como pensador monumentos de alta filosofia sobre os problemas sociais que nos agitam; como historiador, soube escrever páginas notáveis da história; como geógrafo, prestou os mais relevantes serviços ao Brasil nas fronteiras do Acre e no seu monumental livro Peru versus Bolívia.
Quando pelos seus pensamentos republicanos, pela sua elevação literária, pelo seu culto voltado à história e à geografia, não merecesse a homenagem que o orador impetra no Senado, ele a mereceria certamente pelos serviços prestados à integridade da nação e como auxiliar dedicado do Sr. ministro das Relações Exteriores.
Acredita o orador que o Senado corresponderá ao seu apelo, mandando escrever na ata dessa seção o voto do seu profundo pesar pela morte de Euclydes da Cunha. (Apoiados, Aplausos.)
O Sr. Quintino Bocaiúva (Presidente) diz que o Senado ouviu o requerimento verbal do Sr. Senador pelo Espírito Santo.
A unanimidade dos aplausos com que foram acolhidas as palavras de S. Ex. dispensam a consulta do Senado para que seja consignada na ata dos seus trabalhos a expressão de sincero e profundo pesar que neste momento comoveu toda a nação, a que o Senado, pelo voto, vai dar demonstração autêntica.
O requerimento do honrado Senador pelo Espírito Santo, pedindo esse voto de pesar pelo falecimento do Dr. Euclydes da Cunha, corresponde, creio, ao sentimento geral da nação brasileira (apoiados), que via neste moço, uma das glórias da geração atual, assinalada não só pelos serviços prestados à República, como por produções de alto engenho literário que atestarão, no futuro, quanto esse representante da nova geração brasileira era pela pujança do seu cérebro um dos mais nobres e dos mais brilhantes representantes de nossa pátria.
O voto de pesar requerido pelo honrado Senador será consignado na ata dos trabalhos do Senado.
NA CÂMARA – A Câmara dos Deputados, depois de discursos dos Srs. Érico Coelho e Coelho Netto, lançou na ata um voto de pesar pelo triste acontecimento.
O Sr. Érico Coelho: – Senadores Deputados, o povo do meu estado natal, que em tão má hora política represento (não apoiados) sofre uma mágoa irreparável desde ontem, pois acaba de perder Euclydes da Cunha, na flor dos anos, mas cujo nome já está gravado na história da civilização brasileira em letras primorosas. (Muito bem.)
Peço aos senhores Deputados se dignem conceder que seja inserido na ata da sessão de hoje, um voto – como dizer? – de admiração e de saudade (muito bem) pelo grande patriota, o herói, o angélico, o genial Euclydes da Cunha, cuja morte os Fluminenses deploram neste momento. (Apoiados.) – Todo o Brasil!
O Sr. Coelho Netto: – Sr. Presidente, era natural que eu fosse precedido por um representante do Estado do Rio neste transe de saudade, de amargura para todos nós. Venho agora, em palavras que não sei se levarei a termo, falar do grande espírito que se calou em um drama de sangue.
Ontem, acudindo a um apelo aflitivo que me foi feito, dirigi-me à estação da Piedade, dolorosa duas vezes para nossa pátria, – primeiro porque foi nesse recinto que tem um nome suave e predestinado, que morreu o saudoso José do Patrocínio; depois porque dali saiu para o túmulo Euclydes da Cunha.
Ali chegando, ante uma casa de aspecto miserável, pareceu-me de improviso que eu estava entrando, páginas adentro, pela obra do grande mestre grego, tendo à frente de meus olhos o episódio dos Atrides: era francamente um trecho de Orestia, tal a grandeza da tragédia.
O momento, porém, não comporta frases nem a minha palavra tem disciplina bastante para fazê-lo. Devo dizer, Sr. Presidente, que as letras nacionais estão cobertas de pesado luto (muito bem). Anda a morte a ceifar a fina flor de nosso espírito. Sibaritismo, puro sibaritismo!
Agora, que vamos pouco a pouco fazendo novas as nossas forças é que começa a segadora terrível a ceifar. Que há de ser de nós amanhã se assim vão sendo levados os que nos poderiam engrandecer? Esse que desapareceu corporalmente do nosso convívio, deixando um nome que há de pairar como um espírito benéfico de nossa raça e representante de nossa cultura neste tempo, foi um forte escritor e um dos mais robustos representantes da literatura da língua portuguesa, porque no próprio berço da língua não há modernamente quem se lhe compare em vigor e em pureza verbal.
Honra das letras portuguesas, a sua obra não é somente a de um beletrista, mas a de um profundo pensador, amoroso de sua Pátria. Ele inaugurou para a nossa terra o período da evangelização literária. Não quis tratar perifericamente a nossa Pátria: foi aos sertões. Onde encontramos nós descrição mais palpitante, mais viva da nossa natureza nessas terras interiores, senão nas páginas formosas e eternas de Humboldt?
Quem é capaz de emparelhar, em estilística soberba, na palavra tersa, na frase extreme, nos períodos refeitos, com esse homem subitamente roubado por uma tragédia?
É o caso de eu dizer à minha boca que tem obrigação de calar-se nesta Casa, porque há um grande mistério pairando sobre o túmulo, mistério que eu não tenho direito de desvendar perante vós. Não sei o que é que armou aquela mão… Sei, porém, que ainda nessa tragédia aparece, robusto, brônzeo, o caráter viril daquele escritor possante.
Caiu, mas a sua obra aí está: é o bronze perene.
Que cabe a nós outros, Brasileiros, dizer neste momento? A mim, nada mais: começo a sentir o enfraquecimento de minha alma. A minha palavra já oscila; a expressão falha-me! Alguma coisa ocorre-me, que tem uma eloqüência mais forte do que o meu dizer! esta, porém, não deve aparecer aqui: é preciso que, falando de um homem pujento, eu tenha, pelo menos, a energia de o acompanhar sem lágrimas, neste transe derradeiro.
O voto que faço – não que peço – é que o Brasil acompanhe o grande espírito de Euclydes da Cunha, como o povo de Israel acompanhava a ascensão dos anjos visitadores – de olhos levantados para o céu – primeiramente para o céu da história, depois para o céu de Deus, em que há de ficar perenemente vivo o espírito que residiu no corpo do honrado mártir.
É com grande saudade, senhores, que eu, amigo de Euclydes da Cunha, falo à Câmara dos Deputados. É com grande pesar que eu, Brasileiro, me refiro a este nome: é com a gratidão de sertanejo, com a minha alma de filho das terras interiores deste país, que agradeço aquele beneficiador dos simples, o livro primoroso que veio mostrar à nossa Pátria que lá dentro, nessas grandes terras, há uma raça forte, dos sofredores, dos trabalhadores, dos que plantam e colhem, dos que vão à peleja, dos que vão explorar as regiões maninhas do norte, a raça que integra o patrimônio do Brasil, a raça do caboclo, que tem naquele livro o seu grande poema de reivindicação de direitos, que tem naquela obra de protesto contra o esquecimento do sul – protesto em que ele pede alguma coisa, uma parte de amor a que tem direito, como filho, que é, desta terra; protesto que ele foi acabar na pena desse homem nascido no Estado do Rio de Janeiro e que tanto amava as regiões do norte, porque era o poeta da simplicidade, da saudade, da natureza e principalmente o poeta dos humildes.
Senhores, não é um voto de pesar que peço à Câmara, pois este vejo que está mais do que lavrado na ata: – está em todos os olhos, em todos os corações! (Muito bem!) Peço um preito de glorificação ao espírito desse que foi um herói-poeta, como o definiu Carlyle, pela força do cérebro e pela bondade do coração. (Muito bem. Muito bem).
MANIFESTAÇÕES DE PESAR – Muitas foram as manifestações de pesar recebidas pela família do morto, pela Academia de Letras e por seus amigos.
A Academia Brasileira de Letras, recebeu os seguintes telegramas:
“Alunos Faculdade de Direito, inconsoláveis, enviam Academia Letras expressões profundo pesar perda glorioso e imortal Euclydes da Cunha”.
“O Estado do Pará associa-se à profunda consternação da literatura pátria com a morte de Euclydes da Cunha. – João Coelho, governador”.
“Acompanho o luto da Academia Brasileira de Letras com a trágica morte de Euclydes da Cunha. – Domício da Gama”.
O Sr. José Veríssimo enviou à esposa do Dr. Euclydes o seguinte telegrama:
“Acabo ser terrível dolorosamente surpreendido horrorosa notícia morte seu ilustre marido, meu grande prezado confrade. Minha mulher e eu acompanhamos V. Ex. e seus filhos sua acerba dor; enviamos V. Ex. expressão cordial nossa simpatia”.
– O Conselho Diretor do Club de Engenharia, em sessão ontem realizada, aprovou unanimemente a proposta do seu Presidente, Sr. Dr. Paulo de Frontin, para que se consignasse na ata um voto de profundo pesar pelo falecimento do Dr. Euclydes da Cunha, membro do mesmo Club.
O Sr. Barão do Rio Branco, Ministro das Relações Exteriores, ainda impedido de sair, fez-se representar pelo Sr. Raymundo Pecegueiro e mandou uma coroa de flores, tendo na fita as seguintes palavras: “A Euclydes da Cunha, o seu amigo muito grato Rio Branco”.
Os estudantes da Faculdade de Direito de São Paulo telegrafaram ao Sr. Barão do Rio Branco pedindo que os representasse no funeral. O Sr. Barão confiou essa representação ao Sr. Dr. Araújo Jorge, que recebera igual incumbência do Centro Acadêmico Onze de Agosto, de S. Paulo.
O Sr. Barão do Rio Branco recebeu os seguintes telegramas:
Do Rio – “Receba mi pesame por la immensa perdida que acaba de sufrir, con la muerte del altíssimo pensador Euclydes da Cunha, el pensamiento sudamericano. – Manuel Bernardez”.
Do Rio, Botafogo – “Peço aceitar meus pêsames pelo dedicado amigo que perdeu V. Ex. em Euclydes da Cunha. – Dantas Barreto”.
De S. Paulo – “Sentindo imensa mágoa, em nome do Grêmio Literário Científico envio a V. Ex. pêsames pelo passamento de Euclydes da Cunha. – Luiz Antonio Santos. Presidente do Grêmio”.
De S. Paulo – “O Ginásio Nogueira da Gama lamenta o falecimento Euclydes da Cunha. – Alcibíades Delamare, Secretário”.
De S. Paulo – “Acadêmicos de Direito, pungidos dolorosamente morte grande Euclydes da Cunha, enviam a V. Ex. condolências, pedindo representá-los nos funerais.”
Do Rio, Avenida – “Pêsames morte grande desventurado Euclydes. – Baptista Pereira.”

Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 18 de Agosto de 1909

Telegramas

BAHIA, 17
Os jornais trazem largos necrológios do Dr. Euclydes da Cunha.

MANAUS, 17
Foi profunda a impressão produzida aqui pela morte do Dr. Euclydes da Cunha.
O Amazonas dá sentido artigo a respeito da tragédia.

S. PAULO, 17
Os funcionários da Repartição de Obras Públicas resolveram mandar celebrar uma missa de 7º dia por intenção do Dr. Euclydes da Cunha, depositar uma coroa em seu túmulo e telegrafar a seu pai e seu cunhado, bem como à Academia de Letras, enviando pêsames.
Na aula de literatura do Ginásio do Estado, o Sr. Sílvio de Almeida fez uma preleção sobre a individualidade do notável escritor.
Na Câmara dos Deputados o Sr. Alfredo Pujol fez o elogio do morto, sendo lançado na ata um voto de pesar e ficando resolvido que a Câmara telegrafasse ao Sr. Barão do Rio Branco, à Academia de Letras e à família do finado.
Na audiência do Juiz da 2ª Vara, a requerimento do Dr. Ezequiel Ramos, foi consignado nos protocolos um voto de pesar.

PORTO ALEGRE, 17
As folhas desta Capital referem-se com muito pesar à morte do Dr. Euclydes da Cunha, a quem fazem grandes elogios.

