Diário de marcha

Comissão Brasileira de Reconhecimento do Alto Purus

Diário da Marcha – desde a foz do Purus até às cabeceiras

Explicação:

Há três letras neste diário. A primeira é do engenheiro Manoel da Silva Leme, secretário, que acompanhou a comissão somente até às cercanias da Boca do Chandless.

A segunda, do engenheiro Arnaldo da Cunha, auxiliar técnico, que nos acompanhou até as cabeceiras e a quem encarregou de apontar os principais incidentes. A terceira é do alferes Sr. Carlos Cavalcante de Carvalho, subalterno da força, que transcreveu as notas do auxiliar, depois que este se demitiu, em Manaus.

O engenheiro Arnaldo passou a limpo suas notas, em Manaus, precisamente na ocasião em que se romperam as nossas relações, por divergências em assuntos de serviço.

Escreveu-as até a saída do vapor em que seguiu para a Bahia.

Julgo esta circunstância digna de nota. Nada se alterara, como é fácil verificar, do que ele escreveu.

A mesma página do diário, escrita pelo engenheiro Leme, foi interrompida por dois motivos: primeiro porque o encarregaram, durante a descida, de fazer uma estatística dos lugares alcançados; segundo porque em Manaus, teve que atender à cópia do Relatório.

Faleceu antes de terminar este, deixando o diário incompleto.

Mas esta última página tem o altíssimo valor, de mais uma vez, esclarecer o incidente de Maniche, a que tantas vezes me referi.

Rio 20-02-905
Euclides da Cunha

Registro diário dos acontecimentos desde que partimos de Manaus

Bordo da Lancha nº 4 da Marinha Nacional

A Comissão Brasileira de Reconhecimento do Alto Purus partiu de Manaus juntamente com a Peruana no dia 05 de abril de 1905 às 7 horas da tarde; pois compunha-se das seguintes embarcações: Lancha “Cunha Gomes”, Batelão “Manoel Urbano” e a Lancha nº 4 da Marinha Nacional.

A Comissão Peruana levava apenas uma embarcação que era a lancha de guerra denominada “Cahuapanas” a bordo da qual iam todos os seus membros. Às 9 horas, mais ou menos, da noite ancoramos na enseada de Marapatá ao lado da “Cahuapanas”.

A 1h e 30min da noite, o 1º Tenente da Armada Henrique Aristides Guilherme, ajudante substituto da Comissão Brasileira de Reconhecimento do Alto Juruá, veio na Lancha “Faceira”, pertencente a mesma comissão, conferenciar reservadamente com o Dr. Euclides da Cunha, Chefe da Comissão de Reconhecimento do Alto Purus, que se achava a bordo da lancha nº 4 da Marinha Nacional; terminada a conferência, o 1º Tenente Guilherme voltou para Manaus às 4h e 30min da manhã do dia 6.

Após a partida do 1º Tenente Guilherme, a nossa lancha, nº 4, deu sinal de partida; as duas Comissões Mistas Brasileiro-Peruanas levantaram ferro e partiram em demanda do Purus.

A tripulação da nossa flotilha ficou assim distribuída:

A bordo da lancha nº 4 iam o chefe Dr. Euclides da Cunha e o seu secretário Dr. Manoel da Leme; esta lancha era guarnecida exclusivamente por pessoal da Marinha a saber: 2 maquinistas, 5 foguistas, um cabo e 2 marinheiros.

A Cunha Gomes levava a reboque um batelão denominado “Manoel Urbano” em cujo bordo iam os outros membros da Comissão a saber: 1º Tenente do Exército – Alexandre Argollo Mendes – ajudante
substituto; Dr. Arnaldo P. Cunha – auxiliar-técnico; Dr. Thomaz Catunda – médico; Rodolfo N. Pereira – encarregado do material; 20 praças do 36º Batalhão de Infantaria comandados pelo Alferes Francisco Lemos tendo como subalterno o Alferes Antônio C. Cavalcanti de Carvalho.

A “Cunha Gomes” tinha como comandante o Sr. Arthur de Caldas Brito, 2 maquinistas, 3 foguistas, 1 mestre, 1 marinheiro e 1 cozinheiro.

Dia 6 de abril

Viajamos dia e noite sem incidente algum, chegamos a noitinha em Arapatá onde fizemos provisão de lenha e tartarugas.

Dia 7 de abril

Passamos em frente a Manacapurú às 8 da manhã; desatracamos da “Cunha Gomes” e nos atrasamos muito devido a lenha que não dava pressão suficiente para navegarmos depressa. Alcançamos ao meio dia a “Cunha Gomes”, atracamos para almoçarmos. Navegamos o resto do dia e a noite, juntos, sem novidade.

Dia 8 de abril

Navegamos sem nenhum incidente dia e noite, apenas paramos algumas vezes por falta de pressão.

Dia 9 de abril

Entramos na Foz do Purus às 7 horas da manhã. Começamos ali o levantamento hidrográfico depois de termos lavrado uma ata, na qual os dois comissários, brasileiro e peruano, combinaram a maneira e o método que haviam de empregar até o fim desta expedição. Ficou assentado que o levantamento só se faria durante o dia.

Paramos em Beruri 4 horas mais ou menos para tomarmos lenha.

Dia 10 de abril

Andaram as três embarcações atreladas a meia marcha. A lancha peruana “Cahuapanas”, ora nos seguia a retaguarda, ora nos ladeava forçando ou contendo a sua velocidade que é muitíssimo superior à nossa. A noite devido a cerração fechada, o nosso prático, ou por descuido ou por estar dormindo, virou a proa e lá fomos rio abaixo atrasando-nos umas 15 horas.

Paramos em Paricatuba a 1 hora da tarde para tomarmos lenha.

Dia 11 de abril

Navegamos o dia inteiro à meia marcha, às 6h e 30min aportamos em “Arumã”, onde tomamos lenha, encontramos a lancha peruana que há muito estava à nossa espera.

Dia 12 de abril

Navegamos noite e dia sem incidente. Aportamos às 6h e 30min em “Santa Luzia” para tomarmos lenha, às 10h continuamos a nossa viagem. Tiramos umas vistas fotográficas das embarcações peruanas e brasileiras. O Dr. Euclides presentou Dr. Buenaño com um serelepe. Continua a mesma monotonia a bordo. As paisagens se sucedem sem contudo variarem.

Dia 13 de abril

Paramos às 6h e 30m para tomarmos lenha em Bacuri digo Boa Vista de Bacuri em frente ao igarapé das Tabocas. Esta coisa acha-se situada na praia do Marrecão, à margem direita do Purus, todos os seus moradores são cearenses. Às 2h e 30min da madrugada atracamos no Tracuá, contratamos o reboque do batelão “Manoel Urbano” por oito contos de réis, a vista, até a boca do Acre.

Foram no batelão: o Tenente Argollo, Catunda, Lemos, Cavalcanti, Cel. Nunes e 15 praças. O Arnaldo passou a viajar conosco na lanchinha nº 4 para fazermos o levantamento hidrográfico.

Dia 14 de abril

Às 4h e 30min da manhã começamos a navegar atracados à “Cunha Gomes”, adquirimos muito mais velocidade depois que o batelão deixou de ir a reboque. Aportamos em Campinas às 10h e 30min para tomarmos lenha. Continuamos a fazer uma boa marcha, saímos a 1 hora da tarde.

Dia 15 de abril

Continuamos a viajar com uma velocidade regular variando a marcha entre 4 e 4 ½ milhas por hora. Na madrugada de 14 para 15 aportamos no sítio denominado “Elba” para tomarmos lenha. Às 7h e 30min da manhã chegamos à “Boa Vista” onde paramos para o mesmo fim. O 1º maquinista Sr. Cardoso pediu ao chefe para regressar em vista da pouca harmonia que existia, lá entre eles, à bordo, ficou combinado que no 1º porto ele regressaria. À 1h da tarde passamos em frente à “Tauá-Mirim”. As 2h20min aportamos no Laranjal para tomarmos lenha, saímos as 4h e 50min da tarde.

Dia 16 de abril

Na madrugada de 15 para 16 o Leme foi fazer quarto a bordo das 5 às 6 da manhã. Às 4h30min passamos em frente à “Pinaubas” e às 5h15min em frente a “Andarahy”. Às 7h30min passamos em frente a “Guajaratubinha”. Aportamos para tomarmos lenha, aí já se achava a “Cahuapana” a nossa espera. As 1h15min passamos em frente a Itatuba. Navegamos o resto do dia sem incidente.

Dia 17 de abril

Navegamos a noite toda a meia marcha, às 5h da madrugada o Arnaldo foi fazer quarto a bordo. Às 2h da tarde passamos em frente a “Santa Rosa”. Hoje um marinheiro não quis obedecer as ordens do comandante Caldas Brito, foi para o porão e lá ‘graumou’ duas horas. Continua a mesma monotonia de bordo. Continuamos a viajar sem novidade.

Dia 18 de abril

Navegamos todo dia a boa marcha, chegamos à “Bela Olinda”, situada a margem esquerda do Purus, ao meio dia, ali já se achava a “Cahuapana” a nossa espera. Um soldado se insubordinou contra o 1º maquinista Jacques Reissuam, da lancha “Cunha Gomes”, graumou no porão umas 3 horas. Na madrugada de 17 para 18 o Leme foi fazer quarto a bordo de 3 às 6h da manhã e das 7 às 10h na bússola. Às 5h da tarde passamos ou melhor tocamos um “Prepi” para tomarmos lenha.

Dia 19 de abril

Navegamos regularmente toda noite, às 8 da manhã aportamos em “Porto Alegre” a fim de tomarmos lenha, ali encalhamos umas 5 horas à margem direita do Purus. Após o encalhe partimos e tivemos boa marcha.

Dia 20 de abril

Encalhamos em “S. Francisco de Assis” às 5h30min da tarde durante uns 15 a 20 minutos, ali nos munimos de lenha. Passamos em frente a Canutama à 1h55min da tarde. O resto do dia e a noite tivemos uma boa viagem.

Dia 21 de abril

Navegamos durante todo o dia sem incidente algum. Às 11h da manhã passamos em frente a “Santa Cora”; tomamos mil e quinhentos achas de lenha em “Santo Antônio de Apituau”; passamos em “Açaituba” às 6h e 30m da tarde; em “Curusú” tomamos mais lenha.

Dia 22 de abril

Navegamos a noite regularmente, às 9h da manhã chegamos à Lábrea, ali remetemos 2 ofícios, um para o Barão do Rio Branco e outro para o Visconde de Cabo Frio. À 1h só aportamos em “São Luís de Cassianã para tomarmos lenha. Às 5h30min da tarde houve um pugilato entre o 1º maquinista Jacques Reissuam e o prático Camilo Berger, o chefe interveio, usou de toda energia e resolveu deixar o 1º no primeiro porto, depois de pagar todas as suas contas”.

