Correspondência ativa de 1897

Sumário

A João Luís Alves. São Paulo, 7 jan. 1897.
A João Luís Alves. São Paulo, 14 mar. 1897.
A João Luís Alves. São Paulo, 1° abr. 1897.
A João Luís Alves. São Paulo, 23 jul. 1897.
Ao Gal. Solon Ribeiro. Bahia, 12 ago. 1897.
A Reinaldo Porchat. Bahia, 20 ago. 1897.
A Pethion de Villar [pseud. de Egas Moniz Barreto do Aragão] (Bilhete) [Salvador, 1897?].
A Reinaldo Porchat. Belém do Descalvado, 27 out. 1897.
A João Luís Alves. São Paulo, 18 dez. 1897.
A Reinaldo Porchat. São Paulo, 19 dez. 1897.
A Domingos Jaguaribe. Belém do Descalvado, 23 dez. 1897.

S. Paulo, 7 de janeiro de 1897

João Luís
Que silêncio é este? Ando intrigado com o velho amigo… Passou por aqui como uma estrela (cadente mas só por analogia porque sobe sempre) — procurei-o e não o encontrando, escrevi — e até hoje não obtive resposta.

Já voltamos da roça e estamos na mesma tenda, rua Santa Isabel 2. É preciso escrever-me — olhe que eu sei que as funções de chefe executivo da Campanha não absorvem muito tempo. Estou outra vez amarrado ao cadáver — à engenharia magra; serventuário público! (*) Não sei quando realizarei o ideal de viver na roça, numa cidade pequena, com um círculo pequeno de amigos, estudando e trabalhando, sendo mais útil à nossa terra… Esta aspiração simples, porém, parece coisa difícil de se realizar. Estou condenado à poeira das aldeias grandes desta terra sem cidades.

Recomenda-me aos amigos.

Aí aparecerá breve, um amigo meu, o Reinaldo Porchat a quem desejo que conheças porque está na minha lista reduzida a teu lado.

Abraço ao dr. Brandão de quem nunca mais esquecemos e diga-lhe que não escrevo a ele agora porque pretendo mais tarde em longa carta travar longa conversa.

Adeus meu caro João Luís — Aqui fico invejando-te a existência nesse lugar tranquilo o amo de sempre

Euclides da Cunha

(*) Mas o que fazer?

[Timbre: Superintendência das Obras Públicas do Estado de São Paulo]

S. Paulo, 14 de março de 1897

João Luís

Saúde e felicidades. Desejamos eu e a Saninha que você, a d. Fernandina e toda a família estejam de perfeita saúde e felizes.

Apesar de um longo silêncio de que não sou culpado porque fui o último a escrever-te, lá vai esta carta dizer-te que não me esqueço do digno correligionário e amigo. Além disto, nesta aterradora quadra de desastres é necessário que procuremos os irmãos de crença, os únicos que nos podem compreender. Creio que como eu estás ainda sob a pressão do deplorável revés de Canudos aonde a nossa República tão heróica e tão forte curvou a cerviz ante uma horda desordenada de fanáticos maltrapilhos…

Que imensa, que dolorosa, que profunda e que esmagadora vergonha, meu caro João Luís!

O nosso belo ideal político — estes fatos o dizem eloquentemente — continua assim sacrificado pelos políticos tontos e egoístas que nos governam.

O que diz de tudo isto o nosso incorruptível e sincero correligionário, o dr. Brandão? Eu imagino se não o desalento profundo a tristeza enorme que o assalta.

Felizmente a geração heróica de 15 de novembro está ainda robusta e, ao que parece, pouco disposta a deixar que extingam a sua mais bela criação.

Procurando ser otimista (difícil coisa nestes tempos maus!) vejo nesta situação dolorosa um meio eficaz para ser provada a fé republicana. Não achas que ela resistirá brilhantemente — emergindo amanhã, rediviva dentre um espantoso acervo de perigos? Eu creio sinceramente que sim.

Adeus. Dê por mim um abraço em nossos amigos Dr. Brandão e Bernardo Veiga; um aperto de mão em todos os correligionários — e dispõe de quem é com estima real amo e admor.

Euclides da Cunha
Rusa Santa Isabel, 2

[À margem] Quando vens até cá?