GAZETILHA

O assassinato do Dr. Euclydes da Cunha

As primeiras notícias relativas à trágica morte do Dr. Euclydes da Cunha na sua totalidade calcadas de informações fornecidas por pessoas diretamente envolvidas no crime, deram ao espírito público uma impressão errônea que cumpre, quanto antes, em bem da verdade, seja dissipada.
A lamentável cena de que foi teatro o pequeno chalé da Estrada Real de Santa Cruz, não tendo tido testemunhas alheias ao fato, pôde ser cuidadosamente reconstituída pelos seus autores e eles o fizeram calmamente, da maneira que lhes parecia mais consoante com os seus interesses.
Desta sorte, foi fornecida à imprensa e à polícia uma versão talvez previamente combinada junto ao cadáver.
Logo o primeiro depoimento tomado, ontem, de manhã, pelo Dr. Oliveira Alcântara, delegado a quem está afecto o inquerido, deu ao processo um rumo literalmente diverso do que tivera até então.
Foi o depoimento da Sra. D. Angélica Ratto, tia dos irmãos Assis e madrinha de Manoel Afonso, o terceiro filho do Dr. Euclydes da Cunha.
Procuraremos reconstituir, estas declarações o mais fielmente possível e aqui as deixamos eximindo-nos ao mesmo tempo de qualquer comentário a respeito:
No dia 31 de Julho, passado, foi a declarante procurada em sua residência, em uma pensão, à rua Silveira Martins, pela Sra. D. Anna Da Cunha, que lhe pediu para ir passar alguns dias em sua casa, à rua N. S. de Copacabana, visto achar-se enfermo seu marido, Dr. Euclydes da Cunha, e achar-se ela na obrigação de ir à cidade de S. Carlos do Pinhal, onde também se encontrava gravemente doente seu sogro.
D. Angélica acedeu ao pedido e no dia imediato, 1 do corrente, dirigiu-se juntamente com sua irmã Lucinda e Armando Araripe, seu sobrinho para a casa do Dr. Euclydes da Cunha, a quem efetivamente encontrou de cama, tendo como médico assistente o Sr. Dr. Cunha Cruz, que o visitava duas vezes por dia.
Aí permaneceu até 6 do corrente, quando regressou a Sra. D. Anna da Cunha com o seu filho Solon que a acompanhara na viagem. Quis retirar-se para a sua casa, mas não o fez, a pedido da esposa do Dr. Euclydes da Cunha, que instou para que ficasse por mais alguns dias, pois esperava seu sogro e com sua chegada, certamente teria muito trabalho.
Tendo ficado a contragosto, visto não lhe parecer bem estar presenciando a desarmonias em que viviam os dois consortes nos últimos tempos, chegou um dia, 12 do corrente, em que, conversando intimamente com a Sra. D. Anna da Cunha, esta, num dado momento, confessou-lhe que nutria uma grande paixão pelo aspirante a oficial Dilermando de Assis, paixão de que jamais se poderia libertar, não só porque obedecia aos impulsos do seu próprio coração, como também porque Dilermando, caso tentasse fugir-lhe, denunciá-la-ia para vingar-se. Em seguida, a Sra. D. Anna da Cunha passou a narrar-lhe pormenores da sua vida íntima com Dilermando, mostrando-lhe nesta ocasião a última conta dele que pagara.
Era uma nota, cujas parcelas davam a avultada soma de 620$, distribuídas entre despesas da casa da Estrada Real, mantimentos, dois ternos de kaki e outros objetos. Estas despesas eram ignoradas pelo seu marido, dando este fato origem a discussões em casa sobre questões de dinheiro.
Na manhã de quinta-feira passada, a Sra. D. Anna saiu, sob pretexto de procurar casa para mudarem-se todos, marcando-lhes antes encontro no largo do Machado. A Sra. D. Angélica declara ter faltado a este encontro porque, como começasse a ficar tarde e ela não voltasse, o Dr. Euclydes tornara-se extremamente aborrecido.
No dia seguinte, pela manhã, o Dr. Euclydes da Cunha saíra, e quando à tarde regressou, disse que sua mulher passara a noite em casa de sua mãe, a viúva do General Solon, moradora no campo de São Cristóvão.
Mas ainda esta noite, sexta-feira, a Sra. D. Anna da Cunha não passou em casa. No sábado, regressando da cidade com o seu filho Euclydes, o Dr. Euclydes da Cunha mostravasse extremamente agitado e, como lhe perguntasse o que estava sentindo, se lhe acontecera alguma coisa, ele lhe respondeu com expressão de uma grande dor: – “D. Angélica, eu enlouqueço.”
Depois soube pelo Dr. Euclydes que a sua cunhada, Augusta, lhe havia declarado que sua mulher não passara aquela noite (de sexta para sábado) em casa de sua mãe.
Narrando estes fatos, o Dr. Euclydes mostrava-se casa vez mais superexcitado.
Este estado de exaltação tornou-se, porém, ainda mais intenso depois de forte discussão que teve de sustentar com seu filho Solon, o qual em seguida se retirou de casa dizendo que jamais ali voltaria, pois o seu gênio era positivamente incompatível com o de seu pai.
Nesta noite de sábado o Dr. Euclydes da Cunha não dormiu um só instante e quando pela manhã de domingo a Sra. D. Angélica foi procurá-lo no seu gabinete pôde ver que durante a noite ele havia fumado cerca de cinco maços de cigarros.
Às 8 horas da manhã vestiu-se e saiu.
Depois a declarante só soube do tremendo desenlace, do tristíssimo drama.
São estas as declarações feitas pela Sra. D. Angélica Ratto.
Vamos agora ao depoimento da velha Anna Almeida de Lima, criada dos irmãos Assis.
Há cerca de dois anos, empregara-se como cozinheira na casa do Dr. Euclydes da Cunha, que residia então à rua Humaitá. Servira-lhe durante um ano e meio, ao cabo dos quais, tendo enfermado, recolhera-se à Santa Casa de Misericórdia.
Passou um mês no hospital. Um dia, quando já estava concluindo a convalescença, foi ali procurada por D. Anna da Cunha. Sua ex-patroa obtivera a sua alta e propusera-lhe emprego em casa dos seus sobrinhos, na Estrada Real de Santa Cruz.
Tendo aceito, saiu do hospital em sua companhia e depois de viajar num bonde, tomou um trem na Central e algum tempo depois saltou em uma estação dos subúrbios que não soube logo qual era. Sempre acompanhando a patroa e um filho que ela levava consigo, andou algum tempo, chegando finalmente à casa dos rapazes Dinorah e Dilermando, aos quais já conhecia de vê-los na residência do Dr. Euclydes da Cunha.
Desde então começou a servir os dois irmãos, tendo esse dia mesmo preparado o jantar, e havendo tomado parte na refeição D. Anna da Cunha. À tarde, ela se retirou acompanhada de seu filho e um dos rapazes.
Desta época à presente data, a sua patroa de vez em quando ia visitar os rapazes, com quem jantava e ficava até à noite.
Na quinta-feira passada D. Anna da Cunha lá estivera durante o dia. Voltara às 3 horas da tarde da sexta-feira e aí pernoitara.
Ouvira no sábado, à tarde, D. Anna da Cunha enviar Dinorah à casa do seu marido em Copacabana, a fim de sondá-lo. Antes de voltar Dinorah, apareceu ali Solon, o filho mais velho do casal, o qual vinha buscar sua mãe, visto que o Dr. Euclydes da Cunha havia regressado àquela tarde à casa extraordinariamente exaltado, declarando mesmo que no dia seguinte iria por termo a tudo.
Pouco depois chegara Dinorah, de volta da sua missão, confirmando tudo quanto Solon acabava de dizer.
Neste momento, a declarante, procurou a sua patroa para aconselhá-la a que voltasse à casa de seu marido, respondendo-lhe ela da mesma forma por que já o havia feito a seu filho, isto é: que não voltaria naquela noite por estar chovendo, fa-lo-ia no dia seguinte, domingo, pela manhã.
Efetivamente a sua patroa ficou mais esta noite na república, bem como Solon.
Dilermando, como na noite anterior, cedeu o seu quarto a D. Anna, indo dormir na sala de visitas. Solon dormiu com Dinorah, e o pequeno Lulú, de 18 meses, com sua mãe.
No domingo pela manhã, preparara o café e depois de tê-lo posto à mesa a que se sentaram todos, retirou-se para o fundo do quintal. Pouco tempo depois, ouviu dentro da casa um tremendo tiroteio, terminado o qual correu para ver o que se passara, deparando então com o Dr. Euclydes da Cunha ferido estendido no jardim, à frente da casa.
A estes dois depoimentos o Dr. Oliveira Alcântara pôde reunir mais as seguintes declarações feitas ontem por Dinorah Cândido de Assis, que anda solto, como se nada tivesse com o caso.
O aspirante de marinha afirma que quinta-feira, à tarde, a Sra. D. Anna da Cunha estivera em sua casa até a hora do jantar e daí saíra juntamente com ela, seu filho Lulú e Dilermando para a cidade.
D. Anna enviara-o na frente a fim de encontrar-se no largo do Machado com suas tias Angélica e Lucinda Ratto, com as quais ela iria fazer compras.
Aí chegando, esperou algum tempo. Mais tarde veio encontrá-lo Solon, que lhe disse que as tias não viriam, pois seu pai estava em casa muito zangado. Daí a pouco, chegaram Dilermando e D. Anna; souberam o que Solon vinha de contar, declarando então D. Anna, que também, por sua vez, não iria para casa, e voltou imediatamente para a cidade, dirigindo-se à casa de sua mãe.
Deste ponto em diante Dinorah tem um depoimento perfeitamente idêntico ao da criada Anna, isto é: a chegada de D. Anna da Cunha na sexta-feira à “república”, a sua permanência ali no sábado à noite, apesar do resultado da sua missão, e do que lhe dissera Solon, a desculpa da chuva, o café, etc.
Quanto à sua ida à casa do Dr. Euclydes da Cunha, diz Dinorah que ali chegara ao escurecer, não entrara, porque, do jardim pôde ouvir tudo quanto se falava no interior da casa.
Acrescenta ainda, de acordo com o que diz a criada, que Dilermando havia acompanhado D. Anna da Cunha e Solon na viagem ultimamente feita a S. Carlos do Pinhal, sendo que seu irmão ficara na Capital de S. Paulo.
Vem, finalmente, as declarações da mesma Sra. D. Anna da Cunha tomadas por termo, ontem, à tarde, em sua casa à rua Nossa Senhora de Copacabana nº 23 H, onde a foi procurar o Dr. Oliveira Alcântara.
A viúva declarou que efetivamente estivera em casa de Dilermando na quinta-feira de dia.
Tivera uma forte altercação com seu marido, e para desafogar o grande sentimento de dor que tal cena lhe trouxera, fora procurar Dilermando, a quem muito estimava e em quem sempre achara um delicado e carinhoso amigo.
As suas relações com ele tiveram sempre tanto de íntimas quanto de respeitosas.
Passara a noite de sexta-feira em casa dele, bem como a de sábado, e à chegada de seu marido achava-se lá, tendo no momento se escondido com seus filhos em um pequeno quarto que servia de câmara escura para experiências de fotografias de Dilermando.
Não sabe se seu marido foi o primeiro a agredir, só o viu depois que foi recolhido agonizante, para o mesmo leito em que ela passara a noite.
Faz estas declarações para que não se continue a julgar que seu marido fora à casa dos irmãos Assis movido apenas por um desequilíbrio mental.
Assim, ficam perfeitamente acordes depoimentos, os únicos até agora existentes, exclusive os que no local do crime haviam engendrado os dois irmãos.
À noite, porém, esteve em nossa redação, o aspirante Dinorah de Assis.
Vinha declarar que o depoimento que prestara na delegacia do 20º Distrito e do qual deixamos acima um resumo, o mais aproximado possível, tinha-o prestado coagido pelo ambiente da repartição policial.
O que há de mais notável, porém, neste fato, é, que este moço, que se acha por esta forma envolvido em um crime, sobre o qual ainda não há nada completamente apurado, não se sabendo mesmo se Euclydes da Cunha não teria sido miseravelmente agredido primeiro, ande assim na rua, de redação em redação de jornal, a fazer declarações e desmentidos, no gozo da mais inteira liberdade.
Sobre o aspirante Dilermando, único a quem as autoridades policiais ainda não reinqueriram, tem, entretanto, já sido efetuadas diversas pesquisas.
Assim, o Dr. Alcântara está ao par de que este moço sem ser rico, sem ter outro recurso senão o seu soldo, era, entretanto, um farto gastador, dado a diversos sports com que despendia largamente.
Em sua casa vêem-se nas paredes panóplias cobertas de armas de esgrima e de tiro ao alvo, todas caríssimas.
O seu gabinete de fotografia era completo.
Os arreios que usava eram ingleses, dos mais custosos.
Além disso a sua casa era farta, elevando-se por vezes as contas do armazém a 300$000.
Nada disto, porém, alterará, por certo, a marcha do inquérito que já agora a polícia tem todo o interesse em levar por diante.
Esse crime não pode ficar assim. É preciso que tudo se esclareça, mas tudo absolutamente. Euclydes da Cunha era um homem que por assim dizer vivia permanentemente raciocinando. Nos seus trabalhos de história e geografia distinguia-se sobretudo pelo seu espírito de minúcia. Parece absurdo que um professor de lógica, como ele o era, decidisse de seu destino sem maior exame e sem mais atenta reflexão. Nós não acusamos a ninguém, mas queremos a verdade.
Queremos que os médicos legistas nos digam em que direção foi dado o tiro que causou a morte e que nos informem se a violenta fratura que o malogrado Euclydes apresentava em um dos braços, fratura com cavalgamento e esquirolas, poderia ter sido produzida pela queda natural de um corpo exangue.
Há outras pessoas que precisam e devem ser interrogadas.
O Sr. Dr. Oliveira Alcântara tem sobre os seus ombros neste momento uma grave responsabilidade, mas esperamos que saberá cumprir o seu dever, com calma, isenção e perspicácia inflexível.
– Esteve ontem, em casa de D. Anna da Cunha, o Sr. João Ratto, corretor na cidade de Santos, irmão das Sras. Angélica e Lucinda Ratto.
Este cavalheiro veio expressamente buscar suas irmãs, com quem regressará para a cidade paulista logo que o permita a polícia.
– A viúva do saudoso literato, em conseqüência do choque por que passou, acha-se profundamente abatida.
D. Anna da Cunha era já uma senhora de pouca saúde, predominando, porém, sobre seu temperamento um elevado grau de histerismo.
Como é sabido, o grande estilista dos “Sertões” não deixava que a sua mulher tomasse parte da sua vida intelectual e este fato era tão desagradável a D. Anna da Cunha, que ela se refere a ele com um grande ressentimento.
D. Anna é, entretanto, uma senhora de inteligência muito lúcida.
Falando sobre o caso de ter de comparecer perante a justiça para dar contas deste caso, ela diz que não quererá advogado, defender-se-á a si mesma.
MANIFESTAÇÕES DE PESAR – De Bruxelas o Sr. Dr. Oliveira Lima enviou ao Sr. José Veríssimo o seguinte telegrama:
“Dolorosamente impressionado tristíssima notícia morte nosso Euclydes, transmita nossos pêsames mais sentidos família e deponha coroa meu nome.”
– A Academia Brasileira de Letras recebeu os seguintes despachos telegráficos:
“A Redação da Província do Pará apresenta sinceras condolências pela morte do grande escritor Euclydes Cunha.”
“Pedimos aceitar profundos sentimentos irreparável perda do grande e formoso espírito do eminente autor dos Sertões. – Redação do Jornal.”
“Sinceras condolências fatal acontecimento sensibilíssima perda. – Getúlio das Neves.”
“Sinceros pêsames pelo falecimento do distinto membro Dr. Euclydes da Cunha. – Centro Acadêmico Comercial.”
“S. Paulo, 17: – Profundamente consternado, em nome do Grêmio, apresento pêsames pela perda irreparável de Euclydes Cunha. – O Presidente do Grêmio Literário Científico, Luiz Antonio dos Santos.”
“Belo Horizonte, 17. – Profundamente magoados os sócios da União Ginasial de Belo Horizonte, manifestam à Academia de Letras pêsames sinceros pela morte do grande professor e publicista republicano Dr. Euclydes da Cunha. Pedimos apresentar pêsames família.”
“Belo Horizonte, 17. – Câmara dos Deputados acaba de prestar homenagem de profundo pesar pela perda irreparável do grande escritor Euclydes Cunha, tendo interpretado os sentimentos dos colegas o Deputado Nelson de Senna, e deliberando Câmara, a requerimento do Deputado Waldomiro Magalhães, transmitir um voto de condolências a essa ilustre Academia. Respeitosas saudações. – Zoroasco Alvarenga, 1º Secretário da Câmara.”
“Belo Horizonte, 17. – O Senado mineiro apresenta a essa Academia sentidos pêsames pela morte de seu eminente consócio Dr. Euclydes Cunha. – Gonçalves Chaves, Presidente.”
“Recife, 17. – Apresenta à corporação pungitivas condolências pela imensa perda do genial escritor, sublime espírito rijo caráter e intemerato patriota Euclydes Cunha. – General Belarmino.”
– A esta folha foram dirigidas os seguintes telegramas:
“S. Paulo, 17. – O jornal árabe Almizan apresenta pêsames pela perda do vosso colaborador e grande escritor Euclydes Cunha.”
“S. Paulo, 17. – O jornal árabe Almarat apresenta pêsames pela perda do vosso colaborador e grande escritor Euclydes da Cunha.”
“Itaperuna, 17. – A pátria está de pêsames pela morte de Euclydes Cunha, associando-se ao luto das letras nacionais. – Porfírio Henrique.”
“S. Carlos, 17. – A família de Euclydes da Cunha agradece à imprensa do Rio a homenagem relevante prestada à memória do querido morto. – Otaviano Vieira.”
– O Sr. Dr. Pedro Lessa recebeu os seguintes telegramas:
“Pedimos nos representar enterro Euclydes e apresentar pêsames à Academia. – Olímpio Portugal. – Plínio de Brito.”
“Peço obséquio representar-me enterro Euclydes. – Reinaldo Porchat.”
VÁRIAS NOTAS – O Sr. Alberto de Oliveira representou o Sr. Dr. Augusto de Lima no enterro do Sr. Dr. Euclydes Cunha.
– O Sr. Teotônito de Oliveira pede-nos a publicação da seguinte carta, que ontem recebeu do Sr. Dr. Alfredo Barcellos:
“Acabo de ver como médico a D. Anninha Solon, da Cunha, viúva do nosso malogrado amigo o Dr. Euclydes Cunha. Tanto mais impressionado fiquei ao vê-la, quanto tinha acabado poucas horas antes de ver a sua respeitável progenitora a Exma. Viúva do bravo General Solon, cujo estado de saúde é melindrosíssimo, devido à afecção cardíaca adiantada de que sofre e que provavelmente a vitimará, depois do golpe cruel que a acabrunha, e do qual ainda não se acha inteirada de todo.
O estado de D. Anninha é realmente lastimável, ela acha-se quase em estado de verdadeira inconsciência, devido ao choque profundo que abalou o seu débil organismo de nevrótica; as suas palavras, as suas ações o denotam, sendo realmente crudelíssimo fazer reportagem com uma senhora em tal estado, e ainda mais tomar-lhe depoimentos que nenhum valor podem ter no estado em que se acha. Todo o repouso é necessário, é preciso alentar esta alma desfalecida pela desgraça, e não como abutres impiedosos, torturá-la.
Ao amigo, como vizinho da mesma, rogo dizer aos inocentes filhos que a rodeiam que continuem a dispensar-lhe os doces carinhos de que vi rodearem-na, e que a qualquer manifestação mórbida que se acentue nela, apesar da medicação que ali deixei, recorram a mim, que prontamente atenderei aos seus chamados.”

Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 19 de Agosto de 1909

GAZETILHA

Assassinato do Dr. Euclydes da Cunha

As autoridades policiais a que está afecto o inquérito sobre o assassinato do Dr. Euclydes da Cunha ainda ontem continuaram em pesquisas e diligências.
Foi tomado o depoimento de D. Lucinda Ratto.
Esta senhora determinou o tempo de que datam as relações do aspirante Dilermando com D. Anna da Cunha.
Foi em Agosto de 1905. A depoente chegara de S. Paulo e se hospedara em uma pensão à rua Senador Vergueiro, onde também residia o Dr. Euclydes da Cunha.
Dias depois, fora ali procurada por seu sobrinho Dilermando, que lhe trouxera uns retratos que lhe pertenciam. Nesse mesmo dia foi ele apresentado por D. Lucinda à sua amiga.
Quando o Dr. Euclydes da Cunha foi para o Acre, Dilermando tomou aposentos na pensão, sob a proteção imediata de D. Anna.
O que se segue no depoimento de D. Lucinda é exatamente o que já fora dito por sua irmã.
O aspirante Dilermando continua em tratamento no Hospital Central do Exército.
Os seus médicos assistentes, Srs. Drs. Paula Guimarães e Ivo Soares, proibiram-no de falar com quem quer que seja.
O seu estado, que não tinha alteração nenhuma desde domingo, modificou-se para pior ontem à tarde, não podendo por este motivo ser tentada a extração das balas.
Em conseqüências dos exames radiográficos é sabido que um dos projétis está alojado na base do pulmão direito. É este justamente o ferimento mais grave do enfermo.
O Dr. Oliveira Alcântara fará hoje rigorosa busca na casa da Estrada Real, que se acha interdicta, guardada por duas praças da Força Policial.
– Deverá ser ouvida hoje, caso o consinta o seu estado de saúde, a Sra. viúva Solon.
– Os dois filhos mais velhos do malogrado escritor Euclydes da Cunha encaram o triste acontecimento de maneira bem diversa.
Solon, de 17 anos, ontem procurou visitar Dilermando na sua enfermaria no Hospital Militar.
Euclydes, de 14, acha-se extremamente acabrunhado com a catástrofe, que feriu a sua família. Euclydes diz repetidas vezes que o seu maior desejo é encontrar por sua vez um miserável que lhe dê também um tiro, porque “assim irá fazer companhia a seu pai.”
– A Repartição das Obras Públicas de S. Paulo enviou ao Engenheiro Ma[ilegível]o Rache uma riquíssima coroa para ser depositada no túmulo do Dr. Euclydes da Cunha, prestando assim uma derradeira homenagem ao malogrado escritor, que em tempos ali trabalhou.

Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 20 de Agosto de 1909

TELEGRAMAS

S. PAULO, 19.
O Centro Acadêmico Onze de Agosto resolveu abrir uma subscrição popular para erigir a herma ao Dr. Euclydes da Cunha.