Dia 23 de abril

Navegamos a noite toda sem novidade. Às 5h30min da manhã aportamos no sítio denominado “Trombetas” para tomarmos lenha, ali ficou o 1º maquinista Jacques Reissuam. Às 10h da manhã avistamos o Taracuá e o nosso batelão, em Maraã, aportamos; soubemos que o dito navio estava fazendo água pela proa devido a um pau que o furou. Ficou acertado que o batelão sairia noutro dia rebocado pelo mesmo vapor ou por outro que aceitasse reboque. Zarpamos às 11h, e navegamos o resto do dia e à noite sem incidente.

Dia 24 de abril

Depois que deixamos o batelão passou a morar conosco na lancha nº 4 da marinha nacional o Alferes Cavalcanti. Aportamos em “Sebastopol” para tomarmos lenha as 5h30min da manhã saímos às 8h30min. É a situação ou seringal mais bem tratado que temos visto até agora; boa casa de morada, de palha, porém com as arestas todas da cobertura tomadas a zinco, alpendre de zinco na frente (casa assobradada), quintal grande com várias árvores frutíferas. Na “Boca do Sepateui” tomamos 500 achas de lenha, em “Sta. Candida” onde aportamos mais ou menos às 10h tomamos de novo lenha, pouco abaixo deste ponto achava-se a “Cahuapana”, também tomando lenha; logo depois esta se fez ao largo, a noite encontramo-la e passamo-la. Continuamos a navegar sem incidentes.

Dia 25 de abril

Passamos em frente a “Igualdade” às 8h45min da manhã pouco abaixo da boca do lago Aciruã. Chegamos à cachoeira às 11h30min da manhã saímos às 4h55min da tarde, depois de termos tomado lenha. Aí encontramos o “Jurupatuba” o chefe arranjou com o comandante um barquinho para podermos ter a velocidade da nossa lancha; o mesmo comandante teve a gentileza de levar para Manaus um ofício para o capitão do porto, C. dos Santos Lara.

Dia 26 de abril

Navegamos a noite toda sem nenhum incidente; aportamos ao lugar denominado das “Gaivotas” a fim de lenharmos, saímos às 9h25min. Fizeram quarto a noite na bússola, das 6 às 10h da noite Arnaldo; das 10 às 2h Cavalcanti; das 2 às 6h da manhã Leme. Chegamos a “Realeza” às 10h30min da manhã para tomarmos lenha; partimos à 1h20min da tarde, às 11h30min da noite aportamos em “São Luís de Mamoriá” para tomarmos lenha, saímos às 4h30min. da madrugada do dia 27. Foi preso o marinheiro Leôncio, por ter lançado fora a barquinha.

Dia 27 de abril

Navegamos durante o dia sem nenhum incidente. Às 11h30min passamos em frente a “Catipari” ou Tiradentes; às 12hs fronteamos “Mitaripuá”. Aportamos em Humaitá às 4h10min para tomarmos lenha, saímos às 9h50min da noite; aí o Sr. Magalhães, proprietário do local, nos proporcionou umas boas horas de diversão, fazendo-nos ouvir um variado repertório de modinha em um zonofone.

Dia 28 de abril

Navegamos a noite toda sem incidente. Às 9h20min passamos em frente a “Seruri” onde se achava a Cahuapana tomando lenha. Aportamos em “Monte Alegre” para tomarmos lenha; passamos em frete a “Taçaquiri” às 12h25min e na boca do “Pauini” à 1h25min. Às 2h da tarde aportamos em Niterói a fim de tomarmos lenha, saímos às 4h; às 5h passamos em frente a “Curari”.

Dia 29 de abril

Navegamos a noite toda sem novidade. Às 9hs da manhã o Capitão Buenaño mandou um ofício ao nosso chefe comunicando-lhe ter sido nomeado chefe das duas comissões peruanas de reconhecimento dos rios Juruá e Purus. Imediatamente o nosso chefe respondeu seu ofício agradecendo a comunicação e dando os parabéns em seu nome e no dos seus companheiros de comissão.

Foi substituído o chefe da comissão de reconhecimento do Juruá (comandante Espinard) pelo comandante de “Cahuapana”, Sr. Numa Léou.

Acompanhou o ofício de D. Buenaño, um foto que o mesmo mandou ao nosso chefe. Passamos em frente a “Vitória” às 10h15min; aportamos em S. Bernardo às 5h para tomarmos lenha; saímos às 4h30min da tarde.

Dia 30 de abril

Navegamos toda a noite sem novidade. Às 5h da manhã aportamos em “Boa Hora” para tomarmos lenha. Às 8h5min passamos em frente a “Sto. Elias” (margem esquerda) às 3h40min da tarde passamos na foz do “Inauini”.

Às 4 horas aportamos em S. Pedro do Inauini para tomarmos lenha, saímos às 7h30min da noite. Em Niterói e neste porto uma quantidade enorme de grilos invadiu o nosso camarote, nos incomodando bastante.

1° de Maio

Chegamos à “Conceição do Desterro” às 8h da manhã para tomarmos lenha, saímos às 10h. Da meia noite às 4h30min da manhã estivemos ancorados, as lanchas garraram uma meia légua seguramente; passamos em frente à “Monte Verde” às 6h40min da tarde. Tivemos que parar um bom tempo por não poder funcionar o injetor da lancha nº 4 cuja válvula um foguista pôs fora. Às 8h20min da noite passamos em frente ao sitio denominado “Inferno”. Chegamos à Boca do Acre às 10h da noite.

Dia 5 de maio

Saímos da Boca do Acre no dia 5 às 2h da tarde, até este ponto o estado sanitário a bordo foi bom. Aí estivemos 4 dias a fim de se determinar a latitude e regularizar os cronômetros. Determinamos a velocidade, largura, temperatura e volume dos rios Acre e Purus a saber: Acre — velocidade absoluta 1,20 m; velocidade média 0,78. Velocidade do Purus, acima da Boca do Acre, 1,50 m. Não conseguimos avaliar a ‘despesa’ do Purus, devido a correnteza.

Temperatura do Purus antes da sua confluência com o Acre 26°, 1’ depois da confluência 25o,8’. A do Acre antes da sua confluência é de 24º, 5’, e a sua largura de 90 metros.

Organizou-se um plano de sinais para servir de meio de comunicação às embarcações. Ficou combinado que só navegaríamos durante o dia. Aí pediu a sua demissão o Arnaldo – auxiliar técnico – não foi aceita; o comandante Caldas Brito, este voltou, por divergências com o chefe, sendo o seu pedido aceito. Octávio, 2º maquinista, esteve com as malas fora da lancha e prestes a voltar; um foguista, o ‘caiaiguac’, este desertou. O Argolo brigou com o Cel. Nunes, pediu a sua demissão, porém depois, reconsiderou o seu ato. Continuamos a nossa viagem durante o dia sem incidentes, à noite paramos.

Dia 6 de maio

Começamos a navegar às 6h50min da manhã. Depois de uma hora mais ou menos de navegação uma montaria garrou, tivemos de voltar para pegá-la; baixou logo depois a pressão da nossa lancha (nº 4), paramos uns 20 minutos para levantá-la. Aportamos em “Camaragibe” para tomarmos lenha. Quando deixamos a Boca do Acre, a nossa lancha nº 4, desatracou da “Cunha Gomes” e começou a navegar sozinha. Chegamos a “Europa” à 1h da tarde para almoçarmos, aí nos esperavam a “Cunha Gomes” com o batelão e a “Cahuapanas”. Partimos às 2 h10min, depois de termos tomado lenha. Às 5h50min, paramos outra vez por falta de pressão, saímos às 6h e 10m, chegamos às 8h no lugar onde se achavam ancoradas as nossas embarcações e a peruana, pernoitamos.

Dia 7 de maio

Partimos às 5h55min da manhã, passamos em frente a “Independência” às 8 horas, aportamos em “Cametá” às 11h30min para tomarmos lenha; em Ponta Alegre às 4h15min, aí pernoitamos. Não houve incidente algum.

Dia 8 de maio

O Cap. Buenaño, propôs ao Dr. Euclides irmos a bordo da “Cahuapanas” a fim de andarmos mais e não perdermos o tempo próprio para navegação, em virtude da morosidade da marcha das nossas embarcações. O Dr. Euclides propôs, por sua vez, irmos atracados ao costado da “Cahuapanas”, porém de fogos acesos, não perturbando deste modo a marcha desta última. Em vista disto, ficou resolvido que a lancha nº 4 iria junto a “Cahuapanas” esperar a “Cunha Gomes” e o Batelão em Novo Destino. A bordo da lancha nº 4, se achavam os Drs. Euclides, Arnaldo e Leme. Desde que desatracamos da “Cunha Gomes” e encetamos a nossa viagem, passamos por várias barracas e não encontramos lenha; em Mamitiá às 10h e 55h não havia lenha. Tomamos 250 achas emprestados aos peruanos. Aportamos em “S. José” às 2h35min, aí encontramos lenha, pagamos a que tínhamos emprestado dos peruanos, saímos às 3h29min . Pernoitamos em “Ave Maria”.

Dia 9 de maio

Saímos às 5h55min da manhã, tivemos uma marcha média de 3 milhas por hora. Às 9h paramos para tomar lenha em “Vista Alegre”, haviam apenas 600 achas, foram divididos entre as duas lanchas; tivemos de lenhar, saímos às 2 horas. Hoje o soldado Sérgio foi lavar o filtro e deixou cair pelo rio abaixo as 12 únicas velas que possuíamos, do nosso filtro Pasteur. Ficamos sem água filtrada. Chegamos às 5h40min da tarde ao sítio “Moreira”, onde tomamos lenhas e pernoitamos.

Dia 10 de maio

Partimos às 5h52min em demanda do Iaco. Os peruanos nos obsequiaram com um filtro de carvão por termos perdido o nosso. Temos navegado durante o dia perfeitamente bem sem nenhum incidente, até a hora em que escrevo, 4h55min da tarde. Chegamos a S. Miguel às 6h, aí tomamos lenha e pernoitamos.

Dia 11 de maio

Saímos de S. Miguel às 5h57min da manhã; passamos em frente a Sta. Tereza às 7h6min, às 10h40m passamos de fronte de “Campo Grande”. Às 12h50min encontramos com o “Neptuno” que vinha do Iaco. Chegamos à boca do Iaco às 5h20min. Às 4h o comandante Buenaño estava de sextante em punho, observando o sol. Os Drs. Euclides e Arnaldo saíram em montaria a fim de percorrerem um trecho do Iaco, levaram bússola, balizas, trena, teodolito e termômetro para determinarem a velocidade, despesa e temperatura.