S. Paulo, 1º de abril de 1897

João Luís

Desejo-te saúde e felicidades — assim como a toda a família.

Recebi a tua carta e respondo-a prontamente — exemplo digno de ser seguido. É escusado dizer, considerando o assunto capital de que tratas — que estamos afinados pelo mesmo diapasão.

Compreendo a situação como a compreendes e alentam-me as mesmas esperanças.
Entretanto assalta-me profunda tristeza: é ver sobre a débâcle material de tudo neste país, a débâcle gravíssima de coisas que em geral se conservam intactas no meio das maiores catástrofes. O que me impressiona não são as derrotas — são as derrotas sem combate — em que o chão fica vazio de mortos e o exército se transforma num bando de fugidos!

Nunca supus que fôssemos passíveis de desastres desta ordem! NUNCA!

Será possível que a nossa República tenha quadros de tal ordem, que lembram os últimos dias do Baixo Império? Descrente destas coisas, descrente desta terra — aonde lamento ter nascido — eu creio entretanto na vitalidade de um princípio. A República é imortal, e já que temos a felicidade de possuí-la, eu acredito que ela afinal galvanizará este povo agonizante e deprimido.

Aquele lamento acima escrito, não acredites seja apenas uma expressão sentimental — é um produto consciente, exprime realmente a mágoa mais profunda que tenho.

Acho, realmente, ridículo o título de filho desta terra depois da vasta série de escândalos de toda sorte com que ela tem desmoralizado a História!

Não digas isto ao Dr. Brandão — não desejo que ele saiba que me invadiu este depauperante pessimismo. Que tenham ao menos esperanças os velhos-moços conforme dizes bem, já que os moços envelheceram cedo, atravessando a selva oscura das nossas grandes misérias… Vou encerrar esta carta que está assumindo aspecto demasiado lúgubre. Para outra vez conversaremos mais longamente. Responda-me logo para a Rua Santa Isabel, 2, aonde ainda estou.

A minha família recomenda-te à tua.

Abraça-te o amo

Euclides da Cunha

S. Paulo, 23 de julho de 1897

João Luís

Saúdo-te desejando felicidades: recomenda-nos a toda a família.

Aconteceu afinal o que eu previa: os amigos da Campanha esqueceram o ausente. É singular porém que eu não me esqueça deles e no meio de uma terra mais agitada me recorde sempre.

Por que então esse silêncio?

O próprio Chico de Lemos, o último que com uma constância heróica sustentou uma correspondência regular — emudeceu bruscamente… Qual foi o desalmado que conspirou aí contra mim? Dirás — ninguém; eu digo — o tempo — apagando as afeições mais sólidas.

Aí vai talvez a minha última carta para a Campanha; digo, talvez, porque ainda creio, não estou de todo cético, ainda creio que me responderá.

Eu vou indo bem; a família boa; os filhinhos bons. Continuo abraçado à minha engenharia e nas horas vagas — como a vida é difícil e é preciso repartir a atividade, escrevo no Estado que não quer aceitar a minha colaboração gratuitamente. Não sei se tens lido os artigos meus, alguns assinados, outros não, mas fáceis de serem percebidos.

Não quero referir-me a assuntos políticos: não te quero assombrar com a minha tristeza imensa e amarga ironia com que encaro aos maître-chanteurs que nos governam. Felizmente a República é imortal! Resistirá quand même, a despeito de tudo (Escaparam-me dois francesismos detestáveis, desculpa-me).

Dê um abraço no Dr. Brandão que não me escreve, que não me escreverá talvez — o que não impede que o seu nome seja sempre pronunciado em minha casa com a mais respeitosa gratidão. Saudades ao Comor Bernardo, muitas saudades.

Recomende-nos a todos e acredite sempre no amo

Euclides da Cunha
Rua Santa Isabel, 2

[À margem] a Campanha vai ter um bispo… Parabéns??

[Bahia, 12 de agosto de 1897]

[Ao gal. Solon]

Deve estar surpreendido com a minha vinda à Bahia, inesperadamente.