GAZETILHA

O assassinato do Dr. Euclydes da Cunha

A reconstrução da exata cena do assassinato do malogrado escritor Euclydes da Cunha, vai se fazendo aos poucos, e com ela começa a desvendar-se do inquérito policial toda a triste verdade dessa negra história.
Com efeito, desde o dia imediato à lamentável catástrofe, as pesquisas feitas pelo Dr. Oliveira Alcântara, induziram-no a prosseguir firmemente no inquérito, tendo por escopo esclarecer com critério, tudo quanto se passava na pequena casa da Estrada Real, antes, durante e depois do crime.
Foi o que fez e efetivamente é o que tem feito até agora essa autoridade e se algo de horripilante tem vindo à luz da publicidade nesta questão, não é que a polícia e tão pouco a imprensa andem a inventar. São fatos, provas materiais, depoimentos categóricos, documentos irrefutáveis. Essas provas, esses depoimentos, vão pondo a descoberto uma porção de miséria ignóbeis, até que por fim se demonstrará que Euclydes, longe de haver agido com precipitação, quis beber até à última gota o cálice cruel, ver por seus próprios olhos o horror de sua desgraça, convencer-se matar ou sucumbir…
Está patente que Dilermando não vivia à custa de si mesmo. Quando não podia ter dinheiro da amante ou das amantes, conseguia que lhe dessem jóias para empenhar.
D. Anna Solon estava na república no dia do assassinato do seu marido, sendo que ali chegara na sexta-feira, às 3 horas da tarde.
Sobre este ponto, já não pode haver dúvida de espécie alguma.
O resultado das pesquisas policiais efetuadas, ontem, são valiosíssimas e delas daremos conta aqui, tendo o cuidado de fazê-lo sem comentários.
Narraremos portanto, com todas as suas negras minúcias o desenrolar das pesquisas policiais.
São coisas horríveis, fatos tenebrosos os quais só nos animamos a trazer a público porque a justiça o reclama.
É preciso, é necessário que seja feita neste caso a mais completa justiça.
O Dr. Oliveira Alcântara chegou ontem, às 3 horas da tarde na casa nº 214, da Estrada Real de Santa Cruz. Acompanhado de negociantes, do professor público e pessoas conceituadas do lugar, começou a busca, lavrando autos, devidamente testemunhados, de tudo quanto ia apreendendo, assim como dos autos de abertura de portas e de malas.
Feita a primeira revista na sala de visitas, passou-se para o quarto de Dilermando. Daí as autoridades recolheram roupas de homem e de senhora, sapatos e sandálias para casal.
Um pequeno baú de folha de Flandres, encontrado aí, continha roupas do pequeno Lulu de 18 meses de idade, bem como roupas brancas e poignors reconhecidas como pertencentes à D. Anna da Cunha.
As roupas, em grande quantidade, de Dilermando achavam-se em um cabide suspenso na parede à esquerda de quem entra no quarto, todas veladas por um pano.
Entre outros objetos chamaram atenção cinco caixas de colarinho e punhos, cinco pares de botinas todas de pouco uso, diversas cautelas de jóias empenhadas com o nome de Dilermando de Assis. Estas jóias, porém, pela sua natureza, não eram por certo de seu uso: pulseiras, bichas, africanas, marquises. A soma das cautelas sobem a 688$700.
A conta de Julho do armazém é distribuída da seguinte forma:
Mercadoria, 198$000.
Diversos gêneros, 131$000.
Pedindo as autoridades ao fornecedor explicações sobre o que denominava diversos gêneros, este explicou que era dinheiro.
Na correspondência de Dilermando há uma infinidade de cartas e retratos de mulheres.
Abrindo por último um saco de roupa já servida, encontraram-nas para casal, sendo que do exame feito em algumas peças pôde averiguar-se vestígios nauseantes.
Como já dissemos de outra vez o atelier de fotografia do aspirante a oficial é otimamente aparelhado.
Na câmara escura foi encontrado e apreendido pela polícia um irrigador ainda novo.
A autoridade policial fizera fotografar, pelo funcionário respectivo da polícia, todos os aposentos da casa, inclusive a mesa de jantar, sobre a qual, circunstância importante, ainda se acham postas quatro xícaras para café, talheres e pratos para quatro pessoas.
Dentro de um livro: Como se cura um louco, por Lelma Laugerlof, no qual se lia o carimbo do Dr. Euclydes da Cunha, livro encontrado sobre a mesa de jantar, – foi ainda achada pelas autoridades uma conta da Alfaiataria Mendonça, no valor de 350$, da qual já haviam sido pagos este mês 200$000.
Em seguida a estes fatos, todos de caráter puramente oficial, todos recolhidos pela polícia, todos constantes do processo a cargo do Dr. Alcântara, do 20º Distrito, vejamos o ponto mais sério desta questão, o seu ponto capital, aquele que é o alvo em que temos fixa toda a atenção, ao atravessar esse imenso charco.
Trata-se de restabelecer o mais minuciosamente que for possível, a cena do assassinato.
Ouçamos uma testemunha de vista, a única talvez com que, por infelicidade, a justiça poderá contar.
É Celina Fontainha Cabral, uma vivíssima e inteligente menina, de nove anos de idade, filha do Sr. Constantino Fontainha, vizinho dos aspirantes Dilermando e Dinorah de Assis.
Da porta dos fundos de sua casa vêem-se o jardim e a frente da casa dos rapazes.
Celina declarou à polícia que chegara a essa porta da casa por ouvir tiros na casa dos estudantes e acreditar que eles estivessem a soltar bombas chinesas, o que faziam quase sempre, sobretudo quando lá estava D. Anna.
Mas, subitamente viu sair de dentro um homem que procurava fugir com um revólver na mão, Dilermando, que o acompanhava também, empunhando um revólver, estacou na porta, gritando assim:
— Espera cachorro! E disparou um tiro. O homem voltou-se e quis atirar também, mas a sua arma falhou.
Neste momento, Dilermando, de cima para baixo, tornou a disparar o revólver e o homem então caiu no jardim, sendo daí a pouco carregado para dentro.
O depoimento desta menina é positivamente uma peça de inestimável valor neste trama. Diante dele, desaparece por completo a legítima defesa alegada por Dilermando, e seu irmão, como já desapareceram as calúnias com que foram enxovalhadas as irmãs Angélica e Lucinda.
O exame da arma do Dr. Euclydes da Cunha parece confirmar as declarações de Celina, pois, justamente o seu último cartucho não foi detonado.
Da mesma sorte, ficou verificado que dois tiros da arma do aspirante foram detonados de dentro do quarto, por detrás da porta. Vêem-se ali dois orifícios, em frente dos quais, na parede, do lado oposto, do corredor, acham-se encravadas duas balas.
O Delegado do 20º Distrito pretendeu tomar, ontem, o depoimento de Dilermando. Tendo, porém, este se recusado a falar esta autoridade retirou-se, solicitando do Diretor do Hospital ficasse o ferido incomunicável.
O aspirante Dinorah procurou, ontem, penetrar na Casa da Estrada Real, sendo-lhe, porém, isto obstado pelas praças de polícia que lá estavam.
– Do Sr. Solon Cunha, filho mais velho do malogrado Euclydes, recebemos ontem este telegrama, expedido de Copacabana:
“Não fui ver Dilermando, como dizeis; só irei para vingar-me.”
À noite, o Sr. Solon esteve pessoalmente em nossa redação e ainda mais uma vez contestou que houvesse estado anteontem no Hospital do Exército; nesse dia só saiu para ir à casa de suas relações na rua Ypiranga, voltando em seguida para sua residência, de onde não mais se retirou.
MANIFESTAÇÕES DE PESAR – Telegramas recebidos pelo Sr. Barão do Rio Branco:
“De S. Paulo, 17 – Tenho a honra de comunicar a V. Ex. que a Câmara dos Deputados deste Estado unanimemente deliberou inserir na ata da sua sessão de hoje um voto de grande pesar pelo falecimento do eminente escritor brasileiro Euclydes da Cunha e enviar por esse fato, que enluta as letras nacionais, profundas condolências à Academia Brasileira, ao Sr. Ministro do Exterior e à família do ilustre morto. – Carlos Campos.”
“De S. José do Rio Pardo, 17 – A Câmara Municipal desta cidade envia sinceros pêsames à Nação pelo falecimento do ilustre brasileiro Dr. Euclydes da Cunha, que contava neste município inúmeros amigos. – João Moreira, Prefeito Municipal.”
“Assuncion, 17 (Paraguai) – Lamento com V. Ex. o amigo insubstituível pelo talento, caráter e coração. – Gastão da Cunha.”
“De S. Paulo, 17 – Centro Acadêmico Onze de Agosto apresenta à pátria brasileira e a V. Ex. sinceros pêsames pela morte de Euclydes da Cunha, um dos mais distintos colaboradores de V. Ex. – Firmo Lacerda de Vergueiro, Presidente.”
“Do Recife, 16. – Compartilho sua mágoa pela perda do grande comum amigo, do portentoso acadêmico brasileiro Euclydes da Cunha, intrépido explorador, indomável caráter e grande patriota. – General Belarmino de Mendonça.”
“De S. Paulo, 17. – Apresento condolências perda irreparável vosso auxiliar grande literato e escritor Euclydes da Cunha. – Gabriel Salhab.”
“De S. Paulo, 17. – Pêsames pela morte do grande Euclydes da Cunha. – Diniz Júnior.”
– Na igreja de S. Francisco de Paula celebrar-se há amanhã, às 9 1/2 horas, a missa de 7º dia do falecimento do Dr. Euclydes da Cunha, mandada celebrar pelo seu pai, irmã, cunhado e primos.

MISSAS

Dr. Euclydes da Cunha, às 9 1/2 horas, na igreja de S. Francisco de Paula.

Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 21 de Agosto de 1909

GAZETILHA

Assassinato do Dr. Euclydes da Cunha

Com as diligências efetuadas ontem pela polícia, o inquérito sobre o estúpido assassinato do Dr. Euclydes da Cunha entrou em uma fase de muito maior interesse para a justiça.
Assim, pois, a polícia, deixando por uma vez de parte o caso no que ele tinha de propriamente doméstico, voltou-se toda para o crime, e envida agora esforços no sentido de reconstituir a cena do assassinato, convencida que Dilermando de Assis em lugar da posição simpática em que comodamente se colocara não tem sequer direito de apelar para a legítima defesa.
O depoimento feito anteontem pela menina Celina, posto em paralelo com o novo depoimento que o aspirante Dinorah prestou ontem, em aditamento ao seu segundo auto de declarações, que fez perante a polícia, restabeleceu inteiramente a cena horrorosa e explicou inteiramente todos os pontos sobre que pairavam dúvidas.
Esses dois depoimentos tornam-se ainda mais valiosos pela perfeita concordância com os resultados de exame a que se procedeu no local do crime e em que ficaram positivamente determinadas a direção e colocação dos projéteis.
Desta sorte, seguindo as declarações de Celina e Dinorah, o Dr. Oliveira Alcântara, Delegado incumbido do processo, chegou ao seguinte raciocínio, que de certo será amplamente desenvolvido no seu relatório:
“O Dr. Euclydes da Cunha tendo entrado na sala, segundo declarações de Dinorah, disse, já de revólver em punho, que fora ali para matar ou morrer.
Seja, porém, afirmado de passagem que nada há que prove a veracidade desta atitude do saudoso escritor.
Prosseguindo, afirma o aspirante que o Dr. Euclydes atravessando a sala dirigiu-se para o corredor e dando com o pé abriu a porta do quarto do seu irmão, disparando sobre este o primeiro tiro. Então Dinorah agarrou-se com o Dr. Euclydes, que disparou contra ele dois tiros.
Efetivamente, a túnica branca com que Dinorah estava vestido acha-se chamuscada de pólvora e trespassada por bala no braço e na cintura, sobre o bolso do lado direito, cujo forro rasgou em ângulo ao sair.
Durante esta luta, que foi travada no corredor entre a porta do quarto de Dilermando, que é o primeiro, e do seu irmão, que é o contíguo, o aspirante do Exército correu a uma prateleira sobre a qual estava o seu grande revólver de calibre 80, não podendo, porém, alvejar o Dr. Euclydes, porque este estava agarrado com Dinorah, sendo que o corpo deste o cobria todo.
Entretanto, Dinorah conseguiu livrar-se do Dr. Euclydes e correr para o seu quarto, sendo nesta ocasião ferido pelas costas.
Ao mesmo tempo que via Dinorah fechar após si a porta do aposento, o Dr. Euclydes, já então só, no meio do corredor, ouviu o primeiro tiro do revólver de Dilermando, que do centro de seu quarto o alvejava pela meia porta aberta.
Este projétil foi encravar-se no quadril direito do Dr. Euclydes.
O Dr. Euclydes, ferido, voltou-se, encaminhando-se para a porta do quarto do aspirante do Exército, em frente à qual recebeu o segundo ferimento que o atingiu no pulso. Já então, Dilermando, contra quem Euclydes disparou mais dois tiros, se entrincheirara atrás da outra meia porta cerrada do quarto, e atrás da mesma disparou o terceiro e quarto tiros, os quais atravessaram-na, encravando-se uma bala na fechadura da porta que dá acesso da sala de visitas para o corredor, e a outra na parede da sala.
Um desses projéteis ainda feriu o Dr. Euclydes no braço. Neste momento, sentindo-se já muito ferido e sem munição, o Dr. Euclydes quis sair para a rua. Dilermando, então, deixando o quarto, perseguiu-o. Ele desceu precipitadamente os três degraus da porta de saída e já estava no pequeno jardim da frente, quando o perseguidor chegou a essa porta, detonando a quinta cápsula da sua arma ao mesmo tempo que proferia o insulto:
— Espera, cachorro!
Neste momento ou com o intuito de disparar o último cartucho do seu revólver, ou o que é mais acreditável, ferido no seu amor próprio pelo insulto tão cruel quanto infinitamente injusto que acabava de ouvir, o infortunado escritor voltou-se de peito descoberto para o algoz que então alvejou-o mais firmemente, do alto para baixo e deu o tiro que o fez cair mortalmente ferido.”
É exatamente este o raciocínio do Delegado incumbido do inquérito, raciocínio que aliás encontra todos os fundamentos na combinação das declarações comprovadas de Dinorah com as da menina Celina, ambas cabalmente confirmadas pelo exame das armas e da direção dos projéteis.
Segundo este laudo, distribuem-se da seguinte forma os projéteis detonados:
Seis do revólver do Dr. Euclydes da Cunha – um perdido no quarto; dois disparados contra Dinorah; atravessando a túnica no braço e na cintura; dois contra Dilermando, ferindo-o na virilha e no mamelão direito; e um que se perdeu no corredor. Seis do revólver do aspirante Dilermando; um atingindo o quadril do Dr. Euclydes; um a mão; um o braço; um perdido na sala; um perdido no jardim, e um, o último, que causou a morte.
O Sr. J. Segurado, que foi incumbido do exame das balas e suas direções, esteve ontem novamente na casa da Estrada Real nº 214, demorando-se ali durante algum tempo para tirar a planta do nível da casa relativamente ao jardim.
Justamente o intuito desse trabalho, é verificar se o tiro disparado da casa para o jardim oferece no alvo a forma e o aspecto do ferimento descrito pelos médicos legistas no auto de autópsia feita no cadáver do Dr. Euclydes da Cunha.
Damos em seguida na íntegra o depoimento que em aditamento ao que já dissera e para esclarecer novos pontos da trágica cena, fez ontem o aspirante Dinorah de Assis.
Em relação às suas declarações prestadas no dia 17 do corrente, tem a retificar o seguinte:
“Que não foi sexta-feira, durante o dia, que esteve em casa do Dr. Euclydes e sim quinta-feira (12 do corrente); que domingo abriu o portão para deixar entrar o Dr. Euclydes; que este entrou na sala de visitas e de pé, na entrada do corredor, voltando-se para ele, declarante, disse já empunhando o revólver: “vim aqui para matar ou morrer”; que em seguida dirigiu-se para a primeira porta, justamente a do quarto onde estava Dilermando; que a porta estava fechada com o trinco e que o Dr. Euclydes abriu-a, metendo-lhe os pés; que aberta a porta o Dr. Euclydes desfechou para dentro do quarto dois tiros; que quando o Dr. Euclydes desfechava o terceiro tiro, ele, Dinorah, segurou-o batendo-lhe a mão direita sobre o ombro esquerdo e a mão esquerda no ante-braço direito e que o empurrou para o lado da sala de jantar, sendo esse terceiro tiro o que lhe perfurou o dólman; que, continuando ele a segurar o Dr. Euclydes, este desfechou-lhe o quarto tiro que lhe atingiu o dólman na parte esquerda, inferior, que então largou o Dr. Euclydes e dando-lhe as costas fugiu para o seu quarto; que nesta ocasião recebeu o quinto tiro que lhe feriu pelas costas; que uma vez dentro de seu quarto procurou na mala e não achou o seu revólver; que aí se conservou até que se passassem os estampidos; que enquanto aí permanecia ouviu várias detonações mais fortes; que cessados os tiros saiu e encontrou seu irmão na porta da sala empunhando o revólver que, apresentado, reconheceu; que chegando junto de seu irmão viu o Dr. Euclydes caído no jardim à esquerda, próximo à uma cerca de zinco e a uma pequena calçada de cimento, ficando o Doutor com o rosto voltado para a frente da casa, quase de bruços e sobre o braço esquerdo; que seu irmão Dilermando nesta ocasião entrou para o interior da casa, de onde voltou sem o revólver e acompanhado de Dona Anninha e Solon, encontrando o declarante junto ao corpo do Dr. Euclydes; que todos aí, ele e seu irmão recolheram o corpo do Dr. Euclydes, ainda com vida, para o quarto de Dilermando e o colocaram sobre a cama; que na casa só se achavam ele, Dilermando, Dr. Euclydes, D. Anninha, Solon, Lulu e a criada Anna de Almeida, que se achava no quintal; que, finalmente, reconhece o revólver que neste ato lhe foi apresentado como o que empunhava o Dr. Euclydes; e finalmente, que depois de consumado o crime entraram várias pessoas desconhecidas.”
Ocupando-se de passagem apenas da face propriamente doméstica da questão, as autoridades policiais ouviram ainda ontem duas criadas da casa de D. Anna da Cunha. Ambas afirmam que esta senhora saiu da casa de seu marido na quinta-feira, à tarde, não regressando mais ali senão no domingo, à noite, depois do assassinato do patrão delas.
As pesquisas efetuadas, ontem, na casa da Estrada Real foram acompanhadas pelo aspirante Dinorah, que mais uma vez explicou praticamente nos seus lugares certos o desenrolar da lutuosa cena.
Em seguida a estas explicações, enquanto os peritos prosseguiram no exame, o aspirante Dinorah, achando-se só na sala de visitas, apanhou um florete na panóplia e pôs-se a fazer exercícios, apontando sobre um alvo próprio de esgrima de camurça branca com um coração de sola vermelha ao centro, o qual está pendente da parede fronteira à porta de entrada, que fica ao lado direito da casa.
As autoridades policiais só voltarão ao Hospital Militar para tomar o depoimento de Dilermando, quando o diretor deste estabelecimento, de acordo com os médicos assistentes acharem conveniente.
Da nova busca feita, ontem, na casa da Estrada Real, a título de preciosa curiosidade, trasladaremos para aqui a seguinte dedicatória feita por um dos grandes amigos de Euclydes, em um volume das obras completas de Shakespeare que foi encontrado em um baú de Dilermando:
“Amigo Euclydes. Envio-lhe esta nova edição popular do breviário que V. mais freqüentemente manuseia. Como a introdução é de Irving e existem junto ao texto umas policromias de gosto, pensei que lhe seria agradável possuir esse exemplar, portátil e muito próprio para ser lido, em dias estivais, no Mangrulho da arte. Rio, 12-2-907. – Araripe Júnior”.

VÁRIAS NOTÍCIAS

O Governo mandou abrir concurso para provimento da cadeira de lógica do Externato Nacional Pedro II.
É possível, porém, que esse concurso não se realize, devendo a Congregação do estabelecimento reunir-se para julgar dos trabalhos do Sr. Dr. Farias Brito.
Com a morte do Dr. Euclydes da Cunha, tendo passado a sócio efetivo o correspondente Coronel Ernesto Senna, houve uma vaga na classe dos correspondentes e, por isso, o Sr. Presidente submeteu à votação o parecer relativo ao Dr. João Coelho Gomes Ribeiro, que foi eleito por unanimidade e proclamado sócio correspondente do Instituto.
Em seguida o Sr. Barão Homem de Mello comunicou a morte do consórcio Dr. Euclydes da Cunha e deu a palavra ao orador do Instituto Conde de Affonso Celso, que disse o seguinte:
“O Instituto Histórico, profundamente sensível a tudo quanto impressiona o Brasil, comparte a aflição por este sofrida, ante o fim prematuro e trágico de Euclydes da Cunha.
Agravava a mágoa do Instituto a circunstância de que o desaparecido lhe era sócio fiel, tão admirado como querido, freqüentador das sessões, colaborador da Revista, amigo da casa, ufano de seu diploma, excelente companheiro, que deixa, em quantos com ele aqui estiveram, afetuosa, imperecível, inconsolável saudade.
Estupenda, acabrunhadora a catástrofe que o vitimou, – porventura a mais estupenda e “ainda registrada pelo Instituto, com relação a um de seus membros!
Extraordinário em tudo foi o destino de Euclydes: a cerebração, a cultura, a sensibilidade, os trabalhos, as peripécias da vida, o desfecho…
Passou pela terra como um ser excepcional, superior, por vários títulos, ao comum dos mortais, – sobretudo pelo sofrimento.
Triste superioridade esta última, mas superioridade, sem dúvida, e superioridade sublime! Dizem que as almas mais flageladas são as prediletas de Deus. Ninguém, em verdade, sofreu tanto como o próprio filho de Deus, feito homem.
Curva-se conturbado o Instituto perante o ensangüentado, mísero, venerando cadáver que representa semelhante primazia.
Bastava este motivo: outros igualmente ponderosos impõem ao Instituto o dever de, mediante as mais solenes maneiras, significar o seu desgosto.
Entre elas, ocorre o levantamento imediato da sessão, em homenagem ao morto.
O orador tem a honra de propô-lo. Certo se acha de que assim acode a um tácito, porém unânime e imperioso apelo dos corações ali arrebatados por onda imensa de consternação.
Antes de se submeter a votos a proposta do Sr. Conde de Affonso Celso, o Sr. Presidente declarou que a próxima sessão do Instituto realizar-se-á no dia 31 do corrente, tomando nela posse o Sr. Dr. Adolfo Augusto Pinto e realizando o professor Orville Derby uma preleção sobre: “A expedição de Spinoza, 1553.”
Posta a votos a proposta do Sr. Conde de Affonso Celso, foi a mesma aprovada por unanimidade e em seguida encerrada a sessão.