Horas depois fui com a lanchinha nº 4 para o posto fiscal Sto. Apolônio distante da Boca do Iaco uns 800 metros mais ou menos, aí se achavam os Drs. Euclides e Arnaldo. Jantamos.

Dia 12 de maio

Pernoitamos na boca do Iaco. Às 8h da manhã, fomos com o comandante Buenaño dar um passeio pelo Iaco na nossa lanchinha, regressamos às 9h15min. Depois o almoço o Arnaldo e eu fomos determinar a velocidade, despesa, e temperatura do Purus pouco acima da confluência deste com o Iaco. Nas várias tentativas que fizemos para tomarmos a largura e consequentemente obtermos a secção do rio, partiu-se a corda que se achava ligada à trena, e lá se foi esta ao fundo. À noite o Dr. Euclides e o Comandante Buenaño estiveram observando estrelas para a determinação de latitude.

Dia 13 de maio

Partimos da boca do Iaco às 5h55min da manhã. Passamos já por vários lugares a saber: Campinas, São Francisco, Sta. Maria; às 12h40min passamos defronte de Descanso Novo. Até esta data os peruanos continuam a ser bastante gentis para conosco, e nós correspondemos à essas gentilezas do melhor modo que podemos. Às 6h da tarde chegamos a “Silêncio de Cima” onde pernoitamos. Fato singular, não havia absolutamente carapanãs neste ponto de modo que passamos uma bela noite.

Dia 14 de maio

Partimos de ‘Silêncio de Cima’ às 5h57min da manhã, pouco adiante desta situação paramos para tomar lenha. Navegamos o dia todo sem nenhum incidente. Às 6h da tarde chegamos à Aliança e aí pernoitamos. À noite o chefe e o comandante Buenaño foram observar o céu. Passamos também neste ponto uma esplêndida noite devido a ausência completa de carapanãs.

Dia 15 de maio

Partimos de Aliança, margem direita, às 6h da manhã. As madrugadas de ontem e hoje foram bastante frias. Paramos às 8h30min em Cumarú para tomarmos lenha. Passamos defronte de Boa Vista às 11h55min.

Ao meio dia e um quarto paramos por causa de um pau na hélice da “Cahuapanas” na altura de Boa Vista. Às 5h da tarde chegou o batelão e a “Cunha Gomes”, fizemos nova provisão de gêneros e ela seguiu. Pernoitamos neste ponto.

Dia 16 de maio

Saímos às 5h50min, logo depois encontramos a “Cunha Gomes” e o “Manoel Urbano”, tomamos a dianteira uns 200 metros, logo depois, porém, esta nos passou e conservou a frente indo portanto a “Cahuapanas” na bagagem. Às 8h45min passamos em frente ao barracão S. Salvador (peruano) cumprimentamos a bandeira. Este barracão parece-me pertencer ao celebre “Cariri”. Às 9h15min passamos em frente a “S. Paulo”; às 12h25min em frente a “Macapá”. Encontramos a “Cunha Gomes” e o “Manoel Urbano” encalhados em Catiana às 3h e 50m.

Às 4h desatracamos da “Cahuapanas”, seguimos na frente e ancoramos logo a fim de indicar a passagem à mesma. Veio a bordo um sujeitinho, empregado do posto fiscal, muito pernóstico e implicante, tomar conhecimento sobre as nossas embarcações.

Ontem ficou a bordo do “Manoel Urbano” um peruano doente a fim de se tratar. A “Cunha Gomes” safou-se às 7h30min da noite; pernoitamos pouco acima de “Catiana” atracados de novo à “Cahuapanas”.

Dia 17 de maio

Levantamos ferro às 6h da manhã. Logo ao amanhecer o Arnaldo encontrou preso ao seu anzol um peixe de uma nova espécie, um gato dos peruanos. Paramos às 8h 45min para fazermos lenha no mato. Pouco acima de Catiana recolhemos umas amostras de pedras. Saímos à 1h40min depois de termos feito 300 achas de lenha. Passamos em frente a “Novo Santarém” às 3h e 25m da tarde; às 4h e 40m passamos pela “Cunha Gomes” e “Manoel Urbano” que se achavam fundeado à espera do prático Berger, que tinha ido fazer sondagens. Chegamos a “Novo Destino” às 5h45min, aí pernoitamos.

Dia 18 de maio

Saímos de Novo Destino às 6h18min da manhã. Aí se acha um destacamento do 36º de infantaria, comandado pelo Cap. Nicanor de M. Alves. É proprietário do lugar um Sr. Mariano.

Passamos defronte de “S. Pedro Velho” às 8h10min da manhã (margem direita); em Paisandú às 9h35min. Paramos em “S. Raimundo” para tomarmos lenha às 11h. Chegamos à liberdade à 1h30min, procuramos o Cel. José Ferreira proprietário do lugar, não o encontramos. O Dr. Euclides foi procurá-lo a fim de entender-se com ele, a pedido do comandante Buenaño, a respeito de uns peruanos que diziam acharem-se presos e servindo de escravos, o que absolutamente é inexato, segundo aí nos informaram. Partimos às 2h20min da tarde; às 4h passamos em frente a “Nova Alegria” e às 5h em frente de “Bom Jardim”. Chegamos a “Samaúma Nova” às 6h15min, aí pernoitamos.

Dia 19 de maio

Partimos de “Samaúma Nova” às 6h da manhã. Ontem à noite o Dr. Euclides e o Comandante Buenaño estiveram observando ‘Sirius’, e outras estrelas da constelação da Grande Ursa e do Cruzeiro para latitude. Esta noite passada quase que não tivemos carapanãs. Nota-se já sensível diferença no clima, parece ser o ar muito mais puro e a região muito mais saudável que a do baixo Purus, as madrugadas são já bastante agradáveis. Paramos em Itatinga às 9h da manhã para tomarmos lenha, mas não compramos por haver muito pouca; passamos por Sta. Cruz Nova a 1h25min. Às 3h paramos pouco acima de Sta. Cruz Nova, fomos fazer lenha no mato, aí pernoitamos.

Dia 20 de maio

Levantamos ferro às 6h da manhã, passamos por “Livre-nos Deus” às 10h e 5m. Paramos às 10h40min para fazermos lenha, saímos às 4h da tarde. À “Cunha Gomes” e “Manoel Urbano” passaram por nós às 2h da tarde e seguiram em demanda do Chandless. Pernoitamos em Cruzeiro.

Dia 21 de maio

Saímos às 6h da manhã. Às 6h50min chegamos à “S. Braz” aí se achavam a “Cunha Gomes” e o “Batelão” que lá estavam de pouso, passamos adiante e fomos em demanda do Chandless. Às 7h50min a “Cahuapanas” encalhou. As 9h apareceram a “Cunha Gomes” e o “Manoel Urbano”, logo depois este último deu de encontro a um pau, fez um enorme rombo e as águas invadiram impetuosamente os porões, começando as mercadorias a nadarem. Com grande esforço, e o eficaz auxílio dos peruanos, conseguimos salvar grande parte das mercadorias, creio mesmo que 2/3 partes. Ficou então acertado, pelo Dr. Euclides e Tenente Argolo, que, uma parte da comissão iria com o 1º até as cabeceiras, e a outra ficaria acampada no lugar do sinistro, a fim de aguardar a volta deste e auxiliá-lo na primeira oportunidade que se apresentasse com uma parte dos viveres que ficaram. Seguiram em demanda das cabeceiras, com o Dr. Euclides e Drs. Catunda, Arnaldo, Alfs. Cavalcanti, 9 praças, o Manoel, Octávio e a tripulação da lancha nº 4. Ficaram com o resto da comissão o Ajudante Substituto, tenente Argolo, o Secretário T. M. S. Lima, o comandante do destacamento Alfs. F. Lemos, o encarregado do material, Cel. Nunes e 10 praças.

Dia 22 de maio

Às 9h30min partiu a lancha nº 4 para a boca do Chandless, levando em seu bordo o pessoal acima mencionado. À tarde o tenente Argolo reuniu o pessoal e foi tentar safar o batelão, nada conseguiu por ter-se partido o cabo. Continuamos ainda acampados na praia do naufrágio do “Manoel Urbano”. As madrugadas são terríveis, bastante frias, cerração fechada e evaporação extraordinária produzindo muito orvalho. O nosso acampamento ficou situado à margem direita.

Justamente a parte deste diário que mais interesse encerra e mais assunto contem, foi feita pelo auxiliar técnico desta Comissão Sr. Dr. Arnaldo Pimenta da Cunha, o qual teve a felicidade de chegar até às cabeceiras deste rio em companhia do chefe da mesma. – Se não acompanhei o Dr. Euclides da Cunha até às cabeceiras deste rio, como era meu dever, foi única e exclusivamente por deliberação dele, como provo com o ofício de maio do corrente ano, que facilmente se encontrará no registro desta Comissão – De modo que de 22 de maio até 20 de agosto o diário passou a ser feito pelo auxiliar técnico.

Dia 22 de maio

(escrito pelo auxiliar técnico)

10h20min

Partiu a “Cunha” e 10 minutos depois encalhávamos. Fotografia – meia hora depois nos socorreram para fazer pressão; 15 minutos depois seguiu-se tudo normalmente. Passamos em Aracajú Novo às 11h55min. Às 2h30min marchamos durante meio minuto. Às 3h8min passamos em Extrema do Aracajú e minutos depois entraram na praia dos paus. Ali pararam para sondar o canal. Prosseguimos às 3h45min. 5 minutos depois davam em cima da praia e às 3h59min paramos para sondar novamente o rio. Às 4h15min. prosseguimos. Ancoramos às 6h17min.

23 de maio

Saímos lentamente às 6h17min e chegamos a Boca do Chandless às 7h45min. Encalhamos ao aproximarmos da barranca. Desencalhamos 10 minutos depois. Neste mesmo dia às 1h45min. voltou novamente a lancha, com a sua tripulação completa para S. Braz. O Sr. Cardozo levou novas ordens para o Argollo e 1:000$000.

24 de maio

Param antes do almoço e deixam passageiros e tripulantes de Santos Dumont e ‘Camimã’ e mais tarde o comandante e o Secretário deixam outros. Estiveram em terra, onde almoçaram e foram portadores de cartas particulares, e um custeio de [palavra não legível] para o Barão do Rio Branco. Às 7h. da noite, chega a lancha nº 4, com a Comissão Peruana depois de ter levado 3 horas encalhada.

25 de maio

Propõe-se as normas para a ida do Cavalcanti, oficiais e etc.

26 de maio

Partida do Cavalcanti às 9 horas para Manaus, a fim de providenciar, principalmente, sobre a remessa de recursos e instruções. À noite chegou, o Dr. Fontes de Carvalho, de cima, trazendo-nos notícias das Comissões Administrativas.

28 de maio

Na madrugada, nada de anormal, a nossa lancha jorrou, bem assim uma outra canoa partiu. O Dr. Catunda balanceou os nossos gêneros e calculou o tempo que durariam. O Dr. Euclides além de diversas providências que adotou, a fim de que a nossa partida se realize o mais breve possível e de modo mais cômodo, calculou em horas da passagem de diversas estrelas e a tarde, em companhia de D. Buenaño, D. Savalla e do Auxiliar-Técnico, retificaram as lunetas de Lugeol, micrômetro de fluviais, examinaram os demais goniômetros e comparam os “diastimetros”. Já anteriormente, tinham os chefes peruanos combinado sobre o levantamento a adotar, uma vez que continuávamos em canoas.

A nossa luneta de Lugeol e o micrômetro de fluviais deram exatos, havendo uma diferença de 4 metros; para uma distância de 100 metros, medida com a luneta de Lugeol, da Comissão Peruana. À tarde chegaram os novos soldados que tinham ido a S. Braz, trazendo um batelão que ali ficara em poder do Dr. Argollo. Trouxeram notícias do nosso pessoal, todas boas, e um pedido de demissão do Cel. Nunes Pereira, pedido que foi respondido com o memorando no 14. Trouxeram além do batelão, 4 remos e alguns gêneros alimentícios. Efetuou-se observações termométricas, barométricas e psicométricas. À noite o Dr. Euclides da Cunha e auxiliar-técnico, observavam estrelas para determinação de latitudes. Tivemos a visita do Dr. Buenaño e Savalla, em nosso barracão. Noite fria.

29 de maio

Cerração. Noite fria. O rio apresentou uma enchente de um palmo. Hoje cedo tratou-se de preparar as canoas para a subida que efetuaram-se de manhã cedo, sendo necessário, calafetá-los e remendá-los, com grande dificuldade por falta de materiais apropriados. As 8h15min seguiram para S. Braz em uma canoa, o prático e 2 marinheiros da Marinha Nacional, com um memorando n. 13-A para o tenente Argollo. Tentou-se determinar a declinação da agulha magnética, na boca do Chandless, o que não deu resultado por causa da chuva que caiu do meio dia para tarde, cobrindo completamente o sol. O auxiliar-técnico retificou o teodolito topográfico.

Dia 30 de maio

Estávamos na Boca do rio Chandless.

Manhã sem sol, fria e triste.

Até as 11 horas do dia, estivemos em preparativos para a partida, arrumando-se canoas e batelões. Em seguida foram fotografadas as embarcações peruanas e brasileiras. As primeiras pelo fotógrafo peruano, as segundas pelo auxiliar Arnaldo Cunha.

Iniciou-se, logo depois, a nossa viagem em canoas. As embarcações peruanas em número de quatro – 3 batelões e 1 canoa pequena – e as brasileiras contavam de 2 batelões e 1 canoa ligeira. Previamente efetuou-se a comparação dos cronômetros brasileiros com os cronômetros peruanos, sendo todos eles embarcados em um dos grandes batelões pertencentes à Comissão Peruana. Às 11h encetamos a nossa viagem morosíssima e tão morosa era, a princípio, que levamos horas para percorrer, isto é, cerca de milhas.

O levantamento era feito pelos comissários chefes das duas Comissões, que empregavam o compasso de levantamento, na medida dos ângulos e a luneta micrométrica de Lugeol, na avaliação das distâncias.

O auxiliar da Comissão brasileira, em canoa ligeira e bem tripulada, avantajava-se sempre, escolhendo os pontos mais convenientes para a colocação da mira indispensável ao funcionamento da luneta Lugeol. Assim prosseguiu-se até as 6h30min da tarde, quando acamparam em uma mesma praia as duas comissões exploradoras. O emprego da luneta Lugeol e a inexperiência absoluta dos nossos soldados no manejo dos varejões, faziam prevê o tempo excessivamente dilatado que deveríamos gastar, com um tal sistema de levantamento.

Assim, porém, continuou-se.

Dia 31 de maio

Encetando-se a nossa viagem às 7h da manhã. A cerração que então nos envolvia, impossibilitava por em ponto a luneta de Lugeol. Muito mais úmida do que a anterior, foi a manhã de hoje. A diferença psicométrica era nula, nas primeiras observações das primeiras horas da manhã.

O levantamento continuou a ser como ontem, sendo de notar a discrepância das distâncias obtidas com as duas lunetas micrométricas — a peruana e a brasileira. Estas foram, entretanto, aferidas, comparadas e retificadas, na boca do “Chandless”, não acurando a luneta brasileira, diferença apreciável.

Reiniciou-se os serviços das observações meteorológicas, do modo mais favorável possível para as circunstâncias que nos cercavam.

A presença de nuvens-nimbos movimentando-se rapidamente e encadeando-se em nuanças, desde o cinzento claro até quase o negro, indicavam mal tempo.

Assim acamparam em uma mesma praia, à tarde, as duas comissões.

1º de junho

O temporal ameaçador desfez-se. Pelo menos limpo era o estado do céu.

Saímos do lugar do acampamento às 6h da manhã, com alguma cerração. O termômetro marcava então, 21,2° centígrados, repentinamente novas nimbos aparecem, em movimento rápido, e, ao meio dia, uma chuva copiosa desaba sobre nós, acompanhada de um vento muito fresco, perturbando a nossa marcha já demorada.

Esta chuva, só cessou completamente, às 2h40min da tarde.

Entretanto, andamos um pouco mais do que nos dois dias anteriores.

Ficou resolvido entre os chefes das duas comissões, abandonar por completo o emprego da luneta de Lugeol.

O auxiliar da Comissão Brasileira passou a medir nas praias, nos seus melhores trechos e do modo mais favorável, as maiores distâncias que pudesse, marcando os seus pontos extremos. Os encarregados do levantamento observariam então, o tempo gasto pelas suas embarcações em percorrer as distâncias assinaladas. Estas observações, repetidas várias vezes durante o dia, permitiam de um modo aproximado, a determinação da velocidade da canoa e assim a distância percorrida.

Com tal sistema, conseguiu-se avançar um pouco se acampando no lugar.

Dia 2 de junho

Saímos às 6h35min. A manhã era nublosa e a temperatura agradável.

Às 8h15min horas tivemos um primeiro encalhe e demorado, ao qual sucederam-se muitos outros. Às 1h10min acampamos para almoçar e reatamos a nossa marcha melhorada, às 2h. Outros muitos encalhes ainda tiveram lugar, em alguns dos quais demoramos de 10 a 15 minutos. Apesar disto, as nossas embarcações pararam às 5h da tarde, em uma praia fronteira ao seringal “Triunfo Velho”, com uma trajetória dupla das anteriores.

Dia 3 de junho

Às 6h33min levantamos o nosso acampamento da praia do “Triunfo Velho” e prosseguimos viagem, muito esperançados de chegarmos a “Novo Lugar”, acampamento da Comissão Brasileira Administrativa.

Aos trechos crivados de paus, sucediam-se lugares cheios de baixos, onde o canal do rio apresenta-se, nesta quadra, tortuosíssimo. Às 7h30min da manhã passamos por duas barracas pequenas, à margem direita do rio, as quais não têm nome nem figuram nos roteiros conhecidos. Pertencem ao cearense apelidado de “Cai-n’água” que desempenhou papel saliente nos últimos tumultos havidos entre brasileiros e peruanos.

É seringal de pouca importância.

Logo depois, e na mesma margem, aparece outro sítio. Às 2h4min, paramos para esperar a Comissão Peruana que se retardara, prosseguindo-se às 2h28min, com o aparecimento de uma canoa peruana.

À 1h da tarde chegamos ao lugar denominado “Porto de Mamoriá”, sítio em lugar alto e de boa aparência, contendo 10 casas marginais, muitos burros para o transporte da borracha, poucos vacuns e alguns lanígeros. É de propriedade do senhor José Roirã de Mendonça, sócio do importante comerciante Sr. Agostinho Meireles.

Paramos aqui alguns minutos, prosseguindo logo depois, encorajadamente, a nossa viagem.

Das 2h15min às 2h30min, passamos pelos seringais “Fronteira de Canianã” à BB, e “Novo Triunfo” à BE. O primeiro é de propriedade do Sr. João Amarelo, e o segundo é pertencente ao Sr. Pedro José de Sant’Anna, cognominado “Pedro Capella”, cearense, que comandou o grupo brasileiro no cerco de Santa Rosa.

Continuamos a nossa marcha animada, com o fim de chegarmos a “Novo Lugar”, hoje mesmo.

A Comissão Peruana distanciara-se para trás.

Às 6h15min, chegamos ao lugar em que estava encalhado o vapor “Santos Dumond”, e daí, apesar da escuridão que nos envolvia e das passagens difíceis que tivemos que vencer, chegamos às 7h30min da noite, ao acampamento da Comissão Administrativa. Recebidos fomos cavalheiramente, os peruanos acamparam duas praias a jusante.

Impressionava mal, o estado de “comas” do acampamento em que nos achávamos. Soldados impaludados, e muitos outros beribéricos, apresentavam-se pálidos e trôpegos.

Com essa observação triste terminou o dia 3.

Dia 4 de junho

Partiu para o lugar “Refúgio” uma lancha da Comissão Administrativa, o Sr. Arnaldo Cunha, com o fim de trazer os gêneros da Comissão a que pertence, que ali foram deixados pela Lancha peruana “Fênix”, há pouco hectômetros encalhada.

Esta viagem, cheia de peripécias e trabalhos, foi terminada no dia 06, ao meio dia, conseguindo o Sr. Arnaldo Cunha transportar todos os gêneros alimentícios pertencentes à Comissão de reconhecimento, que ali se achava.

Dia 6 de junho

Foi ocupado com a aferição de instrumentos e arrumação de canoas.

O Sr. engenheiro Euclides da Cunha, oficiou ao Sr. Barão do Rio Branco, e recebeu um ofício do Capitão-Tenente José Borges Leitão, pedindo-lhe que o Dr. Thomaz Catunda aqui permanecesse, por algum tempo, até que o estado sanitário de seu acampamento melhorasse.

Este pedido foi atendido.

Dia 7 de junho

Saímos do lugar do acampamento da Comissão Administrativa às 7h35min. A nossa marcha era lenta. Uma chuva miúda e persistente perseguia-nos. Diversos encalhes tivemos, até que às 11h chegamos ao lugar denominado Funil, nome derivado do aspecto do rio nesse trecho – muito semelhante ao de um funil.