Na igreja de S. Francisco de Paula será celebrada hoje, á 9 1/2 da manhã, a missa de sétimo dia, em sufrágio da alma do Dr. Euclydes da Cunha, mandada dizer por seu pai, irmã, cunhados e primos.

À Academia Brasileira de Letras foram endereçados os seguintes telegramas:
“Paraíbuna, 18. – Pêsames pelo luto que cobre as letras brasileiras com a morte do acadêmico Euclydes da Cunha, glória do Brasil. – Club Litterário.”
“Santos, 17. – O Grêmio Acadêmico de Santos envia pêsames pela morte de Euclydes da Cunha.”
– O Presidente da mesma corporação recebeu os seguintes:
“S. Paulo, 17. – O pessoal da Diretoria de Obras Públicas apresenta-vos o testemunho do seu profundo pesar pelo infausto passamento do Dr. Euclydes da Cunha, antigo companheiro de trabalhos nesta repartição. – Cochrane, Diretor.”
“S. Paulo, 17. – Tenho a honra de comunicar a V. Ex. que a Câmara dos Deputados unanimemente deliberou inserir na ata de sua sessão de hoje um voto de grande pesar pelo falecimento do eminente escritor brasileiro Euclydes da Cunha, e enviar, por este fato, que enluta as letras nacionais, profundas condolências à Academia Brasileira, ao Sr. Ministro do Exterior e à família do ilustre morto. – Carlos Campos, Presidente.”

Conselho Municipal

– Dinorah de Assis prestou novo depoimento, explicando como seu deu o assassinato do Dr. Euclydes da Cunha.
– O Instituto Histórico suspendeu a sessão, em sinal de pesar pela morte trágica do Dr. Euclydes da Cunha, tendo falado o Sr. Conde de Affonso Celso.

IMPRENSA

– Careta, ano II, nº 64. (…) Convenção de amanhã, seis vistas relativas a Euclydes da Cunha e outras muitas coisas interessantes.

Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 22 de Agosto de 1909

ONTEM – Foi muito concorrida a missa rezada por alma do Dr. Euclydes da Cunha.
BAHIA, 21.
Os estudantes de direito promovem uma sessão fúnebre no paço Municipal, em homenagem à memória do Dr. Euclydes da Cunha.

FOLHETIM DO JORNAL DO COMMERCIO

DOMINICAES

— Espera, cachorro!
Foram estas as últimas palavras que Euclydes da Cunha ouviu na vida.
Estava escrito que seriam as últimas. Ingrata vida, estúpido destino!
Assim acaba uma existência límpida e fulgurante, toda de honra e de trabalho, de raciocínio e de retidão. É a justiça do Acaso. E dizer que não há outra no mundo… Dizer que o homem a si próprio se não sabe fazer justiça; e tudo o que aquele aprendeu, num longo período de concentração estudiosa; e refletiu, em cada dia e cada hora de conscienciosa análise; e concluiu, com a sua prodigiosa clarividência e a sua impecável retidão – o foi assim entregar, como num sacrifício vertiginoso e inconsciente, a uma cartada, um jogo de azar, um arremesso da sorte imperscrutável… A sorte! Há em tudo isto uma coisa de desesperar, de enlouquecer: Arma-se de repente, a uma rajada do infortúnio, uma tragédia pavorosa, em cujo torvelinho vão arrastadas e se entrechocam as mais diversas personagens… Como é tragédia, alguém tem que morrer. Precipita-se o desfecho, a fatalidade abate o seu golpe definitivo… E é vencido e morre aquele que exatamente conquistara os mais sagrados direitos ao triunfo e à vida.
— Espera, cachorro!
Como quem diz: “Vieste buscar a tua recompensa, não é verdade? Pois espera que t’a vou dar, e, completa, e decisiva!” É a Sorte que fala: “Espera! Eu sei o que tu mereces. Conheço-te bem e peso neste momento quanto tens feito, por ti e pelos outros, muito menos por ti que foste sempre sem ambição e sem vaidade, do que pelos outros, a quem amaste e te consagraste, quase absolutamente; procedo, pois, ao balanço da tua vida… que me trazes tu? Uma inteligência peregrina, um caráter íntegro, irrepreensível, sem falhos e sem incertezas, amor, dedicação, generosidade, sacrifícios… Ah, eu dou apreço às coisas! Vês este homem? É um daqueles que muito te devem, a quem acolheste, e protegeste, e proporcionaste o maior bem possível. Pois por suas mãos te vou fazer justiça. A soma de reconhecimento que ele já te mostrou não é bastante, não tem a significação, o alcance necessários; quero que vá até ao fim, que salde; em bom e honrado pagador, a sua dívida de gratidão. “Espera, cachorro!” Depois, um tiro e logo, no chão, o corpo moribundo do pobre benemérito…
Houve ainda quem pretendesse explicar tal epílogo e adaptar aos acontecimentos uma lógica aceitável. Para isso, porém, foi necessário desnaturar aquela individualidade de imponente perfeição; esquecer o homem de ontem e de sempre, imaginar outro, absurdo e inédito… Não hesitaram, então, os comentadores desastrados em lhe emprestar as desordens momentâneas de espírito, as decisões incoerentes, os arremessos sem medida e sem direção das criaturas “impulsivas”. Disse-me que era um neurastênico; que nos últimos tempos trabalhara demais, resvalando assim a um estado alternativo da exacerbação e prostração, em que o entendimento se lhe obliterava, o discernimento o abandonava, em síncopes repentinas e, para ele próprio, imperceptíveis… Assim, tinha verdadeiros desvairamentos; um deles, se sentira traído, insultado e desse agravo imaginário resolvera tirar uma desforra absurda; assim agira e assim viera a tornar-se, naturalmente, vítima do próprio erro, da própria alucinação…
Onde pode levar a pretensão de explicar o inexplicável! Justamente Euclydes da Cunha era um espírito de prodigiosa lucidez e equilíbrio. O exemplo que se citou, do seu tempo de estudante militar – e para o qual, se necessário fosse, bastaria a justificativa da idade – não veio senão fortalecer, para os íntimos do pensador admirável, a certeza que eles tinham da harmonia, da concórdia em que nele se casavam o raciocínio e a ação. Naquela época, passaria por uma estudantada; hoje representa simplesmente a manifestação duma clara idéia, a defesa, a todo o custo, duma opinião convicta. Conversar cinco minutos com Euclydes da Cunha era ficar para sempre admirando, não só a expressão apurada e brilhante que constituía, por assim dizer, o invólucro, a beleza exterior e mais fácil de aprender – mas também a justeza com que cada idéia exposta, cada ato narrado se relacionavam e entravam na composição da sua individualidade moral.
Uma das suas preocupações, a sua verdadeira preocupação era a “certeza”. Certeza do que pensava e do que dizia; queria sempre examinar a fundo, esquadrinhar as últimas minúcias, ver com os olhos, apalpar com os dedos, penetrar com toda a intensidade do raciocínio; quem lhe pedisse uma opinião, tinha que lhe dar tempo para a formar, ponderadamente, escrupulosamente; e, mesmo, quando contava simplesmente um episódio presenciado, um caso de que fora simples espectador, parecia, apesar da sua surpreendente facilidade de expressão, escolher, uma por uma, as frases e analisá-las, antes de preferidas, para ver se elas traduziam de modo fiel a certeza da sua observação. Euclydes – todos os seus amigos o sabem – escrevia com grande lentidão; não significava, porém, isso a falta de inspiração dos antigos, nem a “tortura” dos modernos; era o seu método natural de medir – cada pensamento e cada período, para que a extensão destes correspondesse exatamente ao alcance daqueles. A homenagem que ele prestou a Machado de Assis nas colunas do Jornal do Commercio, vi-lh’a eu escrever, graças à facilidade do trabalho de redação que então me ocupava, familiar e quase material. A mesa em que Euclydes se instalara ficava a dois passos da minha; e não haveria curiosidade mais natural do que essa de espreitar um artista admirado e queridíssimo entregue a uma obra, na qual tinha a certeza de que ele poria toda a sua inteligência e todo o seu sentimento. Euclydes, com o cotovelo esquerdo fincado na mesa, a cabeça inclinada e apoiada na mão, compunha, de vez em quando, duas ou três linhas… Acendia um cigarro, tirava-lhe três ou quatro fumaças, arremessava-o, em mais de meio; voltava a fincar o cotovelo, a encostar a fronte; e a mão direita ia e vinha sobre o papel, durante um longo minuto, vagarosamente, mas sem interrupção. Não emendava; não fazia entrelinhas – pelo menos tão a miude que chegasse a dar-me na vista; mostrava uma serenidade perfeita; e o seu trabalho avançava, linha a linha e quase se poderia afirmar que letra a letra, como uma renda nítida e delicada nas mãos da mais paciente das bordadeiras. Levou aquilo mais de três horas, para ocupar no dia seguinte um resumido espaço no jornal; era tão eloquente a sucessão e encerramento das frases tão impressionante a unidade e inteireza do estilo que se diria ter nascido tal primor de arte e de comoção momentaneamente, dum soluço da alma trespassada dum relâmpago de gênio.
Euclydes tinha, como escritor, uma teoria que não devia ser apenas uma teoria de arte, mas a sua maneira de ser, em todas as coisas. Uma vez, conversando, não sei já como viemos a falar de certo cronista – também já me não lembra o cronista – fútil e oco, mas sempre mais ou menos brilhante, capaz de tomar a pena, sem noção do que ele iria rabiscar, sem assunto a desenvolver, sem idéia fundamental a apresentar e, entretanto, compor uma interessante página, que se lia com interesse e prazer…
— Admiro esses tipos! exclamou ele, com sinceridade – Acho-os inquestionavelmente superiores, com essa faculdade de tirar do nada alguma coisa, alguma coisa que se veja. Pelo menos, em relação a mim próprio, obrigam-me a reconhecer-lhes esta superioridade: É que eu sou como certos pássaros que, para despedir do vôo, precisam de trepar primeiro a um arbusto. Abandonados no solo raso e nu, de nada lhes servem as asas; e têm que ir por ali fora, a procura do seu arbusto. Ora, o meu arbusto é o Fato.
Na verdade, quão diferente se nos revela este homem daquele que as primeiras notícias da imprensa sobre o assassinato da Piedade nos podiam ter deixado imaginar! Tão errônea era essa interpretação psicológica, que logo se desfez e foi substituída, radical e inteiramente. Não; o honesto observador, o escrupuloso analista dos Sertões não era um impulsivo, um arrebatado; o profundo e poderoso comentador dos Contrastes e Confrontos não podia ser uma natureza tão fácil de se abalar e desnortear, que qualquer aparência de possibilidade o impelisse a decisões extremas e atos irreparáveis. Quando apenas suspeitava, quando ousava supor contra alguém, é porque o seu espírito exigente dispunha já de indicações bastantes para constituir perante a dedução de qualquer outro uma forma formal. Não haveria coincidência nem simples indício capazes de o levar a praticar uma injustiça, a pecar por precipitação. Assim, para agir na vida, como para cretar em arte, tornava-se-lhe indispensável a evidência, isto é, o fato.
Já agora se acredita que o desgraçado levou anos, três ou quatro anos, a sofrer a mais agoniada das dúvidas, dúvida íntima e intuitiva que o dilacerava, o consumia e que ele, entretanto, calava o melhor que podia, embora assim se lhe sentisse, de dia para dia, redobrar a cruel intensidade. Só a sua extraordinária força de ânimo podia vencer semelhante apreensão e amparar-lhe as faculdades de estudo e de produção. Ainda recentemente, tendo que entrar num concurso, apresentou um trabalho, onde, não só se evidenciava a sua magnífica educação filosófica e literária, mas também a apreensão, assombrosamente rápida, de uma especialidade doutrinária de que sempre o haviam afastado as ocupações profissionais, a luta pela vida. Quando se pensa que um homem, perseguido pelo mais brilhante e doloroso dos infortúnios – qual o de desconfiar como ele desconfiava e não saber ao certo, como ele não sabia – conseguia entretanto desenvolver eficazmente tal energia laboriosa, forçoso se torna reconhecer nesse homem um milagre de disciplina e de equilíbrio, uma resistência intelectual verdadeiramente extra-humana. Esse prodígio, ele o realizou, ele sustentou durante três ou quatro anos – e sem deixar de ansiar pela verdade, sem que ele esmorecesse um momento a tenacidade com que procurava descobrir, apurar, obter o fato indispensável!
Só nos restaria saber quais eram as suas intenções, as medidas que premeditara para quando a certeza se lhe deparasse, com a brutalidade e a infâmia daquele espetáculo que o aguardava na Piedade… Ninguém que de perto o conhece poderá atribuir a essa jornada derradeira o exclusivo propósito da “desafronta e da vingança. A frase enfática de “matar ou morrer” devia ter sido na sua boca uma resposta, nunca um desafio. Como, porém, averiguá-lo agora? Para lá fora sozinho; lá morreu, sozinho; e a única voz honesta e verídica era a sua – que se calou para sempre.
João Luso.

GAZETILHA

Assassinato do Dr. Euclydes da Cunha

As autoridades policiais continuam as suas pesquisas com o intuito de colher esclarecimentos por meio dos quais possa ser perfeitamente reconstituída a trágica cena do assassinato do Dr. Euclydes da Cunha.
O Sr. J. Segurado apresentou ontem a planta diferencial de nível dos planos superior em que estava Dilermando de Assis e inferior em que se achava o Dr. Euclydes da Cunha no último momento do crime.
No laudo também estão discriminados as alturas da vítima e a do aspirante: a direção dos projétis e o exame das armas.
Esta peça que será reunida ao processo combina perfeitamente com o que já dissemos a esse respeito.
Cumpre, porém, retificar um ponto na nossa notícia na parte em que discriminávamos os projétis disparados dos dois revólveres.
Dissemos ontem:
Seis tiros do revólver do Dr. Euclydes da Cunha – um perdido no quarto, dois disparados contra Dinorah, atravessando a túnica no braço e na cintura; dois contra Dilermando, ferindo-o na virilha e no mamelão direito; e um que se perdeu no corredor. Seis do revólver do aspirante Dilermando; um atingindo o quadril do Dr. Euclydes; um a mão; um o braço; um perdido na sala; um perdido no jardim, e um, o último, que causou a morte.
Um perdido no quarto, deve ser retificado assim; um que feriu Dinorah na região dorsal.
Os demais estão perfeitamente acordes com a exposição feita a respeito pelas autoridades incumbidas do processo.
Continuando em diligência, com o intuito de colher provas sobre o bárbaro crime, o Dr. Oliveira Alcântara teve conhecimento de mais duas testemunhas cujos depoimentos julga que serão importantíssimos.
Essa autoridade enviou ontem ao Hospital Militar um oficial de diligências, afim de saber se o estado de saúde do aspirante já permitia que ele fosse inquerido.
A informação colhida no hospital por esse portador que Dilermando se achava muito pior, sendo de crer que não tenha vida por muitos dias.
Informando-nos a este respeito com o médico de dia aquele estabelecimento, foi-nos comunicado que o aspirante vai relativamente bem; os seus médicos assistentes haviam, à tarde, feito uma exploração para a descoberta da bala correspondente ao ferimento da região torácica, não alcançado entretanto, descobrir a posição em que se acha alojada.
O delegado do 20º Distrito esteve de novo em casa de D. Anna da Cunha, achando-a enferma, bem como o menino Affonso.
D. Anna pediu à autoridade que antes de encerrar o inquérito voltasse à sua residência, pois tem certos pormenores do fato, que nessa ocasião revelará por completo.
Na casa da rua Nossa Senhora de Copacabana esteve também uma comissão do Ministério do Exterior, que depois de separar diversos papéis de importância que se achavam em poder do Dr. Euclydes da Cunha, que era auxiliar técnico do Sr. Barão do Rio-Branco, enfeixou-os em um só maço, lacrou-os em seguida, e entregou-os à D. Anna da Cunha.
Consta que nas rodas militares, sobretudo na Escola de Artilharia e Engenharia, do Realengo, há um grande sentimento de repulsa contra Dilermando de Assis, havendo que afirme que ele será submetido a Conselho de Disciplina, tribunal militar a que estão afectos os casos de expulsão do Exército.

SPORT

FOOT-BALL – Realiza-se hoje o segundo encontro entre os teams do Botafogo F. C. e o Fluminense F. C., que disputam o primeiro lugar no Campeonato deste ano. O jogo deve ser brilhante e, sobretudo, disputadíssimo; e, a julgar pelos ótimos elementos que possuem ambos os clubs, torna-se difícil prognosticar a vitória. As arquibancadas da rua Guanabara, onde se dará o encontro, serão, certamente, pequenas para conter a enorme assistência que, individualmente, ali comparecerá.
O Botafogo tem seus teams assim constituídos:
Primeiro: Boggin – O. Werneck – Pullen – Viveiros – L. Rocha – Rolando – Millar – Flávio Canto – G. Hime – E. Sodré.
Segundo: Álvaro Werneck – Edgar Dutra – Vianna – Crespo – N. Hime – Amílcar – Juca – Arthur César – Abelardo – Mimi – L. Sodré.

Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 23 de Agosto de 1909

IMPRENSA

– O nº 484 da Revista da Semana, popular semanário ilustrado, trazendo o retrato do Dr. Euclydes da Cunha e várias ilustrações de assuntos da atualidade, acompanhadas de um texto alegre e interessante.

VÁRIAS NOTÍCIAS

O Sr. Barão do Rio Branco, dirigiu ao Sr. Comendador Manoel Rodrigues Pimenta da Cunha, pai do Dr. Euclydes da Cunha o seguinte telegrama:
“Atordoado pela nossa grande desgraça do dia 15, não pude dirigir-lhe antes palavras de amizade, de simpatia e de conforto; o terrível golpe, que feriu o seu coração de pai, feriu igualmente o meu coração de amigo e sincero admirador dos grandes dotes intelectuais e morais do seu nobilíssimo filho; sei quanto perdi de sincero afeto com o desaparecimento desse bom amigo e companheiro de trabalhos; sei também quanto das esperanças fundadas perdeu o Brasil. – Rio Branco.”