Aqui estiveram ontem os peruanos que fazem parte da Comissão que nos acompanha. Saltaram e estiveram muito tempo em terra, e depois de terem aqui deixado, sobre os restos mortais dos seus compatriotas, uma placa insultuosa aos brasileiros, fotografaram-se.

Este fato foi imediatamente levado ao conhecimento do governo brasileiro, pelo Sr. Euclides da Cunha.

Aqui a Comissão Brasileira contratou um remador, que se dizia ser também bom caçador e prático pescador, prosseguindo logo depois a sua viagem. Sem que pressentíssemos, acampamos na mesma praia, conjuntamente com a Comissão Peruana, em uma curva do rio. Só verificamos isto no dia seguinte, pelos sinais ali existentes e pelo nosso encontro, logo depois.

Dia 8 de junho

Durante todo o dia de hoje, nenhuma ocorrência anormal houve. As observações meteorológicas foram feitas horariamente, passando os nossos cronômetros a serem conduzidos em embarcações brasileiras.

Dias 9 e 10 de junho

Nenhuma ocorrência extraordinária nestes dois dias.

Dia 11 de junho

Como as manhãs anteriores, a de hoje foi fria, úmida e brumosa. Mais uma vez observamos nula a diferença psicométrica. Saímos às 6h30min, depois dos preparativos costumeiros. A nossa marcha era grande, pois, além do encorajamento com que remavam os nossos soldados, o rio, em certos trechos, aparentava correr para as suas nascentes.

Efetuamos hoje duas passagens difíceis, em trechos do rio crivados completamente de paus. Adoeceram dois soldados de febre, que tiveram como curandeiro, o engenheiro auxiliar. Ficaram logo, completamente restabelecidos. Às 4h10min. chegamos ao seringal “Sobral”, último ponto habitado por brasileiros.

Dia 12 de junho

Permanecemos neste lugar, onde efetuou-se a lavagem das canoas, a beneficiação dos nossos gêneros alimentícios, a correção de alguns instrumentos, a aferição de outros, determinando-se além disto, as coordenadas geográficas do lugar, bem assim a declinação da agulha magnética, achada igual a 6° 55’ E. Um novo ofício foi dirigido ao Sr. Barão do Rio Branco, pelo Chefe da Comissão Brasileira.

Dia 13 de junho

Manhã fria, como as demais.

Saímos de Sobral às 6h35min em continuação a nossa viagem, quando cinco minutos depois, levamos forte pancada em um pau, no qual esteve montado, durante 15 minutos, o batelão que conduz os nossos cronômetros.

O levantamento continua a ser feito, como antes foi descrito, notando-se mais perfeita regularidade e uniformidade na marcha das canoas, com a prática que já manifestam os nossos remadores.

Às 7h40min passamos defronte de um sítio abandonado; às 9h45min pelo primeiro lugar habitado por peruanos e às 10h40min. por um outro sítio igualmente desabitado.

Distanciamo-nos muito da comissão, a ponto de não acamparmos junto com os peruanos.

Entretanto as nossas embarcações deixaram de andar às 5 horas em ponto. Tudo bem. À noite o Dr. Euclides da Cunha observou a passagem de duas estrelas, para a determinação da latitude deste lugar de acampamento, observações que não deram resultados satisfatórios. À meia noite, forte chuva desabou sobre nós, só recuando completamente às 06h15min da manhã.

Ninguém dormiu.

Dia 14 de junho

Só saímos às 7h10min, porque estivemos à espera da Comissão Peruana. Demorando-se esta, foi ao seu encontro o Sr. Arnaldo Cunha, que já encontrou-a em marcha.

A chuva perseguia-nos sempre, miúda, incessante e em todos os sentidos. Um vento sem direção determinada, atuando sobre a cobertura das nossas canoas, muito prejudicava a sua marcha. Assim mesmo, penetrou-se na mata para explorar um istmo de 153 metros.

Mais tarde, avistamos um outro sítio, igualmente abandonado, de boa aparência e com plantio variado.

Peruanos dizem ser aqui o Nazareth de outrora situado ao lado do grande Igarapé do mesmo nome.

A chuva continua perseguidora, sem permitir que as nossas roupas enxuguem. A temperatura diminuiu sensivelmente, estávamos em plena friagem, marcando o termômetro, às 10h da noite, 19° centígrados.

Não houve céu, para observações astronômicas.

Dia 15 de junho

Despertamos cedo, com o quotidiano toque de alvorada feito pelo corneta da Comissão Brasileira. O termômetro indicava então, às 05h20min, em escala centígrada, 14,2°. Às 09h, apresentando-se muito clara a mata, à margem direita, o engenheiro Arnaldo da Cunha explorou-a na extensão de 800 passos, nada encontrando de anormal.

Houve felizmente sol e em profusão.

Diversas fotografias das embarcações peruanas e brasileiras foram tiradas, por ocasião das suas passagens nos trechos do rio crivados de paus.

Observamos hoje e registramos uma importante mudança no leito do Purus, que parece ter tido lugar posteriormente à passagem do eminente explorador britânico Chandless.

Nada de anormal.

Dia 16 de junho

O tempo começa a melhorar. Pelas 09h passamos pela boca de um grande lago, que muitos moradores afirmam ter sido, por ali, o antigo leito do rio. Examinaremos na volta este lugar.

O rio hoje apresentou-se em trechos variadíssimos, lugares surgiam largos e profundos, apareciam outros estreitos e baixos, variando além disto, a sua velocidade de fraca a fortíssima correnteza.

Às 02h30min passamos pelo sítio “Fortaleza”, que hoje jaz em um completo abandono.

Às 05h30min, acampamos.

À noite, o Dr. Euclides da Cunha observou as seguintes estrelas: Alfa Crucis, Alfa e Beta do Centauros e Alfa Dragonis, não inspirando confiança as latitudes obtidas.

Dia 17 de junho

A madrugada foi fria e úmida.

Saímos às 06h10min. Acampamos mais cedo porque a Comissão peruana achava-se um tanto atrasada.

À noite observou-se todas as mesmas estrelas da noite anterior, que não deram igualmente firmes e acordes resultados.

Dia 18 de junho

Apesar de ser Domingo, saímos a hora costumeira.

Forte, expressa e demorada cerração houve pela manhã.

Mais tarde, o sol apareceu abrasador.

Nada de anormal e digno de ser registrado.

Acampamos hoje mais cedo, não só pelo fato de ser Domingo, como ainda por causa de acharem-se atrasadas as embarcações peruanas.

Dia 19 de junho

Manhã menos nublada.

Prosseguia-se com o levantamento, do mesmo modo que foi citado anteriormente, bem assim as observações meteorológicas e as experiências sucessivas e quotidianas das velocidades das embarcações.

É digna de nota, a diminuição sensível na largura do rio e a sua pouca profundidade relativa.

Já não é em qualquer praia, que se encontra uma canoa carregada.

Dia 20 de junho

Dia quente. Logo nas primeiras horas da manhã, já o termômetro marcava alta temperatura.

Este dia destaca-se dos anteriores, pelo calor.

À noite houve observação astronômica, de resultado ainda improfícuo.

Dia 21 de junho

Desacampamos às 06h20min e viajamos bem até a hora do almoço, que efetuou-se em um tombo, a 300 metros a jusante do pequeno rio Chambuiaco e na mesma margem em que está situado este curso d’água. O auxiliar Arnaldo Cunha tirou duas fotografias do rio.

Constando-nos que o sítio denominado Cataí, distava a meio dia de viagem de subida, partimos resolutamente com o intuito de alcançá-lo ainda hoje.

A todo instante e nos extremos de todas as voltas do rio, esperamos ver o sítio almejado.

Às 03h20min porém, com grande surpresa para todos, esbarramos diante de uma cachoeirita, que tomava toda a largura do rio. A única passagem possível, era pela encosta da barranca, muito perto da margem direita e por entre os paus enormes que ali se empilhavam.

Foram retirados das embarcações os cronômetros, instrumentos vários, plantas e papéis de importância, para a passagem deste obstáculo natural, na qual gastou-se exatamente 1 hora. Vencida esta dificuldade, ainda mais corajosamente reatamos a nossa marcha, com o fim de alcançar “Cataí”. Esforço inteiramente baldado. Acampamos em uma grande e alta praia, muito abaixo do sítio cobiçado, digo, desejado.

Dia 22 de junho

Distante estávamos e muito, da Comissão Peruana, pois não acampamos juntos ontem. Os seus barcos, de maior tamanho, aumentaram certamente as dificuldades da passagem da cachoeira.

À hora costumeira, prosseguimos a nossa viagem, que correu normalmente.

Finalmente aparece “Cataí”, às 2h da tarde, com aparência de completa tristeza e muito parca importância.

De longe, vêem-se apenas duas barracas velhas, sobre uma terra alta esbarrada em uma curva do rio.

Chegados ali, vieram ao nosso encontro todas as autoridades locais: um oficial brasileiro, o Sr. Antônio do Nascimento Linhares, Comandante do contingente que acompanha a Comissão Administrativa, Comandante Peruano D. Luiz M. del Rico, subcomissário substituto e Comandante do Contingente Peruano e o antecessor da Comissão Administrativa, Comandante M. Bidoia, o Sr. Osvaldo Carpancho, que há cerca de dois anos ocupava o cargo de comissário, por parte do governo peruano.

Gentilmente recebidos, fizemos em suas barracas, a refeição da tarde.

Tanto o chefe Dr. Euclides da Cunha, como o auxiliar Arnaldo da Cunha, achavam-se enfermos. Este, conseguiu curar-se até o dia seguinte, ao passo que a enfermidade daquele, prolongou-se por mais dois dias. Apesar disto, houve observações à noite de resultado aceitável.

Dia 23 de junho

Manhã agradável.

O Sr. Dr. Euclides da Cunha continuava adoentado, embora apresentando sensíveis melhoras.

Os soldados, durante todo o dia, estiveram cuidando de gêneros e bagagens, embarcação e armamento.

O engenheiro Arnaldo Cunha determinou a declinação da agulha magnética, achada igual a 6° 45’ E.

Mais ou menos pelas 10h da manhã, chegou a Comissão Peruana.

O Sr. Dr. Euclides da Cunha, enviou um longo ofício ao Sr. Barão do Rio Branco, sob os cuidados do Capitão Tenente José de Borges Leitão.

Dia 24 de junho

Despertamos todos ao som da alvorada, tocada pelas cornetas brasileiras, e preparamo-nos para prosseguir a nossa viagem.

Esta corria normalmente.

Estávamos muito na dianteira, e, por isto, resolvemos fazer parar as nossas embarcações um pouco mais cedo para o almoço, onde ficamos à espera da comissão peruana.

Desavenças, porém grosseiras, entre o Cabo do destacamento e o cozinheiro da Comissão, motivaram enérgica intervenção do Sr. Engenheiro Chefe, prendendo e mandando amarrar ao primeiro e chamando seriamente à ordem, o segundo.

Infelizmente, estas ordens acertadas não foram cumpridas como se esperava, graças à incompetência e à imbecilidade do sargento que nos acompanhava.

O próprio cabo amarrou-se, enquanto o sargento convidava em vão, aos soldados presentes, para executarem a ordem recebida.

Demorando-se muito os peruanos, o Dr. Euclides da Cunha, foi pessoalmente ao seu encontro.

Esta demora dos nossos companheiros de lutas foi motivada por um grande encalhe que sofrera em um pau, uma das suas embarcações maiores.

À noite, agravou-se o estado de saúde do Dr. Euclides da Cunha, que foi prontamente melhorado com o medicamento proporcionado pelo Sr. Auxiliar.

Curiosa foi a alimentação do enfermo – caldo de macaco.

Dia 25 de junho

Saímos às 6h30 min estando muitíssimo melhorado o Dr. Euclides da Cunha. Continuamos a nossa viagem sem incidente algum. Os encalhes contínuos e as constantes pancadas nos paus, já eram coisas costumeiras.

Às 10h15min, passamos pelo primeiro sítio peruano, de regular importância. Este chama-se São João, com muitas barracas quer de uma quer de outra margem do rio, habitadas por índios piros e peruanos “coretanos”, que se dedicam exclusivamente ao fabrico de caucho. Aqui comprou-se diversos panos encauchados para cobertura das nossas embarcações.

À noite observou-se a passagem de diversas estrelas, observações que foram diversas vezes interrompidas pela algazarra que fazia a nossa soldadeira. Foram diversas vezes chamados rigorosamente à ordem.

O temporal que ameaçava desabar, desfez-se completamente.

Dia 26 de junho

Cedo despertamos, e, logo cedo, tivemos que passar por grande contrariedade. Um soldado insubordinou-se. Sendo-lhe dada ordem de prisão pelo Dr. Euclides da Cunha e, posteriormente, uma outra para que o recalcitrante insubordinado fosse amarrado, estas não achavam executores. Tal procedimento incorreto motivou uma terceira ordem enérgica. Resolvendo o Dr. Euclides que o indisciplinado soldado descesse preso até Cataí, onde ficaria à sua disposição e, entregue ao Sr. Alferes Linhares, os demais soldados acompanharam-no covardemente neste ato criminoso.

Todos voltaram então, e em número de 5, com exceção apenas de um. Minutos depois, continuava a comissão a sua viagem, livre deste elemento entorpecedor da boa ordem e disciplina. Ficou então a Comissão Brasileira com 7 trabalhadores unicamente, que de bom grado prosseguem.

Tudo correu normalmente.

Dia 27 de junho

A manhã de hoje foi clara e fresca. Logo cedo passamos por duas terras firmes muito altas. Avançamos lentamente, e, este avanço lento, têm várias causas: o pessoal reduzido e já trabalhado, o grande calado das nossas embarcações para um rio seco, os inúmeros paus, os grandes baixos, a alimentação má, etc.

Ainda conservamo-nos na dianteira.

Às 10h30min paramos para almoçar, de onde só saímos às 1h10min da tarde.

À noite houve observações astronômicas.

Dia 28 de junho

A manhã de hoje foi fria e de forte cerração. Saímos às 6h30min. Foi hoje o dia em que tivemos maior número de encalhes e mais fortes abalroamentos em paus.

Às 12h20min paramos para almoçar debaixo de duas árvores frondosas.

Pelos troncos dessas árvores, enroscavam-se, quais verdes serpentes, longos cipós denominados – apuris – alguns dos quais carregados de flores carmesins. Defronte, na margem oposta, esbeltas palmeiras de enormes folhas, semelhantes a gigantescos leques, ondulavam as carícias da brisa vespertina, que começava a soprar. Às 2h30min reatamos a nossa marcha.

Hoje, grande número de abelhas persegue-nos muito. Não mordem; colam-se porém à pele úmida e agarram-se às roupas suadas, sugando-lhes o suor.

Curioso este animal, e talvez o mais curioso de todos relativamente à fecundação, uma vez que sabem fabricar, ao seu bel prazer, machos ou fêmeas, segundo os ovos são postos nos grandes ou nos pequenos alvéolos, e ainda, abelhas rainhas ou mestras, por meio das células reais.

Às 4h da tarde chegamos à “Curanja”, onde acampamos, na Praia fronteira ao rio que dá o nome ao lugar.

À noite houve observações de estrelas que permitiram a determinação de uma latitude aproximada.

Dia 29 de junho

Continuamos com as nossas observações meteorológicas feitas de hora em hora. Observou-se o sol pela manhã, repetindo-se igual observação à tarde.

O auxiliar Sr. Arnaldo Cunha, determinou a declinação da agulha magnética achada igual a 6° 05’ E, e levantou a planta topográfica do sítio e rio “Curanja”. Durante a noite, o mesmo auxiliar esteve em companhia do fotógrafo peruano revelando chapas de ambas as Comissões, trabalho que se prolongou até 2 horas da madrugada.

Dia 30 de junho

Em Curanja.

Os nossos trabalhos cotidianos não sofreram alterações algumas. Houve observações do sol pela manhã, sendo oferecido às 11 horas do dia, pelos caucheiros peruanos de Curanja, um lauto almoço às duas Comissões. O Dr. Euclides, em feliz improviso, tirou inteligente partido da grande quantidade de bandeiras peruanas que havia na sala e de simples palmitos de cores amarelas e verdes, ali postos casualmente. Depois deste almoço percorremos as povoações, que denotam uma grandeza extinta.

Assim terminou o dia de hoje, não havendo sol para as observações vespertinas.

Dias 1, 2, 3 e 4 de julho

Durante estes 4 dias, esteve gravemente doente de febres, o auxiliar da Comissão. As duas comissões permaneciam em Curanja, por causa das observações astronômicas.

O que entretanto correu de mais forte importância, foram as notícias aterradoras trazidas por caucheiros peruanos vindo de cima. O Dr. Euclides da Cunha oficiou ao Sr. Barão do Rio Branco. Lavrou-se uma ata com as coordenadas achadas pelos dois chefes Comissários e com o resultado do estudo e comparação cronométricas.

Dia 5 de julho

O Sr. Auxiliar Arnaldo Cunha, apesar de doente, prosseguia a sua viagem, achando-se disposto para partida quando foi esta adiada para o outro dia, em virtude da discordância que houve no resultado das observações astronômicas, obtidas pelos dois chefes Comissários.

Procedeu-se então a novas observações, lavrando-se ata.

Dia 6 de julho

Saímos muito cedo de Curanja para as cabeceiras do Purus. Espessa e demorada cerração envolveu-nos até às 7h30min da manhã.

Possuíamos então, dois grandes batelões, impróprios completamente para viajarem em um rio completamente esgotado, como então se achava o Purus.

Os peruanos conseguiram aqui trocar os seus batelões por duas boas ubás.

Entretanto, andamos muito ainda hoje.

A noite foi fria e chuvosa.

Não houve céu para observações.

Dia 7 de julho

Nada de anormal.

Perseguiu-nos todo o dia, uma chuva miúda e incessante.

Dão aqui a esta chuva o nome de chuva de peixes.

Realmente notei hoje que, de vez em quando, peixes de cor cinzenta apareciam na superfície das águas e depressa desapareciam nas profundezas líquidas, quer por curiosidade ou afoitamento, quer para dar caça às carapanãs, piolhos d’água e outros insetos, que vivem em contradança doudejante na superfície das águas.

Não houve céu para observações.

Dia 8 de julho

Despertamos muito cedo e fomos os primeiros a partir. Nada de anormal.

As pancadas nos paus e encalhes nos baixos, sucediam-se com frequência. À noite, observou-se com resultado satisfatório, alfa do centauro para latitude, sendo impossível a observação de Vega para longitude.

Dia 9 de julho

Muito cedo despertamos e fomos ainda os primeiros a partir. A princípio estávamos na frente, mas, um falso canal do rio, pelo qual nos enterramos, obrigou-nos a retroceder em procura do caminho verdadeiro.

Passamos então a ser os últimos, de primeiros que éramos.

Passamos pelo pequenino rio Santa Cruz e, meia hora depois, pelo sítio de igual nome. O curso d’água fica à margem direita, ao passo que o sítio Sta. Cruz está à margem esquerda.

Muitas mulheres peruanas residem ali. Os peruanos partiram cinco minutos antes de nós. Nada de anormal houve.

Dia 10 de julho

Cedo despertamos. Apesar disto, os peruanos partiram antes de nós, guardando sempre o avanço alcançado.

Na hora do almoço reunimo-nos.

Daí em diante, obtivemos a dianteira que foi custosamente mantida até a hora do acampamento.

Muito andamos hoje.

Adoeceu novamente de febres o auxiliar da Comissão, que assim mesmo continuou a sua viagem sem embaraço absolutamente algum para os trabalhos da Comissão.

Acampamos em uma praia muito úmida, onde observou-se as seguintes estrelas: alfa do centauro para latitude e Vega para longitude.

Dia 11 de julho

Manhã fria entre as mais frias.

Forte cerração envolvia-nos completamente. Foi entretanto hoje um dos dias em que saímos mais cedo, às 5h40min.

O estado da nossa gente já não era lisonjeiro.

Além de muito trabalhada e mal alimentada, tinham algumas pessoas com os pés rachados e inchados e outras apresentavam as mãos chagadas.

A fadiga era, porém, geral.

A impropriedade das nossas embarcações agravava extraordinariamente a nossa situação.

Já era com extraordinário esforço da nossa gente que conseguíamos acampar juntamente com os Peruanos.

Nesta fase porém, é justo declarar que os membros da Comissão Peruana foram sempre muito gentis para conosco.

Sempre nos esperavam.

Árvores floridas ornavam as margens do rio no trecho percorrido hoje. Passamos pelo importante sítio denominado “Cocama”, habitado exclusivamente por peruanos e alguns selvagens trabalhadores do caucho.

A comissão peruana conseguiu aqui mais uma embarcação ligeira, ficando assim perfeita e completissimamente preparada para a viagem que estamos efetuando em quadra tão imprópria. Cocama tem muitas casas e grande números de habitantes, como constam da estatística que organizamos.

A plantação certa é a banana, macaxeira (yuca) e bata.

A banana é para os peruanos o que a farinha é para os brasileiros.

Aqui almoçamos e partimos logo, sem os peruanos, que ainda demoraram-se por causa das trocas de embarcações.

Por isto, acampamos sós.

À noite não houve observações astronômicas.