GAZETILHA

Assassinato do Dr. Euclydes da Cunha

Já não é a menina Celina, filha do jornaleiro Fontainha, a única testemunha de vista da trágica cena do assassinato do malogrado escritor Euclydes da Cunha.
As autoridades policiais incumbidas do processo, ouviram, ontem, mais uma testemunha valiosíssima, o Sr. Joaquim Vaz de Araújo, empregado da Leopoldina Railway, e hoje tomarão por termo as declarações de uma senhora, a viúva Henriqueta, ambos moradores de um grupo de pequenos prédios que ficam fronteiros à Casa em que se deu o crime.
Essas habitações, do lado ímpar da rua, foram construídas em uma elevação do terreno, de sorte que da varanda da frente se domina completamente o jardim e o interior de todas as casas fronteiras, que ficam em nível muito inferior.
O Sr. Vaz de Araújo, interrogado, disse que no domingo, pela manhã, entre 10 e 11 horas, estava no interior de sua casa, quando ouviu tiros no “chalet” defronte; dirigiu-se então para a varanda da frente, com o intuito de recolher seus filhos pequenos que ali brincavam, receando que fossem atingidos por algum projétil.
Ao chegar à varanda, viu no jardim da casa nº 214, um homem vestido de preto, e, no alto do acimentado existente à entrada do “chalet”, o aspirante Dilermando empunhando um revólver que ainda apontava para o desconhecido, que se achava em baixo, voltado de frente para Dilermando.
Ao mesmo tempo, viu o homem de preto cambalear e cair de bruços, com a cabeça para o lado do acimentado.
Em tudo isto não decorreram mais de dez ou quinze segundos.
Em seguida, Dilermando, seu irmão e outras pessoas que saíram do “chalet”, apanharam o ferido e carregaram-no para dentro.
O Sr. Araújo só mais tarde soube que o homem que vira cair assassinado, era o escritor Euclydes da Cunha.
A viúva Henriqueta não pôde ver mais nada, pois foi acometida de uma violenta crise nervosa que lhe fez perder os sentidos.
Não resta a menor dúvida que estes dois depoimentos são de grande importância para o inquérito, maxime quando eles vêm confirmar totalmente as declarações da menor Celina, bem como a hipótese do laudo dos peritos que, por sua vez, consoante o auto de autópsia do cadáver do Dr. Euclydes, estabelece que o ferimento “causa-mortis” foi justamente o disparado de cima para baixo.
O Dr. Oliveira Alcântara, Delegado incumbido do processo, nomeou ontem peritos para examinar as roupas que Dilermando e seu irmão vestiam na ocasião do crime, os Srs. Drs. Rodrigues Caó e Sebastião Cortês, médicos legistas da polícia, aos quais apresentou os seguintes quesitos:
I dólman (de Dinorah).
1º – Existem vestígios por projétil de arma de fogo no dólman branco apresentado a exame?
2º – Quantos e quais são?
3º – Pelos orifícios desses vestígios podem os peritos determinarem o calibre da arma usada?
4º – Os orifícios encontrados no dólman coincidem com o projétil apresentado?
5º – O chamuscado que se nota na manga do dólman, braço esquerdo, foi feito por arma de fogo?
II dólman (de Dilermando).
1º – Existem vestígios por projétil de arma de fogo na camisa e no dólman apresentados?
2º – Quantos e quais são?
3º – Pelos orifícios encontrados pode ser determinado o calibre da arma usada?
4º – Esses vestígios coincidem com o projétil apresentado?
5º – O chamuscado que se nota no punho da camisa, parte interna, foi feito por arma de fogo?
6º – Em que posição devia estar o braço de forma a poder ser chamuscado o punho da camisa, parte interna, por arma de fogo?
7º – Por esta posição, podem determinar se o projétil que perfurou os punhos da camisa e dólman é o mesmo que causou a mossa junto do 5º botão no mesmo dólman?”
Serão apresentados também ao Sr. Manoel do Amaral Segurado, perito incumbido do levantamento da planta diferencial dos planos do jardim e da casa, os quesitos a que terá de responder no corpo de seu laudo sobre o exame de direção e posição dos projéteis.
O aspirante Dilermando de Assis, passou bem ontem o dia. Levantou-se e esteve algum tempo recostado a uma janela da enfermaria.
Não está ainda marcado o dia em que serão tomadas as suas declarações.
Dinorah de Assis, já tivemos ocasião de notar, não se impressionou muito com os trágicos acontecimentos em que esteve envolvido.
Há dias, noticiamos que na casa da Estrada Real, apanhando-se só na sala, pôs-se a fazer exercícios de florete contra um alvo próprio de esgrima, existente na parede, sob a panóplia. Ontem, Dinorah tomou parte em um team de foot-ball no ground de um dos clubs desse sport.
Sabe-se que este procedimento de Dinorah causou grande indignação e escândalo nas pessoas que assistiam ao “match”.

SPORT

FOOT-BALL – Botafogo “Versus” Fluminense – Teve lugar ontem, no campo da rua Guanabara, o return-match entre os primeiros e segundos teams dos clubs cujos nomes encimam estas linhas.
Desde 2 horas era enorme a assistência que já enchia as vastas arquibancadas do Fluminense, assistência essa que constantemente aumentava.
Sobressaía dentre ela o elemento feminino, senhoras e senhorinhas, partidárias entusiastas de ambos os clubs, aos quais não pouparam seus aplausos frenéticos nos lances mais belos e emocionantes de ambos, animando dest’arte os jogadores, e entusiasmando-os.
Às 3,40 p.m. deram entrada no campo os dois teams adversários acompanhados do reforce. Era a seguinte a sua organização:
Botafogo
Coggin
O. Werneck – Pullen
Rolando – L. Rocha – Viveiros
Millar – Flávio – Dinorah – G. Hime
E. Sodré
Motta – Emílio – Hargreaves – Jack
’aymar
Gallo – Mutz – Nestor
Vitor – Frias
Waterman
Fluminense
Tirada a sorte coube ao Fluminense o início do ataque, mas, seus fowards que tentavam avançar não o conseguem, sendo-lhes arrebatada a bola pelos backs contrários, que a devolvem ao seu team.
O Botafogo pouco tempo tem esta em seu poder: os Fluminenses arremetem novamente em demanda do goal sob a guarda de Coggin, sem entretanto nada obter. Dão-se ataques bem dirigidos de parte a parte, e o club campeno avança de novo; transpõe a defesa adversa e há neste novamente sério perigo ameaçando o goal confiado à guarda de Coggin, tomando este a infeliz resolução de abandonar seu posto, indo ao encontro da bola. Emílio aproveita habilmente esta falta e inicia o score de seu club, marcando para ele o primeiro goal, sob frenéticos e extraordinários aplausos da enorme assistência.
Recomeça o jogo. Os do Botafogo atacam com enorme vigor e essa bela combinação venceu todos os obstáculos que se lhe antepõem e um foward shoota mal, perdendo ocasião de colocar-se em pé de igualdade com seu adversário.
Isso, porém, longe de desanimá-los, ao contrário, encheu-os de ardor, prosseguindo a refrega animadíssima; mas, todos os esforços do Botafogo vão quebrar-se ante a defesa de Frias, que está sempre colocado. Não se demora muito o jogo e o juiz dentro em pouco apita dando por terminado o primeiro half-time, com este resultado:
Fluminense – 1 goal.
Botafogo – 0 goal.
Findos os 10 minutos de descanso, recomeça o match. Ao Botafogo cabendo o player-kick, os seus fowards, que vêm dispostos a desfazer a vantagem que lhes levam seus êmulos, carregam fortemente, mas Frias está vigilante e devolve a bola ao companheiros de team, estes poucos se demoram com a bola, que lhes é logo arrebatada pelos jogadores do Botafogo, e pondo-se estes, em bem combinados passes, em demanda do goal adversário, confiado a Waterman, tendo este com inaudita felicidade rebatido um verdadeiro bombardeio de shoots. Num dado momento, a linha de ataque do Fluminense recompõe-se organiza-se e marcha em carga cerrada contra o goal do team alvi-negro; e tão bem combinados vão que o ameaçam seriamente de mais acentuar a sua superioridade. Um jogador botafoguense é, então, obrigado a ocasionar um córner, tirado muito bem por Gallo. Trava-se renhida batalha na porta do goal, da qual sai mais uma vez triunfante o Fluminense, que marca mais um ponto a seu favor. Volta a bola ao centro, os de Botafogo, que no 2º half-time sempre fazem proezas, arremessam-se com grande força em demanda do goal de Waterman; mantêm um ataque cerrado à porta deste, dominando por completo o jogo, mas… tudo é em vão; shootam repetida e continuadamente, sem que, entretanto, nenhum ponto marquem os partidários do club-alvinegro, que julgam infalível a derrota de seu favorito, por 2 a 0. O ataque do Botafogo, porém, continua cada vez mais forte: nada o detém e no mais animado da peleja Gilbert Hime, in-side-left, vaza o goal Fluminense pela primeira e única vez.
É indizível o entusiasmo que se apoderou da inúmera assistência; os aplausos reboavam uníssonos.
Recomeça o jogo e também o ataque persistente do Botafogo. Parecia a todos que diante das avançadas brilhantes deste, que nada detinha, o empate seria o final do jogo; mas isso não aconteceu, visto como o tempo corria célere e o juiz teve de apitar, dando por terminado o extraordinário match, o mais belo que temos assistido, com a vitória Fluminense por dois goals a um.
Agora, digamos os jogadores que mais se salientaram, de ambos os clubs:
Botafogo: Todos os fowards, Rolando, Lulu, Pullen e O. Werneck.
Fluminense: Nestor Mutz, Frias, Emílio e Waterman.
Atuou como reforce o Sr. Wood que não agiu com a necessária imparcialidade.
– O jogo dos segundos teams esteve excelente, vencendo o Botafogo, por 3 a 0. Fizeram os goals: Abelardo, N. Hime e Mimi.

Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 24 de Agosto de 1909

GAZETILHA

Assassinato do Dr. Euclydes da Cunha

Avolumam-se dia a dia os autos do processo relativo ao assassinato do Dr. Euclydes da Cunha. Ao mesmo tempo, crescem também, cada vez mais nítidas e mais esmagadoras as provas contra o aspirante Dilermando de Assis.
Nada menos de quatro depoimentos, solidamente encadeados entre si, acordes na forma e na essência, já destruíram completamente a alegação de legítima defesa com que Dilermando procurara justificar o seu ato.
As declarações de D. Henriqueta de Araújo Medeiros, reunidas, ontem, ao inquérito, pelo Dr. Oliveira Alcântara, são de uma simplicidade iniludível:
– Estava dentro de sua casa, que fica frente a frente com a república, quando ouviu tiros.
Dirigiu-se para a varanda a fim de recolher os filhos. Daí presenciou toda a cena. Um homem, de costas para sua casa, em pé, no jardim, voltado para Dilermando, que do alto do acimentado “aprumou” um grande revólver negro, para ele e disparou um tiro. Viu o homem imediatamente cambalear e cair.
Neste momento, emocionada com a horrorosa cena, sentiu a vista se lhe turvar e caiu sem sentidos.
Este depoimento confirma ainda uma vez as declarações de Celina e completa as do Sr. Joaquim Vaz de Araújo, bem como as do próprio irmão de Dilermando de Assis.
O Dr. Oliveira Alcântara procurará ainda o testemunho de uma outra pessoa, cujo nome não podemos obter, mas sabemos tratar-se de um empregado da Repartição Geral dos Correios.
O Diretor do Hospital Central do Exército enviou, ontem, um ofício ao Dr. Oliveira Alcântara, avisando-o de que o aspirante Dilermando de Assis já pode ser inquerido.
Dilermando tem se levantado do leito diariamente. Não parece preocupar-se muito com a sua situação; a respeito da qual fala sempre com visível indiferença.
São os seguintes os quesitos apresentados pela autoridade policial aos peritos, Srs. Engenheiro Manoel do Amaral Segurado e Capitão João Vieira, comandante da guarda noturna de Inhaúma:
Exame do local:
1º Existem nas paredes do corredor e da sala de visitas da casa nº 214 da Estrada Real de Santa Cruz e na porta do 1º quarto desse corredor, à esquerda de quem se dirige da sala de visitas para a sala de jantar, vestígios por projétil de arma de fogo?
2º Quantos e quais são?
3º Por esses vestígios podem os peritos determinar o calibre das armas usadas?
4º Podem determinar por qual das armas apresentadas a exame foram feitos esses vestígios?
5º Por estes vestígios podem determinar o ponto de partida dos projéteis?
6º Pelo ponto de partida dos projetos e pela sucessão dos vestígios encontrados, podem determinar a direção tomada pelos contendores?
– Exame de armas:
1º Qual a natureza das armas apresentadas a exame?
2º Quais as suas dimensões?
3º No estado em que se acham podiam ser utilizadas eficazmente para a perpetração do crime?
4º As armas submetidas a exame estão ou não carregadas?
5º Qual a natureza da carga?
6º As balas foram expelidas por deflagração das cápsulas?
7º O exame do interior do cano indica que os disparos tenham sido recentes?
– Exame diferencial de nível:
1º Qual a diferença do nível a soleira da porta de entrada da sala de visitas e o do solo do jardim da casa da Estrada Real de Santa Cruz nº 214?
– Foi este o telegrama que o Sr. Barão do Rio Branco dirigiu, no dia 18 do corrente, ao Sr. Comendador Manoel Domingues Pimenta da Cunha, residente em S. Carlos do Pinhal.
“Atordoado pela vossa grande desgraça do dia 15, não pude dirigir-lhe antes palavras de amizade, simpatia e conforto. O terrível golpe que feriu o seu coração de pai feriu igualmente o meu coração de amigo e sincero admirador dos grandes dotes intelectuais e morais do seu nobilíssimo filho. Sei quanto perdi de sincero afeto com o desaparecimento desse bom amigo e companheiro de trabalhos. Sei quanto de esperanças fundadas perdeu o Brasil. – Rio Branco.”
– Vários aspirantes a oficial do Exército, admiradores do Dr. Euclydes da Cunha, fizeram dizer ontem, às 8 horas da manhã, na igreja de S. Francisco de Paula, uma missa pelo repouso do infortunado escritor.
– Escrevem-nos:
“Muito se tem animado, com fundamento o desenvolvimento dos sports que, concorrendo para fortalecer o físico da nossa mocidade, alevantam o seu espírito, auxiliam a formação da sua pureza de caráter e da sua sã moral.
Entretanto, contrário atestado foi dado ontem em um ground em que se jogou o foot-ball, sendo jogador de um dos partidos, um rapaz recentemente envolvido em um horrível assassinato, cheio de circunstâncias, qual delas a mais deprimente para o seu autor e seus cúmplices!
E, não houve, dos associados do Club, dos companheiros do jogo, quem, com dignidade, repelisse a parceria de tão indigno jogador!
Ele afrontou a sociedade numerosa e seleta, que assistia tão predileto divertimento, partilhando das palmas e ovações feitas ao seu partido.
Que apoteose!
Como tem beneficiado o sport, a formação do caráter e da moral!!”

Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 25 de Agosto de 1909

GAZETILHA

Assassinato do Dr. Euclydes da Cunha

Preocupa-se presentemente o delegado incumbido do processo acerca do assassinato do Dr. Euclydes da Cunha com a coordenação das provas colhidas durante o inquérito, a fim de iniciar o seu relatório. Assim, pois, é de esperar que dentro de poucos dias subam ao Juiz competente os autos juntamente com o necessário pedido da prisão preventiva de Dilermando de Assis.
Apesar do trabalho de gabinete em que passou ontem, grande parte do dia, o Dr. Oliveira Alcântara procurou ouvir ainda duas outras testemunhas. Uma, o carteiro Marcos Monteiro, não pôde ainda ser encontrada; a outra foi Solon Cunha, cujo depoimento, aliás interessantíssimo, publicaremos oportunamente.
Em seguida o Dr. Oliveira Alcântara tomará por termo as declarações do Dr. Capanema, o médico chamado para socorrer Euclydes da Cunha e que ministrara os primeiros curativos aos irmãos Assis.
Por último as autoridades policiais ouvirão de novo, caso se torne necessário, o aspirante Dilermando, que ainda se acha em rigorosa incomunicabilidade.
Juntas a este depoimento as respostas dos quesitos formulados aos diversos peritos, o Dr. Oliveira Alcântara encerrará o inquérito.

Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 27 de Agosto de 1909

GAZETILHA

Assassinato do Dr. Euclydes da Cunha

O inquérito sobre o trágico assassinato do escritor Euclydes da Cunha entrou francamente na sua última fase.
As autoridades encarregadas do processo policial tomaram ontem as declarações do Aspirante Dilermando de Assis.
Como é sabido o acusado estava incomunicável, com sentinelas à vista, no seu cubículo da enfermaria nº 1 do Hospital Central Militar.
O Delegado Dr. Oliveira Alcântara, na suposição de que Dilermando faria um depoimento totalmente negativo, pretendeu acareá-lo com Anna Solon, tendo para isso dado todas as providências, a fim de que em um dado momento aquela senhora pudesse ser apresentada ao preso, de sorte que opondo o seu franco depoimento às negativas que se esperavam de Dilermando, induzisse-o a mudar de tática e entrar no terreno dos fatos verídicos.
Dadas estas providências, à 1 hora da tarde, o Delegado do 20º distrito, chegou ao Hospital Central, onde devia aguardar o seu Escrivão, Dr. Anor Margarido, que de automóvel, fora a Copacabana buscar Anna Solon, que se achava avisada de véspera.
Às 3 horas da tarde, o Escrivão, já retardado, chegou à administração do Hospital, onde era esperado. Vinha só. Anna Solon, por motivos independentes de sua vontade não pudera vir.
Mostrara-se sempre muito desejosa de tomar parte na diligência, mas à hora da saída sobreveio um contratempo. A casa das “Fazendas Pretas”, incumbida de confeccionar a roupa de luto, havia-se recusado a entregá-la sem o seu pronto pagamento.
Anna Solon apresentou ao empregado a sua caderneta de cheques nominais, declarando que precisava dos vestidos, justamente para vir à cidade, retirar dinheiro do Banco. Apesar disso o caixeiro não quis arredar-se da praxe do estabelecimento. O Escrivão Dr. Anor Margarido telefonou para a “Casa das Fazendas Pretas” explicando o incidente, mas dali foram reiteradas, as ordens a que o empregado obedecera.
Diante disto, Anna Solon não quis sair, visto achar-se com um vestido de luto só próprio para casa.
Diante do resultado da incumbência que tivera o seu Escrivão, o Dr. Oliveira Alcântara não quis retirar-se do hospital sem antes sondar as disposições de espírito de Dilermando.
Acompanhado de seu Escrivão e do médico de dia ao estabelecimento, o Sr. Dr. Guimarães Padilha, dirigiu-se para a enfermaria.
A incomunicabilidade e a sentinela à vista, haviam por completo transformado a atitude do preso para com a polícia.
Dilermando antes se mostrara sempre arrogante e insolente, estava inteiramente outro: polido, acessível, na plenitude da sua verbosidade fátua.
Queria prestar as declarações à polícia com toda a sinceridade.
Começava por declarar que não podia compreender o ataque que os jornais lhe fazem. “Euclydes, ele reconhecia, era um homem de valor… mas a perda que a pátria sofrera com a sua morte, breve, ele, Dilermando, havia de saber compensá-la”.
Em seguida a esta espécie de exordio, o preso entrou a enumerar as suas aptidões de esgrimista e os seus dotes intelectuais.
Dilermando falava com ênfase deixando-se por vezes arrebatar pela beleza que descobria nas suas próprias frases, sentava-se na cama para descansar, fazia uma pausa e continuava sempre assim: À parte a modéstia, eu… tenho todos os predicados para ser um dos maiores oficiais do nosso Exército.
Estas e outras coisas desta natureza, foram ouvidas com paciência pelos circunstantes até que o Dr. Oliveira Alcântara se decidiu a cortar a fio do auto-panegirico que o preso tecia das suas belas qualidades, e pediu que começasse a tratar da cena do assassinato do Dr. Euclydes da Cunha.
Dilermando, então, disse que estava em sua casa, na sala de jantar, ao café, com seu irmão Dinorah, Anna Solon e seu filho Lulu, quando o Dr. Euclydes chegou ao portão do jardim. Anna correu com Lulu para o pequeno quarto das fotografias, e, ao mesmo tempo, Dinorah foi abrir o portão, enquanto ele dirigia-se para o seu quarto, a fim de tomar uma túnica e colarinho para receber o Dr. Euclydes, o qual, ele acreditava, procurava-o para, no máximo, desafiá-lo para um duelo, ou entrar em “acordo” mais consoante com a dignidade de ambos.
Desde sexta-feira, Anna chegara em sua casa, declarando-lhe que queria divorciar-se do Dr. Euclydes, tendo-lhe aconselhado que não fizesse tal porque presentemente ainda não podia tomar tamanha responsabilidade sobre si, em vista das suas condições de mero estudante.
Ainda se achava no quarto quando ouviu o Dr. Euclydes pronunciar as palavras “matar ou morrer”. Em seguida, a um ponta-pé vibrado pelo Dr. Euclydes, a porta abriu-se e este lhe deu o primeiro tiro. Procurou subjulgá-lo, juntamente com Dinorah, mas, sentindo-se ferido, apanhou o revólver que estava na prateleira e começou por sua vez a alvejar o Dr. Euclydes.
Nega que o tiro mortal que atingiu a região infra-clavicular da vítima e, atravessando o pulmão, saiu sob a décima costela, tenha sido disparado quando o Dr. Euclydes já estava no jardim, o que, entretanto, é confirmado por três testemunhas.
Tendo caído o Dr. Euclydes, o seu filho Solon, que no momento da cena estava no quintal, apanhou um revólver para matá-lo, o que não fez por tê-lo desarmado, com o auxílio de Dinorah.
Estas declarações não foram ainda reduzidas a termo, esperando o Dr. Oliveira de Alcântara fazê-lo hoje, às 8 horas da manhã.
Dilermando declarou que está escrevendo artigos com que se defenderá dos ataques que lhe tem sido dirigidos.
Ao retirar-se o Dr. Alcântara da enfermaria, o preso pediu-lhe com certa brandura que quisesse empregar os seus bons esforços para fosse suspensa a incomunicabilidade em que se achava.
O Dr. Oliveira Alcântara já reduziu a termo e juntou aos autos do processo, o depoimento de Solon da Cunha.
Diz ele que estava no quintal quando ouviu um tiro de revólver muito forte, a que se seguiram dois outros mais fracos, após os quais ouviu um cerrado tiroteio. Pensa que Dilermando foi o primeiro a atirar em seu pai, pois a sua arma era de calibre muito maior.
O Dr. Manoel Segurado apresentou ontem ao Dr. Oliveira Alcântara respostas dos quesitos que lhe haviam sido apresentados por esta autoridade.
Vão em seguida os quesitos e suas respostas:
“Primeiro quesito: Existem nas paredes do corredor e da sala de visitas da casa nº 214 da Estrada Real de Santa Cruz e na porta do primeiro quarto desse corredor, à esquerda de quem se dirige da sala de visitas para a sala de jantar, vestígios produzidos por projétil de arma de fogo?
Resposta: Sim, existem vestígios produzidos por projétil de arma de fogo.
Segundo quesito: Quantos e quais são?
Resposta: Dois na parede do corredor, dois na porta do primeiro quarto já aludido, um na fechadura da porta da sala de visitas e corredor e um na parede da sala de visitas, sendo de notar que os dois vestígios encontrados na porta do quarto citado estão em visível correspondência, o primeiro com um dos vestígios da do corredor, também já aludido, e outro com o vestígio da parede da sala de visitas, sendo portanto produzidos pelos mesmos projéteis respectivamente.
Terceiro quesito: Por esses vestígios podem os peritos determinar o calibre dos canos usados? No caso afirmativo, quais são?
Resposta: Podem, porquanto as medições dos orifícios de entrada dos projéteis na porta do quarto referido em outros quesitos correspondem em m/m aos calibres 380 (revólver francês) e 38 revólver americano, e ainda mais porque três desses foram encravados, dois na parede do corredor e um na fechadura da porta da sala de visitas e corredor, cujos diâmetros da parte posterior não amolgada pela resistência da alvenaria facilitou o perfeito confronto com os diâmetros das cápsulas detonadas.
Quarto quesito: Podem os peritos determinar por qual das armas apresentadas foram deixados esses vestígios. No caso afirmativo, por qual das duas, pelo do primeiro calibre ou do segundo?
Resposta: Sim. Os peritos abaixo assinados determinam que foram feitos esses vestígios pelos projéteis de arma calibre maior (38 S. e W.) dentre as duas que lhes foram apresentadas.
Quinto quesito: Por esses vestígios podem determinar o ponto de partida dos projéteis?
Resposta: Sim, o ponto de partida dos projéteis foi o interior do quarto já citado, estando quem da arma fez fogo em sucessivas posições com relação à porta, que em sua metade fechada foi atravessada de dentro para fora por dois desses projéteis, como ficou dito.
Sexto quesito: Pelo ponto de partida dos projéteis e pela sucessão dos vestígios encontrados, podem determinar a direção tomada por dois contendores?
Resposta: Como já ficou dito, é de presumir o contendor que fazia uso da arma de maior calibre estando dentro do quarto já aludido e o outro no corredor, entre as duas portas dos quartos que com ele comunicam, mais próximo da primeira já referida do que da segunda, se dirigissem, este para a sala de visitas e aquele tomasse dentro dos quartos posições, de modo a nunca perder de vista o seu adversário, pois os vestígios feitos pela arma de fogo se sucedem nesse sentido até o último que, atravessando, como dissemos, a porta, resvalou na parede da sala de visitas em direção diagonal à dita porta.
O croquis junto a que se refere o auto de exame e cuja necessidade mostraram os peritos, melhor orientará sobre as respostas acima e como pensam os peritos.”
Laudo do exame do jardim e soleira da porta da entrada da sala de visitas:
“Quesito único: Qual a diferença de nível entre a soleira da porta da entrada da sala de visitas e o solo do jardim da casa nº 214 da Estrada Real de Santa Cruz, isto é, qual desses pontos está em nível superior?
Resposta: A diferença de nível entre a porta de entrada da sala de visitas e o solo do jardim do prédio é de 0m.75 em média, sendo que a porta está em plano superior.”
Sabemos que Dinorah de Assis está inscrito para tomar parte em um match de foot-ball, que se realizará brevemente em S. Paulo, sendo, porém de esperar que ele não leve isto a efeito, em vista da atitude da sociedade daquela Capital, que, parece, o repelirá.

Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 28 de Agosto de 1909

GAZETILHA

Assassinato do Dr. Euclydes da Cunha

O inquérito sobre o estúpido assassinato do Dr. Euclydes da Cunha foi ontem encerrado, com as declarações de Dilermando de Assis, que a polícia reduziu a termo.
O autor da morte do notável escritor ditou ao Dr. Oliveira Alcântara o seguinte depoimento que havia previamente escrito.
“Tendo-se levantado tarde, às 10 horas da manhã, mais ou menos, do dia 15 do corrente, tomava café em companhia de D. Anna, Solon e Dinorah.
Finda a sua refeição se levantou Dinorah, para lhe comunicar que o Dr. Euclydes se achava à porta, batendo.
Como se achasse em mangas de camisa, ordenou-lhe que mandasse entrar para a sala de visitas, enquanto o declarante vestia uma túnica em seu quarto, tendo D. Anna e Solon se conservado na sala de jantar, dizendo ao declarante que não deixasse o Dr. Euclydes entrar, afim de se não demorar.
Sem colarinho, se preparava para ir ter à sala, abotoando-se, quando ouviu, além do ruído dos passos do Dr. Euclydes, rápidos, e em direção ao seu quarto, pronunciar as palavras “matar ou morrer”.
Quando se abriu a porta, pois, não houve tempo de evitar o seu encontro, o que foi feito com um ponta-pé, dado pelo Dr. Euclydes, só teve tempo de lhe perguntar: “que é isso. Doutor” – e desfechara o primeiro tiro, dirigindo-o à virilha direita, retrucando-lhe “bandido desgraçado” e pouco depois “mato-os”.
Ante tão súbita quão inesperada agressão, desarmado, procurou subjulgá-lo, passando a porta do seu quarto e tratando de se aproximar de seu adversário, sem o conseguir, pois este recuava, quando um tiro no peito o fez oscilar e retroceder, entrando novamente em sua alcova de repouso.
Dinorah, que o seguira da sala, onde vira empunhar o revólver, tentou agarrar o doutor, o que não conseguiu devido a ser alvejado, deitou a correr para os fundos da casa, quando foi ferido nas costas.
Os movimentos do doutor, em retrocesso, eram acompanhados de imprecações e interjeições lancinantes, bem como de constante ação na tecla do revólver, tinha os olhos desmesuradamente abertos e espumava pela boca, numa agitação horrível.
Entrando em seu quarto, enquanto ele atirava em seu irmão, conseguiu tomar de uma prateleira um dos seus revólveres Schimidt and Wesson, calibre 38, que se achava carregado, e chegando à porta que dá para o corredor, dirigindo-o para a sala, em sentido contrário ao lugar onde se achava o doutor, fez um disparo afim de intimidá-lo, pois o seu intuito era fazê-lo conter-se, cessar o tiroteio, para então lhe falar calmamente.
Um segundo tiro foi dado nas mesmas condições, porém, para a esquerda, pois à detonação o Dr. corria para a sala, parando à frente da porta de seu quarto, aonde, alvejou-o novamente, não logrando infelizmente o seu expediente posto em prática o efeito almejado, pois, amedrontado, segundo lhe parece, assim tornou o Dr. o ataque contra o declarante, tentando defender sua vida, redobrando a sua ânsia.
Recebendo o quarto ferimento, produzido por um projétil de velocidade resultante enfraquecida pela transposição de algum corpo sólido interposto, que foi o que mais sentiu, pois não penetrara, produzindo uma grande equimose sobre uma das costelas direitas, alvejou-o no ombro direito, porque o adversário tendo o seu flanco esquerdo então apoiado à parede, do corredor e quarto, só lhe mostrava o flanco direito.
Sempre acionando a tecla do gatilho, ele fugindo de costas, voltado para o declarante e este perseguindo-o, chegou ao meio da sala, donde deitou a correr, dando-lhe aí da porta da sala e corredor, onde se achava então o declarante, o último disparo.
Como, pela janela aberta, não o visse sair nem passar pelo jardim chegou a porta da sala, que dá para o jardim, empunhando o revólver, pronto para atirar, na suposição de que o doutor se achasse oculto, preparando-lhe uma emboscada.
Então vendo-o caído de bruços, com as costas voltadas para cima, tendo o rosto voltado para os fundos da casa, e ainda acionando a tecla do gatilho, quando, correndo, chegou Solon, que vinha do interior da casa, que vendo seu pai caído, perguntou-lhe: “mataste, meu pai? Ah!” e puxou de um revólver, procurando fazer uso, não sabendo o declarante com que intenção, no que foi obstado por este, que tolheu-lhe o movimento, até que chegara Dinorah, que o desarmou.
Aproximou-se então do Dr. Euclydes, conjuntamente Dinorah e Solon, perguntando-lhe: “Que loucura foi essa Doutor. Que desvario! Veja o que fez!” ao que respondeu arquejante “Odeio-te, honra”.
Auxiliado por Solon e seu irmão, transportou-o para seu leito, onde procurou tratá-lo, friccionando-lhe o peito com medicamentos de ocasião.
Uma vez aí o Dr. Euclydes disse essas palavras “Intrigas, perdôo-te ou perdão” chegando nesse ínterim D. Anna, que vindo do interior da casa, pôs-se a chorar, lastimando o fato e dizendo algumas palavras que o declarante não se recorda, lembrando-se, porém, que eram de lástima e de censura.
Saindo então para pedir a algumas pessoas das que acercavam já a casa que fossem chamar um médico com toda urgência, a polícia e a um seu colega, para que fosse à Escola comunicar o ocorrido.
Feito isto tornou ao quarto e ali acercou-se dele, endireitando-lhe o braço fraturado e fazendo-lhe novas fricções, ao lado de sua esposa e seu filho e de Dinorah, que chegava da rua, onde fora providenciar para se passar uns telegramas, assistindo o seu último alento, o que verificou com um espelho.
Recebeu o médico, o Dr. Capanema, conduziu-o ao seu quarto, confirmando aquele facultativo o passamento do Dr. Euclydes.
Mandou depois medicar seu irmão, que desfalecera sendo finalmente pensado, pelo clínico acima citado.”
Em seguida a estas declarações, o Dr. Oliveira Alcântara interrogou ainda o preso e fez reunir aos autos mais os seguintes esclarecimentos que julgou necessários:
“Foi procurado, quinta-feira, 12 do corrente, por D. Anna da Cunha, em sua casa à Estrada Real de Santa Cruz.
Uma vez aí D. Anna expôs ao declarante a situação difícil em que se achava perante o seu marido a quem tinha proposto o divórcio, e de quem amargamente se queixava.
Depois do jantar, ao escurecer o declarante acompanhou D. Anna ao largo do Machado, onde a mesma havia marcado um rendez-vous com D. Angélica e D. Lucinda Rato.
Aí chegados tiveram conhecimento, por Dinorah e Solon, de que essas senhoras não compareceriam, e que o Dr. Euclydes se achava aborrecido com a ausência de D. Anna. À vista disso e estando o menor Euclydes adoentado no Ginásio, D. Anna pediu ao declarante, a Dinorah e Solon, que a acompanhassem para casa de sua mãe no Campo de S. Cristóvão.
Feito isto o declarante retirou-se para sua casa.
No dia seguinte, sexta-feira, foi o declarante para a Escola, de onde regressou à tarde, encontrou D. Anna em sua casa, onde permaneceu até domingo, dia em que se desenrolou a tragédia conhecida.
No sábado, à noite, Solon foi a sua casa, a fim de acompanhar sua mãe para Copacabana.
Não obstante Solon haver dito que seu pai achava-se muito contrariado com a ausência de D. Anna, esta recusou a regressar, dizendo que estava de vestido branco e a noite estava muito chuvosa.
Solon, não obstante mostrar-se contrariado com a resolução de sua mãe, deliberou aí pernoitar, afim de a acompanhar no dia seguinte, sendo certo que Solon se mostrava também contrariado com o declarante.
Pode afirmar ter Dinorah aberto a porta da sala, pois o fez a mando do declarante, não podendo assegurar ter o mesmo aberto o portão do jardim.
Entretanto, pode afirmar que o portão do jardim só estava fechado com o trinco.
Não temeu receber em casa o Dr. Euclydes, a quem não supunha capaz de uma agressão e com quem pretendia entrar em explicações, expondo-lhe a verdade.
Falhando a sua previsão e se vendo agredido pelo Dr. Euclydes, deu dois tiros para os lados opostos a ele, supondo amedrontá-lo, e isso por vê-lo agredir a Dinorah, o que muito irritou ao declarante.
Daí por diante, julgando-se o único culpado e vendo assim o seu irmão em perigo de vida, não mais atirou para o lado, alvejando diretamente o Dr. Euclydes, a quem, como já disse, perseguiu a tiros de revólver até a sala de visitas, onde lhe desfechou o último tiro”.
Dilermando desde ontem, à tarde, se acha preocupado com a sua incomunicabilidade, o que ainda hoje patenteou ao Dr. Alcântara, pedindo para que obtivesse do Chefe do Estado-Maior General do Exército aquela liberdade.
Pediu mais, que ficasse preso no 1º regimento de artilharia, pois estando esse batalhão em ponto central, melhor poderá tratar de sua defesa.
Sobre quem devia defendê-lo, disse que ainda não tinha resolvido, se bem que o Sr. Deocleciano Martyr já lhe havia falado a respeito.
Este solicitador do nosso foro compareceu ao hospital para falar a Dilermando quando ele estava sendo interrogado.
O depoimento de Solon da Cunha, cujo resumo publicamos ontem, damo-lo em seguida na íntegra.
“No sábado, de tarde, ao chegar à casa, seu pai a ele se dirigiu, perguntando: “Sabe onde está sua mãe?”, ao que respondeu não saber.
Retorquiu-lhe então seu pai: “Sua mãe não está em casa de sua avó, sua mãe é uma mulher adúltera”.
À vista disso e sentindo-se com o que lhe havia dito seu pai disse-lhe: “Pois meu pai, se isso for verdade, daqui eu irei para a Casa de Detenção”.
Momentos depois seu pai lhe deu duas pratas de 500 réis. Descendo então a escada preparou-se e saiu, tomando um trem com destino à casa de Dilermando, na Estrada Real de Santa Cruz.
Assim procedeu porque momentos antes de lhe falar seu pai, ouvira D. Angélica dizer ao Dr. Euclydes que sua mãe se achava ali e lhe haver dito seu pai que sua mãe não estava em casa de sua avó.
Chegou à casa de Dilermando às 8 1/2 da noite e encontrou-o na sala de visitas conversando com sua mãe.
Dirigindo-se à ela, fez-lhe sentir o que se passava com seu pai, convidando-a a ir para casa.
Sua mãe ponderou que chovia e que não era possível sair assim, retorquindo o declarante, insistindo para que ela fosse, ao que Dilermando obstou com a seguinte frase: “— Sua mãe não sai daqui”.
Resultou daí, por três vezes, terem forte troca de palavras, onde, na última vez, Dilermando disse: “Se você continuar desta forma eu o expulso de casa”, ao que respondeu: “Se me expulsares de casa, eu te expulsarei do mundo”.
Intervindo sua mãe, Dilermando e o declarante se acalmaram, ficando assentado que na manhã seguinte ela iria para casa, com o que aquiesceu Dilermando.
O resto da noite passou em vigília.
Na manhã seguinte, cerca de dez horas, achava-se em um tanque do quintal, lavando o rosto, quando ouviu um tiro, que se recorda ser bastante forte, logo após outro, mais fraco e depois detonações repetidas.
Vendo que coisa anormal se passava e ouvindo Dinorah gritar “apanha o outro revólver”, correu para dentro de casa e, quando no meio do corredor, ouviu ainda duas detonações fortes e compassadas e ao chegar à sala de visitas deu com Dilermando na soleira da porta que dá para o jardim, ainda empunhando um revólver Schmidt and Wessen, de campanha, e que lhe pertencia por ser prêmio de um concurso de tiro.
Indo ver o que se passava deu então com o corpo de seu pai, caído de bruços no jardim, perto de umas folhas de zinco que dividem o terreno.
Ao vê-lo seu pai chamou-o com um aceno de mão e indo ao seu encontro, procurou ele dizer-lhe alguma coisa, o que não pôde fazer, por ter a boca com sangue.
Chamou então por Dilermando e Dinorah para que carregassem seu pai, o que fizeram, sendo levado para a cama existente no quarto de Dilermando.
Aí este pediu-lhe que dissesse a seu pai para perdoá-lo, ao que o Dr. Euclydes, num esforço disse: “Odeio-o”.
Dilermando então se dirigiu ao ferido dizendo: “Dr. Euclydes, que loucura foi esta?” Nessa ocasião seu pai disse: “Perdão, intrigas, calúnias”.
Depois disso Dilermando se dirigiu à sua mãe, dizendo: “D. Sinhá, matei o Dr. Euclydes, porém, eu e Dinorah estamos também mortalmente feridos”.
Momentos depois compareceram ao local as autoridades policiais, que tomaram conta do corpo de seu pai.”
O Dr. Oliveira Alcântara aguarda as respostas dos peritos incumbidos do exame das roupas de Dilermando e Dinorah, afim de poder relatar o processo.
A respeito da nossa local de ontem recebemos a seguinte carta da Casa das Fazendas Pretas, de que é proprietário o Sr. Pedro S. Queiroz:
“Deparando em vosso número de hoje, na notícia subordinada à epígrafe – “Assassinato do Dr. Euclydes da Cunha” com uma referência menos exata sobre a “Casa das Fazendas Pretas”, de minha propriedade e única com direito ao uso deste título, venho pedir-vos uma retificação, baseado nos seguintes motivos:
1º Não foi à minha casa que D. Anna Solon fez encomenda do seu luto e por esse motivo não foi aqui que se lhe recusou o meio da mesma senhora poder comparecer onde era chamada para esclarecimento da verdade.
2º Não é possível que depois do brilhante acórdão proferido pelas Ilustres Câmaras Reunidas da Corte de Apelação, na ação que intentei à outra casa desta Capital, que ludibriando a boa fé do respeitável público, ilicitamente usava do título da minha casa nas suas transações, não é possível, repito, que depois disso essa ou outra qualquer casa fizesse esse ou outro qualquer negócio em nome da “Casa das Fazendas Pretas”.
Deve forçosamente haver qualquer engano na declaração de D. Anna Solon, pois me seria doloroso acreditar que da parte de outrem houvesse a intenção criminosa de desrespeitar uma sentença unanimemente proferida por um dos mais altos tribunais do meu país.
Peço-vos, portanto, Sr. Redator, uma retificação à vossa notícia, a bem da verdade, e certo de que não m’a recusareis, tenho o prazer de vos apresentar as minhas mais respeitosas saudações.”

Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 29 de Agosto de 1909

GAZETILHA

Assassinato do Dr. Euclydes da Cunha

Os médicos legistas da polícia Srs. Drs. Rodrigues Caó e Sebastião Cortes, peritos nomeados pelo Delegado incumbido do processo relativo ao assassinato do Dr. Euclydes da Cunha, para procederem ao exame das roupas pertencentes a Dilermando e Dinorah de Assis e responderem aos quesitos que a esse respeito lhes foram propostos pela aludida autoridade, apresentaram ontem o laudo do exame e as respostas que se seguem:
LAUDO – Das roupas de Dinorah somente lhes foi apresentado um dólman de brim branco, não lavado, e no qual foram notados vestígios de luta, tais como manchas e orifícios de projétil de arma de fogo.
Das manchas são de notar-se uma grande mancha de cor telha situada no ponto correspondente à região scapular direita e três outras pequenas manchas de cor vermelha escura, situadas na parte média do pano das costas, no ponto correspondente à coluna vertebral, na altura dos homoplatas e que por seus caracteres físicos e químicos são de sangue.
Os orifícios encontrados no mesmo dólman são oriundos de projétil de arma de fogo. Assim o provam os seus caracteres.
Um dos orifícios está situado na linha mediana do dólman, na sua porção posterior e em ponto correspondente à coluna vertebral, na altura dos homoplatas.
O seu diâmetro é de cinco milímetros, a forma circular, bordos desfiados, enegrecidos e completamente comburidos.
Ao redor desse orifício, existe uma zona irregularmente circular, constituída de um pontilhado negro, formado de numerosos grânulos de pólvora combusta, encrustados nos fios do tecido. Este pontilhado tem um diâmetro aproximado de dez centímetros.
Além deste orifício, notam-se mais na manga esquerda do dólman, dois outros orifícios: um deles se apresenta na folha externa da dita manga, próximo à costura posterior da qual dista um centímetro e em altura correspondente mais ou menos do terço médio do braço. Este orifício tem a forma circular, mede também cinco milímetros de diâmetro, os seus bordos são regulares, negros, e os fios marginais comburidos. Em volta dele notam-se também grânulos de pólvora combusta, formando pontilhado negro.
Os seus caracteres são, portanto, os de um orifício de entrada de um projétil de arma de fogo.
Na folha interna da mesma manga, distando da costura posterior três centímetros e mais acima do orifício precedente cerca de seis centímetros, verifica-se ainda a presença de um terceiro orifício, que por seus caracteres especiais mostra ser o orifício da saída do projétil que produziu o orifício precedente.
Assim, esse orifício tem a forma circular, mede cinco milímetros de diâmetro, porém, os seus bordos são mais irregulares e não se mostram enegrecidos.
Não se notam na vizinhança desses orifícios da manga esquerda do dólman, vestígios de sangue e, atendendo-se à situação dos mesmos, isto é, em pontos que normalmente não têm contato com o braço, conclui-se que o projétil que o produziu não ofendeu Dinorah.
O mesmo não se deu com o orifício descrito em primeiro lugar, que deveria ter ofendido aquele indivíduo, o que, aliás, foi provado no exame de corpo de delito a que foi submetido.
Ainda sobre a manga esquerda do dólman em exame, nota-se, pouco abaixo do orifício de entrada já descrito, uma mancha escura produzida no momento do disparo da arma empregada, mancha essa, que prova ter-se dado o disparo a pequena distância.
– Das roupas de Dilermando lhes foram apresentadas duas peças: uma camisa branca e um dólman kaki.
No dólman encontram-se também manchas de sangue e orifícios produzidos por projétil de arma de fogo.
Assim, na parte interna do dólman, correspondente à região external, verifica-se a presença de uma larga mancha de sangue.
O dólman abotoado, permite verificar que situado entre o primeiro e o segundo botão, a contar de cima para baixo, existe um orifício aproximadamente de cinco milímetros, de bordos enegrecidos, porém, ao redor do qual não se nota nenhum pontilhado negro.
Isto prova que o tiro que o produziu não foi disparado a pequena distância, como se verifica nos orifícios encontrados no dólman de Dinorah.
Ainda sobre o mesmo dólman de Dilermando, acima do bolso inferior do lado direito, e em ponto que deve corresponder à região crural ou inguinal, quando vestido, encontra-se outro orifício com os mesmos caracteres do precedente, tais como, bordos negros, forma circular, e diâmetro de cinco milímetros.
É o orifício de entrada do outro projétil que por aí penetrou.
Resta descrever o último orifício encontrado ainda nesse dólman e que está situado na folha interna, na extremidade da manga direita, na altura do punho.
Esse orifício tem o diâmetro também de cinco milímetros, os bordos irregulares, desfiados, não comburidos, mostrando que por aí passou um projétil de arma de fogo.
Do mesmo modo que o dólman, a camisa apresentada a exame, mostra-se manchada de sangue, no peito e na fralda, à direita. Essas manchas largas, extensas e de forma irregular, marginam os orifícios abaixo descritos.
Assim, no peito dessa camisa, um pouco à direita, em situação que deve corresponder às proximidades da articulação externo-clavicular, direita, quando vestida, nota-se um orifício circular, de bordos pouco regulares, tintos de sangue com o diâmetro de cinco milímetros e que representa o trajeto do projétil que penetrou no dólman, entre o primeiro e o segundo botão.
Do mesmo modo no centro da macha de sangue da fralda da camisa, localizada à direita, como já dissemos, existe outro orifício com os caracteres morfológicos do orifício precedente e que também não é mais que a passagem do projétil, que penetrou no dólman sobre o bolso direito, e cujo orifício já foi descrito.
A camisa examinada apresenta ainda um orifício que deve ser mais detidamente apreciado. Este está situado na extremidade inferior da manga direita, próximo ao punho. O seu diâmetro é ainda o de cinco milímetros, verificado nos orifícios precedentemente estudados. A sua forma é circular, porém, o que lhe dá maior importância, é que o projétil que o produziu, foi disparado estando o cano da arma situado entre a manga da camisa e o braço.
Este fato é bem patente, porquanto, além dos bordos deste orifício serem mais negros do lado da face interna da manga, verifica-se ainda que nessa face e ao redor do orifício, existe uma mancha negra extensa, produzida pela deflagração da pólvora no momento do disparo da arma.
Este orifício está em correspondência com o orifício descrito, na manga do dólman, tendo ambos sido produzidos por um só projétil.
Descrevendo os orifícios e outros sinais encontrados no dólman de Dilermando, propositalmente deixamos de nos referir a uma pequena mossa encontrada nesse dólman, para analisá-la agora.
De fato, notam-se próximo ao quinto botão desse dólman, quatro centímetros para a direita, uma pequena mossa de forma aproximadamente elítica de cor cinzento-escura e que à inspeção visual nos dá a impressão morfológica de um projétil.
Ora, essa mossa, provavelmente foi o ponto terminal do trajeto percorrido por um projétil, que tendo penetrado pelo orifício descrito, na face interna da manga direita da camisa, atravessou em seguida a manga direita do mesmo dólman, no ponto também já descrito, vindo ter sobre o ponto onde se nota a aludida mossa e que deve corresponder mais ou menos, à décima costela direita de Dilermando quando vestido.
Esse projétil deixou de penetrar por não ter força suficiente, produzindo no dólman a mossa e em Dilermando a equimose descrita no auto de corpo de delito a que foi submetido.
Conclui-se daí que o braço direito de Dilermando, no momento de ser atingido por esse projétil estava em posição perpendicular ou aproximadamente perpendicular ao eixo do corpo.
Nada mais sendo verificado que mereça no caso especial atenção, respondem os peritos aos quesitos propostos do modo seguinte:
Dólman de Dinorah:
1º quesito – Existem vestígios por projétil de arma de fogo no dólman branco apresentado a exame?
Resposta – Sim.
2º – Quantos e quais são?
Resposta – Os orifícios, manchas de sangue e pontilhados negros de pólvora em combustão descritos no laudo.
3º – Pelos orifícios destes vestígios podem os peritos determinar o calibre da arma usada?
Resposta – Sim, 5 milímetros.
4º – Os orifícios encontrados no dólman coincidem com o projétil apresentado?
Resposta – Sim.
5º – O chamuscado que se vê na manga do dólman, braço esquerdo, foi feito por arma de fogo?
Resposta – Sim.
Roupas de Dilermando:
1º – Existem vestígios por projétil de arma de fogo na camisa e no dólman apresentados?
Resposta – Sim.
2º – Quantos e quais são?
Resposta – As manchas de sangue, vestígios de pólvora combusta e orifícios produzidos por projéteis de arma de fogo descritos no laudo.
3º – Pelos orifícios encontrados podem os peritos determinar o calibre da arma de fogo usada?
Resposta – Sim, 5 milímetros.
4º – Esses orifícios coincidem com o projétil apresentado?
Resposta – Sim.
5º – O chamuscado que se vê no punho da camisa, parte interna, foi feito por arma de fogo?
Resposta – Sim.
6º – Em que posição devia estar o braço, de forma a poder o punho da camisa, parte interna, ser chamuscado por arma de fogo?
Resposta – Em posição aproximadamente horizontal.
7º – Por essa posição podem determinar se o projétil que perfurou os punhos da camisa e dólman é o mesmo que causou a mossa junta ao quinto botão do mesmo dólman?
Resposta – Atendendo-se à situação dos orifícios encontrados na manga da camisa e dólman, e mossa do dólman, provavelmente o projétil foi o mesmo.
8º – A mossa que se nota na altura do quinto botão do dólman kaki, corresponde à equimose superficial descrita pelo exame do corpo de delito, na décima costela?
Resposta – Sim.
Com estas duas peças e o exame das armas, e as fotografias de roupas e diversos pontos do local do crime, o Dr. Oliveira Alcântara encerrou ontem o inquérito sobre o estúpido crime da Estrada Real de Santa Cruz.
Do exame das armas verificam-se dois revólveres Schimth and Wesson.
Um é de alta precisão, calibre 38, pertencente a Dilermando.
Esta arma pode matar um homem a 500 metros de distância.
O outro, calibre 22, é uma arma pequena, do último formato do aludido fabricante. Pertencia ao Dr. Euclydes da Cunha. As balas dessa são de pequeno alcance, extraordinariamente inferiores às balas da arma de Dilermando.
As fotografias tiradas pelo Gabinete de Identificação, e que farão parte do processo, são trabalhos verdadeiramente primorosos, pela nitidez e clareza.

Um Atlas do Brasil

ÚLTIMO TRABALHO DO DR. EUCLYDES DA CUNHA

A geografia brasileira (19 parágrafos) descri

N. da R. – O nosso malogrado colaborador suspendera o seu artigo exatamente aí, na segunda sílaba da palavra descrição.
Descri… Realmente a tragédia do dia 15 veio provar que ele descrera, sendo até possível que o termo assim cortado ao meio coincidisse com o seu estado d’alma na ocasião. Aquelas cinco letras foram talvez as últimas escritas por aquela pena privilegiada.
Na notícia do assassinato, dissemos haver dias antes rogado ao notável engenheiro que se incumbisse do juízo crítico do Atlas do Brasil, edição da Livraria Briguiet.
A família achou entre os papéis do infortunado cientista e literato o artigo interrompido.
Devemos à gentileza de nosso amável colega Sr. Teotônio de Oliveira, diretor proprietário do interessante hebdomadário Copacabana, a fortuna de poder publicar hoje essa derradeira produção do estilista incomparável, cujo assassinato covarde revoltou as almas bem formadas e encheu de pesar intenso o coração brasileiro.

Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 11 de Setembro de 1909

GAZETILHA

Assassinato do Dr. Euclydes da Cunha

Os autos do processo relativos ao crime da Estrada Real de Santa Cruz, de que foi vítima o malogrado escritor Euclydes da Cunha, foram ontem enviados ao Sr. Dr. Costa Ribeiro, Juiz da 13ª Pretoria, juntamente com o relatório da autoridade policial incumbida do inquérito.
Esta peça, que eleva a 140 o número de folhas dos autos, está redigida com grande sobriedade, notando-se mesmo da parte do seu autor a preocupação de fugir a qualquer divagação de cunho literário.
É um trabalho simples, mas conciso, fruto de um grande esforço inteligentemente aplicado.
As provas da criminalidade de Dilermando de Assis são restabelecidas e demonstradas com clareza e com rigor jurídico.
Para chegar a esse resultado, o Delegado Dr. Oliveira Alcântara, não precisou de entrar em particularidades da vida do criminoso, o que, aliás, não seria de todo despido de interesse, visto que era preciso que ficasse bem desenhado o caráter desse moço.
Entre estas particularidades há uma farta messe de precedentes que de sorte alguma recomendam Dilermando de Assis como um homem escrupuloso.
É certo que os alunos da Escola de Artilharia e Engenharia do Realengo preparam-se para, em tempo oportuno, contestar essa pretensa primazia que Dilermando alega ter alcançado entre os companheiros de estudos.
Esta oca fatuidade encontrou, no seio da Escola, uma justa e nobre repulsa, que se traduzirá brevemente em uma carta, assinada por grande número de oficiais e aspirantes do Exército.
Sobre Dilermando já pesava grande número de acusações desairosas e agora se vê ele a braços com a justiça e em um caso da maior gravidade.
Além disso sabe-se, na Escola, que Dilermando já se achou envolvido em um processo, por se ter apoderado indevidamente de uma panóplia de armas pertencente ao Governo. Estes objetos foram apreendidos em seu poder, no Rio Grande do Sul.
Outra acusação de natureza, entretanto, muito mais grave é aquela em que Dilermando aparece como desviador do dinheiro pertencente à caixa do Urso, pequeno e próspero jornal, escrito e editado pelos alunos da Escola Tática do Realengo.
São fatos estes que chegaram ao conhecimento da polícia, mas que, entretanto, não lhe competia apurar no momento, por que definitivamente nada tinham que ver com o caso presente.
O relatório a que aludimos, damos em seguida, na íntegra:
“Às doze horas mais ou menos, do dia quinze de Agosto, próximo passado, chegou ao conhecimento desta Delegacia que, na casa número duzentos e quatorze da Estrada Real de Santa Cruz, havia sido assassinado o Dr. Euclydes da Cunha pelos aspirantes a oficiais do Exército e da Marinha, respectivamente, Dilermando Cândido de Assis e Dinorah Cândido de Assis.
Sobre tão lamentável notícia foi imediatamente instaurado o presente inquérito para que se apurassem as responsabilidades criminais que no caso coubessem e elucidadas as peripécias dessa lutuosa ocorrência.
Atendendo às providências que urgiam ser tomadas, fiz-me acompanhar do escrivão e diversos funcionários da delegacia ao local do crime, onde encontrei o cadáver do Dr. Euclydes da Cunha sobre uma cama, cuja fotografia foi junta a estes autos.
Na mesma casa já referida achavam-se D. Anna Solon da Cunha, o menor Solon da Cunha, a doméstica Anna de Almeida Lima e os aspirantes Dilermando e Dinorah Cândido de Assis que, interrogados, prestaram as declarações de fls. 3 a 6 v.
Perfunctoriamente analisadas essas declarações, vi que Dilermando nelas procurou insinuar que agira em legítima defesa, mas tendo afirmado que “motivos íntimos” tinham determinado o conflito e impondo-se ao meu espírito a coincidência de encontrar-se no local do crime a mulher do morto, logo se me afigurou que tais “motivos íntimos” e a “estadia ali da referida senhora” constituíam um só dos elos causais dos antecedentes, e procurando averiguar estes antecedentes encontrei a primeira das falsidades contidas nas declarações do agente direto do crime, isto é: que a esposa do morto não tinha chegado no momento, mas – ao contrário – já ali estava quando teve início a luta.
Esta primeira falsidade foi o fio para reconstrução da cena criminosa e verificação dos antecedentes que a determinaram. Busquei então, calmamente, indagar desde quando e porque D. Anna Cunha encontrava-se em casa do aspirante Dilermando e apurei que – já tendo relações amorosas anteriores com este – que determinavam a desordem no lar do extinto homem de letras – na quinta-feira, doze, saíra do seu domicílio conjugal pelas três horas da tarde em companhia de Dinorah, dizendo ir procurar casa maior para mudar-se com a família afim de hospedar seu sogro que vinha enfermo do interior. No entanto, fora à casa de Dilermando, de onde só pelas dez horas da noite se retirou, indo para casa de sua mãe no Campo de S. Cristóvão, onde pernoitou. Na sexta-feira, treze, D. Anna saiu de casa de sua mãe sem chapéu, tendo ido ao Ginásio Nacional visitar o menino Euclydes, de onde voltou pelas duas horas da tarde à casa de sua mãe. Aí tomou o chapéu e levando o menino Lulu disse a D. Augusta Solon que ia para o domicílio conjugal em Copacabana, o que, no entanto não fez, pois conforme se verificou no inquérito, na sexta-feira de manhã tendo ela prometido a seu marido ir para Copacabana, este, no sábado foi à casa da viúva Solon procurá-la, sendo informado que – na véspera pelas duas horas, D. Anna saíra dizendo ir para casa. Entretanto ela se havia logo dirigido para casa de Dilermando, onde pernoitou de sexta – treze – para sábado – quatorze – e de sábado – quatorze – para domingo – quinze – em companhia de Lulu, desde treze e de Solon desde quatorze.
Certo destes antecedentes, tive a evidência de que D. Anna, Dilermando, Dinorah e Solon estavam na intimidade das relações adulterinas entre Dilermando e D. Anna Cunha, e formavam em torno do esposo ultrajado um cordão vigilante e protetor que o isolasse e impedisse de defender sua honra, tanto que sua esposa, Dinorah, Solon e o cúmplice adulterino iam em concurso e a pretexto de rendez-vouz com D.D. Angélica e Lucinda Ratto saber do estado d’alma do Dr. Euclydes, tendo Dinorah chegado mesmo a ir para esse fim até Copacabana, de onde voltou dizendo a Dilermando e D. Anna que o “Euclydes estava muito exaltado e disposto a resolver a questão pondo tudo em pratos limpos”.
Desta certeza à de que, estando todos em segura solidariedade no ataque à honra do malogrado Dr. Euclydes da Cunha, decorria a convicção ou pelo menos forte presunção de que – dado um previsto conflito entre o sedutor e o ultrajado – todos se reuniriam e entre si se auxiliariam contra ele. Nesse sentido aprofundei as minhas pesquisas, esclarecendo a parte que cada qual dos personagens tomara no fato criminoso, e apurei então que a luta se teria travado conseqüente à certeza súbita que tivera o Dr. Euclydes de que sua mulher adulterava e à selvagem brutalidade de Dilermando e Dinorah que não quiseram evitar o conflito.
De que Dilermando era de há muito o cúmplice adulterino de D. Anna Cunha há no inquérito farta prova: é ele Dilermando quem diz que “motivos íntimos” determinaram a luta; que D. Anna pernoitara em sua casa desde sexta-feira até o domingo em que se travou a luta e declara ainda que não obstante ser o Dr. Euclydes seu desafeto, queria recebê-lo em casa para expor-lhe a “verdade”; é D. Anna quem declara que “sendo maltratada por seu marido e sendo Dilermando o único responsável por esse estado de coisas fora para casa deste, deliberada a ficar lá com ele, pois era ele quem devia assumir as conseqüências de seus atos” e lá ficara definitivamente com ele que, “sempre lhe correspondia com grande afeto e carinho”; é D. Angélica que revela ter lido uma carta em que Dilermando pede o pagamento de uma conta atrasada, confessando nesse momento D. Anna a paixão que tinha por Dilermando; é Solon quem afirma que vindo de casa de seu pai, onde houvera forte discussão, encontrou sua mãe em casa de Dilermando, só com este, na sala; é Anna de Almeida Lima ex-criada do Dr. Euclydes e de D. Anna Cunha, e por esta retirada da Santa Casa e dada a Dilermando, quem diz que de sexta-feira a domingo D. Anna Cunha estava em casa de Dilermando e que há muito tempo era hábito de D. Anna passar dias com seus sobrinhos Dilermando e Dinorah; são D. Anna de Almeida e Dinorah que narram a viagem feita por Dilermando e D. Anna a São Paulo, juntos, com dinheiro do morto; e outros indícios veementes, irrecusáveis, seguros, como a apreensão de roupas pertencentes a D. Anna, na casa de Dilermando, os autos de reconhecimento e entrega que deixam evidentes que D. Anna e Dilermando eram amantes de data remota. De que ela e seu amante sabiam que para o Dr. Euclydes Cunha a suspeita ia gradativamente encontrando os elementos da prova circunstancial que no espírito do emérito professor de lógica se iam concatenando, de ordem a formar a certeza, não resta o menor resquício de dúvida: – dada a constante desinteligência entre o extinto e D. Anna, tinham eles discutido com a desusada veemência de que dão notícia os amplos de dizeres de D. D. Angélica e Lucinda Ratto, Solon, Dinorah e D. Anna; a irritação de que tinham todos notícia era no espírito do Dr. Euclydes tanta que Dinorah tendo ido espreitar, como sentinela avançada do adultério, a casa do desonrado, de lá voltou desaconselhando D. Anna a regressar – “tal o estado de exaltação em que estava o extinto”. Tal era o sobressalto, que estavam prevenidos de portas fechadas, quando Dinorah levanta-se da mesa, onde a adúltera e seu filho tomavam café com o cúmplice adulterino e “sem nada dizer” ia verificar a porta, donde voltava dizendo que o Dr. Euclydes aí estava; eles o esperavam, tal a certeza de que ele procuraria os filhos e a esposa e de que só ali procuraria, já que só contra Dilermando lhe eram as suspeitas. Tudo nos autos revela que arreceiados esperavam ali o Dr. Euclydes e sabiam que ele dissera no sábado que no domingo “punha tudo em pratos limpos”.
Esperavam-no, portanto, os sinistros personagens que figuram no crime de assassinato da Estrada Real de Santa Cruz. De que eles temiam da chegada do Dr. Euclydes; que estavam prevenidos de que ele viria fatalmente, há forte indicação nos autos, mas a vigilância de Dinorah textifica-a completamente.
Chegado ele, a comparticipação solidária de todos na tragédia que se vinha desenrolando se evidencia: – Dilermando, maneiroso e galante, insinuando o que se ia passar, não lhe vai ao encontro logo e nem o evita; ordena a Dinorah que o faça entrar para a sala de visitas e vai vestir uma túnica… vêde este traço característico: – Dilermando está com D. Anna à mesa – íntimo, sem túnica, em mangas de camisa, mas para receber o marido desta vai vestir-se… é que ele sabia que a cena seguinte seria solene.
Dinorah vai ao encontro do Dr. Euclydes, fá-lo entrar para a sala; vendo-o exacerbado, discutem, mas cauteloso vai impelindo a vítima para o fundo da sala, próximo à porta do corredor à vista do quarto de Dilermando, ficando ele Dinorah ao centro da sala, tendo a vítima entre ele e o irmão. Aí culmina a tragédia, Dinorah e Euclydes dialogam em frases lacônicas, e aí, diz Dilermando, o Dr. Euclydes avança para a porta do quarto em que ele estava fechado, arromba-a e alveja-o. Esta declaração é falsa: como ia o Dr. Euclydes adivinhar que aquele aposento era um quarto – se ele não sabia da distribuição dos aposentos da casa, nem qual o quarto de Dilermando e nem mesmo, momentos antes, em que casa este morava? Como, por que percepção milagrosa, sem ciência anterior, iria ele acertar com o quarto do sedutor e com tanta certeza e segurança que fosse logo arrombando a porta e alvejando?
É evidente que qualquer fato bastante impressivo manifestou ao Dr. Euclydes que ali estava o seu ultrajador e este fato sai claro das circunstâncias: Dilermando de dentro do quarto que tinha fechado com o trinco, logo que percebeu que o trabalho de Dinorah estava feito, deu o primeiro tiro que é figurado no esquema junto pela seta 3-3’, ferindo o Dr. Euclydes no “dorso à direita na parte inferior da região costal” (auto de autópsia), tendo a bala anteriormente varado a porta, conforme a figura que foi levantada paralelamente ao exame de corpo de delito.
De que este foi o primeiro tiro e que foi disparado por Dilermando fazem certeza: a) que Solon depõe que o primeiro tiro ouvido foi “o de uma detonação mais forte”. Ora, o revólver de Dilermando era um “Smith and Wesson” de campanha, calibre 38 – ao passo que o do Dr. Euclydes era de calibre 22, de muito menor sonoridade – conforme o laudo dos peritos; b) a direção em que a bala do revólver calibre 38, de dentro para fora, atravessou a porta do quarto de Dilermando deixando o vestígio na parede da sala – justamente no local em que Dinorah previamente colocara Euclydes; c) a forma do ferimento descrito no auto de autópsia “dorso à direita” justamente o lado oferecido a Dilermando, quando Euclydes e Dinorah monologavam na sala.
Deste modo ao Dr. Euclydes, o que indicou o ponto em que estava Dilermando, foi o disparo da arma deste que o veio ferir, mostrando-lhe de onde partia e impondo-lhe a precisão de rapidamente entrar no aposento para não continuar a ser alvejado por trás da antepara.
O que sai, no entanto, dos monumenta delicti, e que, conforme diz Solon, o primeiro tiro foi o de grosso calibre e detonação mais forte do revólver de Dilermando. Alvejada a vítima – já aberta a porta do quarto o Dr. Euclydes tendo tirado do bolso o revólver disparou duas vezes conforme diz Solon que ouviu depois da detonação forte duas fracas. Neste ponto Dinorah acomete ao Dr. Euclydes, cujos movimentos confessa ter procurado tolher, prendendo-o por um braço junto ao ombro e pelo outro no antebraço.
Era a continuação do tramado pelos dois homicidas: enquanto Dinorah prenderia os movimentos ao Dr. Euclydes o irmão impunemente o alvejaria em ordem a pô-lo fora de combate; mas, o destino não quis que assim fosse totalmente, pois, Dinorah, tendo ficado entre o Dr. Euclydes e Dilermando este não pôde alvejar convenientemente a vítima.
Ao contrário, esta, mal segura por Dinorah, com o braço direito meio livre, deu-lhe um tiro que, passando pela parte superior do braço esquerdo de Dinorah, chamuscou-lhe a manga do dólman, e não tendo acertado este tiro, um outro veio, em seguida, passando na parte inferior do mesmo dólman, junto ao bolso, chamuscando-lhe também a fazenda.
Dinorah, então, apavorado, foge pelo corredor, indo procurar um revólver.
A este tempo, tendo Dinorah impelido na luta ao Dr. Euclydes para a posição 1’ – do esquema, Dilermando, sempre de dentro do quarto e por trás da porta, dá-lhe o tiro –
1-1’ – que parece não ter atingido o Dr. Euclydes, mas a bala foi encontrada na parede, no ponto – 1’ – entre a porta do quarto de Dilermando e a sala de jantar, em que Dinorah tinha deixado o Dr. Euclydes.
A vítima, já tendo detonado ineficazmente quase todas as balas de seu revólver (exame de corpo de delito), procurou retirar-se para a sala de visitas, na direção – 1-1’ – ao longo do corredor; mas, Dilermando, sempre de dentro do quarto, dá-lhe o tiro assinalado pelas marcas – 2-2’ – (mesma fig.), que fere ao Dr. Euclydes no punho e na mão direita (autópsia), tendo ficado a bala na parede do corredor, à altura de 50 centímetros, a medir de baixo para cima, o que se evidencia pela autópsia que descreve esse ferimento de cima para baixo e produzindo a ruptura dos tecidos do pulso para a face palmar da mão.
O Dr. Euclydes Cunha, já com esse ferimento, com o punho direito dilacerado, impossibilitado de agir, procurou retirar-se definitivamente da luta, em direção à sala de visitas, quando recebeu ainda outro tiro, cuja bala, fraturando-lhe o húmero e fragmentando-lhe os ossos, foi encravar-se na fechadura da porta da sala de visitas (esquema, linha 4-4’).
A vítima foge, para, atravessando a sala, sair para o jardim; mas Dilermando persegue-a. Conseguindo, no entanto, o Dr. Euclydes sair no jardim, cerca de 3 metros, Dilermando, chegando à porta da sala que dá para esse jardim, dirigiu-se ao Dr. Euclydes, que se retirava, e dizendo-lhe “Espera, cachorro”, alvejou-o, e disparando o revólver, foi o tiro ferir a vítima na “região infra-clavicular direita”. O auto de autópsia confirma esta hipótese, pois, mostrando a direção desse tiro, de cima para baixo, combina plenamente com a vistoria reveladora da diferença de nível entre o ponto em que estava Dilermando – B – (no esquema) e Euclydes – A – na mesma figura que mostra que havendo entre o ponto em que estava o homicida – uma diferença de 0,75 acima do que estava a vítima – a inclinação é justamente uma linha com o declive de 30% que corresponde à linha formada pelo orifício de entrada do tiro e sua trajetória, no corpo da vítima (auto de autópsia).
Estes dois elementos estáveis de certeza vêm deixar indubitáveis os contestes de depoimentos de Henriqueta Medeiros de Araújo e Celina Fontainha Cabral, que viram Dilermando, da porta da sala de visitas alvejar e atirar contra o Dr. Euclydes Cunha que inerme caiu ferido de morte.
É ainda incisiva prova as incontestes declarações de Joaquim Vaz de Araújo, de Solon e Dinorah, que “viram Dilermando com o revólver a fumegar na soleira da porta da sala” e o Dr. Euclydes Cunha caído no solo do jardim.
Não se pode provar com os elementos fartamente acumulados nestes autos que tivesse havido um conluio anterior entre os irmãos Dinorah e Dilermando, para perpetrarem em conjunto, como premeditação caracterizada e dolo de propósito, o assassínio do desventurado Dr. Euclydes Cunha, mas, dos autos sai a indubitável certeza de que os dois estavam certos de que a hora havia soado em que o marido de D. Anna, certo de que esta abandonara o lar, para entregar-se com mais assiduidade e permanência aos carinhos de Dilermando, viria à casa deste senão disputar a posse da esposa, ao menos buscar seus filhos e longe de quererem evitar a cena dolorosa que podia degenerar, tomaram todas as precauções para que ela não tomasse feitio desfavorável ao aspirante Dilermando. Para isto, precavidamente, estando D. Anna na intimidade com Dilermando na sala de jantar, Dinorah levanta-se “sem nada dizer” e ia espreitar se algo de anormal havia, até que de uma feita, tendo ido à janela e vendo que o Dr. Euclydes se achava no portão veio avisar a Dilermando o que ocorria.
Mas o diligente avançada de Dilermando, que sabia que o Dr. Euclydes estava em grande exacerbação; que os filhos e a mulher roubada ao lar ali estavam, longe de evitar a pugna, dizendo que o irmão não estava ou conservando fechada a casa, resolveu facilitá-la, indo abrir o portão.
Dinorah é o cúmplice que cientemente dá o aviso ao irmão celerado, introduz por ordem de Dilermando, a vítima do guet-à-pens no lugar onde devia ser morta; leva-a para o ponto visível da porta do quarto em que está Dilermando – auguet; procura prender e tolher os movimentos de Euclydes da Cunha: – Dinorah incide, pelo menos, na sanção do art. 21, parágrafo 1º, do Código Penal, combinado com o art. 294, parágrafo 1º do mesmo Código, e como tal não pode deixar de ser responsabilizado.
Dilermando não quis também por forma alguma evitar o encontro. Feita a provocação ultrajante pela posse tida acintemente da mulher de seu ex-amigo, protetor e superior hierárquico, em cuja casa e sob o mesmo teto morou – manteve-a e argumentou-a – resolvendo defrontar o ofendido e “dizer-lhe a verdade”. Como quer, pois alegar derimente do art. 32 do Código Penal, se lhe falecem aos atos selvagens evitáveis todos os requisitos do artigo 34 – ns. 1, 2, 3 e 4?
Falha o segundo requisito, pois Dilermando podia ter facilmente impedido a ação, já que ele sabia da desonra que humilhava o Dr. Euclydes; não lhe era fácil conservar a casa fechada? Não lhe era azado retirar-se pelos fundos da casa, enquanto o Dr. Euclydes batia?
Não existe o do n. 1: – a agressão já não era atual, quando Dilermando matou o Dr. Euclydes. É o réu quem diz que – já quando o Dr. fugia pelo corredor e sala – tendo ele se irritado porque o Dr. alvejara Dinorah, “perseguiu-o na fuga a tiros de revólver”; e a autópsia revela que a causa-mortis foi o tiro intercostal que Dilermando confessa ter dado quando já não havia agressão, pois o Dr. Euclydes, com o pulso direito varado por uma bala e outro braço partido por outra bala, já era inofensivo e fugia pelo jardim; não era já atual a agressão, pois as duas testemunhas de vista narram que o Dr. Euclydes fugia pelo jardim, mas, ferido, quando Dilermando, com propósito homicida caracterizado, chegou à porta, injuriou-o – “Espera, cachorro” – e alvejou-o com o tiro que lhe levou a morte.
Foi ato desnecessário a defesa, ferocia inútil, que classifica o cruel matador entre os grandes criminosos de sangue que humilham a espécie.
Também não se completa o quarto requisito, pois Dilermando não só foi o provocador com o ultraje de seduzir a esposa à vítima, mas ainda o iniciador brutal e material da luta, conforme diz Solon, que o primeiro tiro, a detonação mais forte, partiu de Dilermando, que tudo havia disposto para matar o Dr. Euclydes Cunha.
Também não se cumpre o terceiro requisito, pois o tiro que enviou o matador já não era adequado meio para evitar mal maior, porquanto o assassinado “fugia pelo jardim” quando o assassino matou-o inutilmente. Incidiu inegavelmente na classificação penal do art. 294, parágrafo 1º, do Código Penal, pois praticou o assassinato com as agravantes dos parágrafos 4º, pelo reprovado motivo do crime; 5º, pela superioridade do seu revólver regulamentar, calibre 38, de campanha, sobre o de calibre 22, do adversário, superioridade procurada, porque Dilermando, possuindo dois revólveres – o de calibre 32, – que acompanha este inquérito, procurou o de calibre 38 por lhe ser maior o poder eficiente; 6º, o delinqüente, fraudulenta e estrategicamente, atirava o adversário por trás da porta, sempre oculto (corpo de delito); 7º, deu o primeiro tiro de dentro do quarto, quando o Dr. Euclydes não podia saber ainda que Dilermando estava naquele quarto; 8º, finalmente, o morto era superior hierárquico, como capitão do Exército.
Certo de que deixei a instrução criminal completa, reconstruindo o crime em todos os seus aspectos já pelo depoimento de testemunhas de vista já pelas provas diretas dos exames, plantas topográficas, fotografias e mais elementos que levam ao julgador a certeza natural, as provas monumentais e miúdas do delito, penso que ficou edificada a certeza do fato e a evidência da autoria dos indiciados e cuido cumprir um dever representando sobre a necessidade da prisão preventiva, pois, apesar de serem os indiciados aspirantes militares, revelaram em todo esse crime tal ausência de senso moral, que é de presumir se furtem à ação da Justiça.
Para documentar a insensibilidade moral, a ausência dos elementos que disciplinam os homens normais e lhes moderem a ação, basta lembrar que Dilermando, ao dar as suas primeiras declarações, procurou construir a hipótese de que o Dr. Euclydes Cunha, homem próximo da genialidade, era quase um demente, impulsivo e insano; e Dinorah, poucos dias após o evento, que abalou de surpresa e dor e piedade a cidade do Rio de Janeiro, ousava – insensível e risonho – comparecer a uma partida pública de foot-ball, de maillot e calção, jogando vivaz e alegre, com afronta aos sentimentos de piedade de uma sociedade inteira.
O M. M. Juiz da 13ª Pretoria, a quem mandou sejam remetidos estes autos, no entanto, resolverá em seu alto critério o que julgar legal e conveniente.”