Dia 12 de julho

A manhã de hoje foi uma das mais úmidas que temos tido.

Mais uma vez foi nula a diferença psicométrica.

Saímos um pouco mais tarde.

Espessa cerração envolvia-nos, não permitindo distinguir-se bem os objetos a mais de 30 metros afastados.

Tudo passou-se normalmente.

Dia 13 de julho

Úmida como a anterior, foi ainda a manhã de hoje. Muitos encalhes tivemos logo nas primeiras horas de viagem.

Chegamos às primeiras casas do sítio “Independência”, depois de termos passado por uma ilhota e uma quebrada que têm o mesmo nome do sítio acima citado.

Deste ponto, até as últimas casas do sítio Independência, gastamos horas mediando entre este trecho, uma praia comprida crivada de paus e onde o rio corre impetuosamente.

Aqui acampávamos para almoçar, quando chegou a comissão Peruana.

Logo depois, prosseguimos sem novidade alguma até a hora da parada para o repouso noturno.

Dia 14 de julho

Nunca presenciamos manhã tão fria e úmida como a de hoje. Tudo corria normalmente. Entretanto, as desavenças pequeninas que até então existiam entre o D. Pedro Buenãno e o Dr. Euclides Cunha. Argumentavam diariamente. Almoçamos um pouco acima do sítio Chambuiaco. À noite, veio ao nosso acampamento o D. Nicolas Savala comunicar e prevenir para que nos acautelássemos dos selvagens, que estavam fazendo correrias, lá para as cabeceiras, conforme as últimas notícias recebidas. Organizou-se então um serviço de guarda, aos acampamentos.

Dia 15 de julho

Saímos um pouco mais tarde. A nossa gente dia-a-dia mais enfraquecida e adoentada. A Comissão Peruana saiu antes de nós, prometendo esperar-nos mais adiante.

Efetivamente estavam a nossa espera em “Cinco Reales”, sítio habitado exclusivamente por selvagens.

Neste lugar os Srs. Dr. Buenaño e Dr. Euclides Cunha, tiveram forte troca de palavras, que perdurou por algum tempo.

Reatamos, uma hora depois, a nossa viagem, que foi muito trabalhosa até a hora do acampamento, 7h5min da noite.

Houve a noite, observações astronômicas.

Dia 16 de julho

Nada de anormal, além das dificuldades costumeiras.

Passamos às 6h20min da noite, por um outro sítio exclusivamente habitado por selvagens, ao qual dão o nome de “Arybiutiuia”.

Dia 17 de julho

Tivemos hoje uma alvorada de gritos.

Muito cedo saímos. Tempestade, inclemente persegue-nos, porém, durante todo o dia. O nosso almoço foi rápido. Os peruanos continuavam sempre na frente, tendo sempre a gentileza de esperar por nós. Nunca saíam do ponto em que almoçavam, sem avistarem uma embarcação nossa.

Viajamos até às 7h20min da noite.

Não houve observações astronômicas.

Dia 18 de julho

Saímos um pouco mais tarde.

Logo cedo encontramos uma ubá tripulada por índios.

Era gente do Sr. D. Carlos Sharff.

Almoçamos apressadamente e prosseguimos logo a nossa viagem.

Pelas 1h30min, vimos morta, em uma barranca, uma índia campa. A história deste assassinato é muito evasiada.

Minutos depois surge uma corredeira, que nos deu alguma dificuldade para ser vencida.

As primeiras casas que encontramos são todas habitadas por selvagens. Finalmente chegamos ao sítio “Alerta” na forquilha “Cujar”–“Curiuja”. É aqui a morada habitual do Sr. D. Carlos Sharff, o mais
importante caucheiro peruano. Aqui hospedou-se com este distinto cavalheiro, o Sr. Dr. Euclides Cunha.

Dias 19, 20, 21, 22 e 23 de julho

Continuamos na confluência “Cujar–Curiuja”, onde o Sr. Auxiliar iniciou a construção do trecho levantado, a começar de “Curanja”.

Diariamente efetuava-se observações astronômicas e meteorológicas.

O Sr. Arnaldo Cunha, determinou também a declinação da agulha magnética.

Uma grande infâmia, foi cometida aqui pelo cozinheiro da Comissão Brasileira que em companhia de um soldado também brasileiro e depois de terem roubado diversos gêneros da Comissão, dirigiram-se para as barracas de índias vizinhas com fins libidinosos.

Uma justa queixa foi feita pelas preceptoras das jovens índias que foram atentadas em seu pudor.

Até aqui este Diário foi copiado pelo engenheiro Arnaldo Pimenta da Cunha continuando eu daqui por diante a copiar as notas do mesmo engenheiro.

Dia 24 de julho

Pela noite de 23 dois homens do Comandante Buenaño estavam procurando a bela índia Barbarari.

Partimos hoje da Forquilha e vamos pelo Curiuja afora propomo-nos a verificar para onde vai e com que velocidade marcha o ‘ex Purus’, que acaba de perder tal nome. Fez-se uma ata sobre os estados absolutos dos cronômetros peruanos e brasileiros, dos seus movimentos e da hora média sobre Greenwich de cada um destes cronômetros. Depois de embarcado do cronômetros e comparados os cronômetros padrão brasileiro e com o estandarte peruano, iniciou-se a nossa viagem. Cinco minutos depois da partida, um encalhe, e outros cinco minutos depois tivemos que atravessar uma cachoeirita. Ziguezagueamos até a hora do almoço, que foi muito rápido. Demoramo-nos apenas 30 minutos. À 1h da tarde mais ou menos, tivemos que lutar com a passagem de uma segunda cachoeira, muito mais forte de correnteza que a primeira. Assim continuamos a viagem com os incidentes costumeiros. Os encalhes às dezenas e as montadas em paus em grande número. À tardinha encontramos uma ubá com cerca de 8 pessoas peruanos e índios. Acampamos em uma praia muito úmida a margem direita. Dispôs-se tudo para a dormida. Observamos os cronômetros e às 10h da noite observamos Vega.

O Dr. Euclides, que mandara fazer a barraca muito próximo do mato, começou a sentir medo de cobra. Foi preciso para tranquilizá-lo que se mandasse colocar um pano daquele lado e colocar sob o seu travesseiro um vidro com sublimado.

Dia 25 de julho

Manhã muito fria como são todas as manhãs de Curiuja. Muito mais do que as do Purus nos seus dias frios. Saímos às 6h em ponto. Faziam-se de hora em hora as observações termométricas, barométricas e psicométricas. Muitos encalhes, seis cachoeiras e diversas esbarradas em paus. Atravessamos também uma ilhota. A tardinha vimos atravessar de uma margem para outra, um quati. Atirou-se porém em vão. Minutos depois avistamos uma anta, 3 ou 4 tiros também baldados. Já era noite quando chegamos ao lugar em que estavam acampados os peruanos. O Dr. Euclides teve forte discussão com D. Pedro Buenaño. Discutiram sobre a viagem; sobre o fato da impossibilidade de prosseguirem os nossos batelões; sobre a proposta de continuar unicamente o chefe brasileiro; sobre a nossa demora; sobre a ata do Curanja e principalmente sobre aquela que deviam ter lavrado na Forquilha. Depois do jantar que consistia em peixe, arroz e macaxeira fomos observar Vega 2 vezes — cedo para longitude e na hora da culminação para latitude.

Dia 26 de julho

Acordamos e saímos um pouco mais tarde, 6h30min. Manhã agradável. Muitíssimos encalhes, muitas montadas em paus e a passagem do primeiro rápido, atrasaram um pouco a nossa marcha. Assim mesmo avançamos muito segundo o mapa de Chandlles. No 1º rápido a nossa passagem foi difícil. Saltamos todos e os batelões passaram puxados a corda. A corda do nosso batelão partiu-se, o que ia ocasionando perigo sério. Felizmente foi sustido na marcha rápida da descida pelo José Francisco, única pessoa que ali achava-se guiando-o. Meia hora perdemos nesta paragem, vencida esta dificuldade, tivemos que lutar com a passagem de outras cachoeiras. Os peruanos acamparam cedo e como nós adiantamo-nos num estirão, ainda chegamos com dia ao ponto de seu acampamento.

Dia 27 de julho

Manhã muito agradável. Muito pouca cerração. Depois dos preparativos costumeiros iniciamos a nossa viagem penosa.

Encalhes enormes tivemos e grande número de cachoeiritas umas de passagem difícil outras de passagem regular. Atravessamos uma delas, a 30ª que era violenta e compunha-se de 4 degraus, é o segundo rápido de Chandless. Avançamos entretanto regularmente, apesar desta série de dificuldades. Acampamos a noitinha, conjuntamente com os peruanos em uma praia a jusante da 34ª cachoeira. A noite o comissário peruano esteve no nosso acampamento e os soldados peruanos cantaram o hino de sua pátria. Não observamos porque a Vega não pode ser vista do local em que estávamos.

Dia 28 de julho

Acordamos um pouco mais tarde. Os peruanos logo cedo repetiram o hino pátrio, e, quando este terminaram nós brasileiros, saldamo-los com 3 descargas consecutivas. Depois de tudo pronto fomos os primeiros a sair e logo aos 50 passos tivemos que vencer a 34ª cachoeirita que foi justamente a que nos deu mais trabalho, além do 2º rápido. O batelão dos gêneros passou com mais facilidade que o nosso. Vencida esta dificuldade prosseguimos corajosamente. Cachoeiras outras apareceram e em número de sete, sendo que esta última, foi a mais forte de todas. Os peruanos não contavam que nós pudéssemos prosseguir por causa das nossas embarcações e do nosso pessoal reduzido, e tanto assim pensaram, que acamparam logo depois deste obstáculo. Foi, portanto, com geral surpresa que eles nos viram chegar às 4h da tarde. Não podemos observar porque Vega estava oculta atrás de uma árvore.

Dia 29 de julho

Acordamos mais tarde, como de costume e desde que estamos viajando neste “Cujar”. Para vencermos a cachoeira que se achava à montantes, há uns 50 metros, retiramos o kulberg, a bússola, os livros e o chapéu de sol grande. Depois de vencido este obstáculo continuamos a nossa viagem, e hoje, foi certamente o dia em que encalhamos mais. Tivemos tantos encalhes e tão grandes que em 5 deles foi preciso que o Auxiliar caísse na água. Acampamos muitíssimo cedo e acima da 50ª cachoeira, em uma praia alta, à margem esquerda. À noite trabalhamos Vega para a longitude e mais tarde para latitude.

Dia 30 de julho

Madrugada muitíssima fria. Saímos a hora costumeira, e logo depois, tivemos que vencer uma cachoeirita, a 51ª, onde passamos com mais facilidade do que os peruanos. As nossas embarcações gastaram apenas 10 minutos. Continuamos assim a nossa viagem com os empecilhos iniciais. Muita falta d’água. Encalhes a toda hora. Tivemos que atravessar hoje uma cachoeira, segunda em violência a todas que temos até agora atravessado. Os peruanos não esperaram por nós na hora do almoço. Só os encontramos na hora de acampar na foz do “Cavaljani”. Ficamos um pouco a jusante, embora na mesma praia. À noite conferenciaram o Dr. Euclides e o Chefe peruano sobre o modo da viagem no “Cavaljani”. D. Buenaño tendo conseguido canoas chiquititas do correio de Iquitos veio receber instruções do chefe brasileiro, e mais uma vez repetia yo passo, le garanto ustede no passe. Observamos Vega. Conseguimos dos peruanos duas ubás, as maiores que eles possuíam e que deixaram aqui na confluência, por causa da impossibilidade de avançarem com elas.

Dia 31 de julho

Acordamos cedo. Dispôs-se para a viagem nas ubás. Cerca das 11 horas partimos muito antes dos peruanos. O “Cavaljani” na sua foz, apresentava-se com uma ou duas polegadas d’água e assim conservou-se até a extensão de 800 metros. O esforço que empregava a nossa gente para vencer este obstáculo, era grande. Além disso, estavam desanimados, sendo preciso o Auxiliar tirar as botinas e lançar-se na água, trabalhando igualmente com eles, ombro a ombro, puxando na mesma corda em que seguravam, animando-os, encorajando-os, até que conseguimos finalmente, depois de uma luta titânica vencer este obstáculo. O Dr. Euclides mais adiante, fez o mesmo. Resolvemos então deixar neste lugar a ubá maior que trazíamos, instrumentos e gêneros sob a guarda do sargento. Prosseguimos então na ubá menor, levando somente o que era estritamente indispensável. Foi incumbido do levantamento desse rio, o Auxiliar Arnaldo da Cunha. Impossível inteiramente era efetuá-lo em canoa e ainda mais impossível se tornava por água, digo, terra. Resolveu então o auxiliar prosseguir pelo eixo do rio, contando o número de passos que percorria. Que trabalho fatigante. A fim de que esse levantamento não ficasse defeituoso, era ele obrigado a seguir pelo rio a direção da visada feita, resultando daí, dificuldades enormes. Ora, um poço de 4 a 5 metros apresentava-se diante dele, sombrio, esverdeado, sujo e de uma tranqüilidade completa. Ora, cachoeiras tormentosas impediam por completo a passagem, com o seu solo macadamizado de agudas e escorregadias pedras. Ora, tendo forçosamente que observar de um ponto de uma das margens, este estava situado em um terreno extraordinariamente alagadiço. Ora, só sendo permitido a passagem por terra, esta apresentava-se com todas as dificuldades. Despenhadeiro escorregadiço, espinhos e mata cerrada. Houve duas passagens destas que o fizeram desanimar. Salvou-o, porém, em uma delas, as importunas caliandras, em cujos galhos andou dependurado, tendo, assim, atravessado esse trecho perigoso. Uma verdadeira travessia de quadrúmano. Todos os que iam pelo rio lutaram extraordinariamente. O Octávio passou a nado. O Sr. Wertoff, em idênticas condições, prendendo nessa passagem o sabre e o rifle. O ajudante da Comissão peruana passou por terra. O auxiliar Arnaldo não podia molhar-se o paletó, onde tinha papéis de importância, inclusive a caderneta do levantamento. Ninguém acreditava que ele pudesse passar levando ainda consigo uma bússola prismática e tripé respectivo. Esforço terrível era o que ele fazia, andando pelo eixo do rio. Além da umidade, além do caminho crivado de paus e pedras, além dos espinhos e barrancos, tinha que vencer a correnteza da água. A noite observou-se.

Dia 1º de agosto

O caminho estava melhor. Os poços escasseavam-se e quando apresentavam-se eram com menos fundo. Andamos regularmente até a hora do almoço apesar da chuva insistente que caía. Este efetuou-se em um barranco fronteiro a praia em que almoçou D. Buenaño. Esperamos 3 horas no nosso ponto, a chegada de D. Savala, depois da qual prosseguimos a nossa viagem. O auxiliar continuou o levantamento pelo eixo do rio e o Dr. Euclides viajava na ubá. Acampamos e a noite observamos. O açúcar havia acabado-se no café do almoço e o arroz que possuíamos só chegava para o dia seguinte. Começamos a ter meia ração.

Dia 2 de agosto

Cedo, às 6h começou o trabalho penoso. O caminho tornou-se melhor para o Auxiliar, porém, pior para as canoas. Nenhuma contrariedade até a hora do almoço além da chuva forte que desabava sobre nós. Acampou-se cedo por causa da chuva em um barranco à margem direita, onde almoçamos debaixo de um guarda chuva. Comemos aqui o resto do arroz que possuíamos com carne seca. Prosseguimos depois até a hora do acampamento. D. Savala, não podendo efetuar o levantamento até esse local, teve que voltar atrás, cinco praias, no dia seguinte. Não observamos por causa do tempo. Desde que viajamos foi, o de hoje o pior local que tivemos para acampamento.

Dia 3 de agosto

Começamos cedo, mais cedo do que nos dias anteriores, o levantamento. O caminho muito melhorado permitiu o Auxiliar, acampar no ponto do almoço, 20 minutos depois da chegada do chefe. O almoço foi sofrido. Carne seca com dezenas de grãos de arroz que por acaso ficara numa lata. O auxiliar prosseguiu logo com o levantamento, e na frente a fim de informar-se com o Com. Buenaño do caminho do varadouro. Este achava-se almoçando defronte do Pucani, pequeno rio que vai ter ao varadouro. Chegando o Dr. Euclides, indagaram do caminho e imediatamente seguiram, entrando no Pucani a pé. O Dr. Euclides e 4 homens iam na frente e o Auxiliar com um outro, um pouco mais atrás, por causa do tempo que demandava o levantamento. Todos os caminhos encontrados foram explorados, embora em pequena extensão, os quais, com exceção de 4, são simples caminhos para evitar a passagem pelos poços do rio. Entramos no Pucani as 12h55min. Às 3 horas chegamos ao começo do varadouro.

O auxiliar prosseguiu com o levantamento do varadouro e quando faltavam alguns passos para chegar ao fim, encontrou o Dr. Euclides que já voltava. Voltaram então todos por causa do adiantado da hora, deixando o Dr. Euclides no tombo final uma declaração e o Manoel colocou como sinal uma pedra dentro de um pau. Estavam todos cansadíssimos. O Dr. Euclides para voltar veio apoiado no braço do auxiliar. Observamos Vega quando esta observação foi completamente interrompida por uma árvore. Nada de índios. Nem o menor vestígio. Dispôs-se tudo para a descida que efetuou-se às 9 horas do dia.

Dia 4 de agosto

Parava aqui este diário.

Manaus, 12 de novembro de 1905
Antônio Carlos Cavalcante de Carvalho

Dia 20 de agosto

Hoje chegaram a este lugar (Maniche) as duas comissões mistas de Reconhecimento do Alto Purus. Desde 16 do corrente que aqui me achava. Após a chegada da comissão brasileira, oficiei ao chefe da mesma, Sr. Dr. Euclides da Cunha, fazendo-lhe entrega do batelão carregado de gêneros que trazia, e ao mesmo tempo comunicando-lhe ter alugado uma ubá para transporte de víveres, por ser impraticável à navegação o batelão que trouxe, devido a escassez d’água e ao grande calado deste. Verificada a quantidade de gêneros que tínhamos e a posse da ubá, conforme o recibo que apresentei e o contrato do aluguel, que de novo fui reforçar com a proprietária, resolveu o Dr. Euclides oficiar ao comandante Buenaño declarando que estava disposto a voltar a fim de sulcar o “Curiuja”, visto ter cessado o principal empeço, que era a falta absoluta de gêneros e uma ubá com que pudesse sulcar aquele rio. O comandante Buenaño, por sua vez, respondeu a este ofício dizendo que estava disposto a voltar, porém, precisava de víveres, e estes só podia obtê-los em “Curanja”. O Dr. Euclides removeu esta dificuldade, dizendo que, cedia a metade dos víveres que possuíamos, os quais davam para um mês, para ambas as comissões. A tarde, porém, fui surpreendido pela proprietária da ubá, que, industriada por alguém, talvez, me disse não poder mais alugar a dita embarcação por precisar da mesma, e, insistentemente quis me devolver os vinte soles de aluguel, o que absolutamente não aceitei. Neste sentido oficiei ao Dr. Euclides narrando o sucedido a fim de que lhe tomasse as providências que julgasse convenientes. Este por sua vez oficiou ao comandante Buenaño narrando o fato sem comentá-lo. Houve então uma troca de longos ofícios, o Com. Buenaño disse que talvez em “Cocama” se conseguisse ubás, porém, foram baldados os esforços até “Curanja”, onde o nosso chefe desistiu de procurá-las daí por diante. Assim se encerrou este incidente.

Maniche é uma pequena povoação peruana situada à margem direita do Purus; compõe-se de um barracão e quatro barracas. Bem em frente existe o rio “Maniche”, de onde provém o nome desta localidade. Como todas as povoações peruanas possui grande bananal, grande quantidade de mamões por eles denominados, papaia, e também plantação de mandioca, que eles chamam yuca. Possui umas 60 pessoas que se empregam exclusivamente na extração do caucho. Um dos proprietários do lugar é o Sr. Juan A. Rodrigues.

Esqueceu-me de registrar que, neste ponto é que encontrei com as comissões mistas, Brasileiro-Peruana, que vinham da baixada das cabeceiras.

Dia 21 de agosto (regresso)

Partimos de Maniche às 7h30min da manhã. Antes de partirmos, o Arnaldo teve uma longa conferência com o comandante Buenaño a respeito de um ofício que o nosso chefe lhe tinha enviado. As relações de cordialidade e diplomáticas entre os dois chefes brasileiro e peruano, acham-se bastante estremecidas. Passamos em frente a Sta. Lúcia às 9h30min da manhã, e em Independência às 9h55min, existe aí uma ilha e um igarapé do mesmo.

Infelizmente, o engenheiro Leme, que encontramos em Maniche, onde lhe confiei de novo os apontamentos diários, não teve tempo de completar as suas notas. Interrompeu o serviço em Manaus para cuidar da cópia do nosso Relatório e faleceu quando realizava este serviço. Entretanto esta mesma página perfeitamente autêntica — terão o grande valor de esclarecer bem o incidente de Maniche, do qual já tratei em outras comunicações.

Rio, 20. 02. 906
Euclides da Cunha