A minha missão é esta: fui convidado em S. Paulo para estudar a região de Canudos e traçar os pontos principais da Campanha. Aceitei-a e vim. Além do assunto ser interessante, além de estar em jogo a felicidade da República, considereis que tínheis um nobre papel em tudo isto e almejo defini-lo bem perante o futuro. Consegui-lo-ei? Anima-me a intenção de ser o mais justo possível; porei de lado todas as afeições para seguir retilineamente. Assim pensando aceitei uma apresentação do dr. Campos Sales para o dr. Luís Viana que me tratou gentilmente. É escusado, porém, declarar que motivos de ordem elevada, fizeram com que agradecesse os seus oferecimentos. Aquela apresentação era indispensável não só para afastar injustas prevenções como também porque vindo eu no Estado Maior do general Bittencourt e estando este hospedado com o governador, o que me obriga a ir diariamente a palácio, sem ela, somente vexado cumpriria esse dever.
[…]
Trago à Bahia a mais nobre e elevada aspiração e hei de realizá-la.

Estou certo que meu velho amigo e chefe que me conhece bastante aprová-la-á inteiramente.
[…]

Carta escrita às pressas, tão às pressas que inverti a folha de papel: são as preocupações constantes agravadas pelas saudades dos entes queridos.

Bahia, 20 de agosto de 1897

Porchat

Desejo-te saúde e felicidades assim como a toda a família.

Ainda aqui: estou há quinze dias e deves avaliar com que contrariedade. Estou bom, porém, e animado. Infelizmente o ministro não permitiu que eu o precedesse e fosse esperá-lo em Canudos; de sorte que temo não ir a tempo de assistir a queda do arraial maldito.

A vida aqui além de insípida e lúgubre — uma distração única — assistir à chegada dos feridos, assistir à partida das tropas. Uma coisa pavorosamente monótona. Custa-me a suportar a empresa — suportá-la-ei, porém, inflexivelmente; a despeito de tudo. Basta dizer-te que depois de grande constipação assaltou-me a hemoptise habitual, ontem. Nada disto, porém, me desanima; irei até aonde me levar o último resto de energia e só voltarei quando a marcha para frente for um suicídio. Saudades ao Nogueira, saudades a todos os amigos e recomenda a toda a tua digna família o amo

Euclides

Escreva-me para o Banco Comercial, aos cuidados do sr. José Rodrigues Pimenta da Cunha — Bahia.

[Timbre: José Rodrigues Pimenta da Cunha]

B. do Descalvado, 27 de outubro de 1897

Porchat

Desejo-te saúde e felicidades.

Desculpa-me o ter partido daí sem ter procurado ver-te. Saí doente — e ainda estou; ainda tenho restos da maldita febre.

Sou caipora! Não assisti às festas feitas aos teus valentes patrícios!

Não posso escrever muito; estou quebrando uma dieta para conversar um pouco contigo. Recomenda-me a toda a família. E escreva-me, escreva-me logo que receberes esta.

Estarei de volta nestes 15 dias.

Adeus. Receba um abraço do amo

Euclides

[Timbre: M. R. Pimenta da Cunha — Fazenda da Trindade — Belém do Descalvado]

S. Paulo, 18 de dezembro de 1897

João Luís

Recebi a tua carta e imediatamente respondi-a. Ao ler porém, ontem na fazenda do velho aonde estou com a família a notícia da tua estada aqui, resolvi partir a fim de abraçar ao estimadíssimo amigo. E passei pela decepção de não te encontrar, embora o Correio Paulistano dissesse que pretendias demorar aqui alguns dias.

A Saninha envia um abraço e parabéns a d. Fernandina pelo bom sucesso.

Eu… tenho muito que te contar mas empraza-te para outra ocasião. Agora é impossível; estou atarefadíssimo porque tenho de voltar amanhã para a roça e estou sobrecarregado de encomendas.

Mas dentro de quatro dias estarei aí — in mente já se vê ao teu lado, ao lado do esplêndido e nunca esquecido companheiro.

Adeus. Por hoje apenas uma apertado abraço do amo velho

Euclides

Lembranças aos bons amigos daí.
Endereço: Belém do Descalvado
(Estação Aurora)

S. Paulo, 19 de dezembro de 1897

Meu caro Porchat

Aí estive um dia— rapidamente e não tive ocasião de abraçar-te. Volto logo para a roça porque me sinto outra vez doente. Desculpa-me, pois. O Mesquita acaba [de] dizer-me que o Franco da Rocha tem um livro sobre a mania religiosa — e que me é destinado. Peço-te, pois, procurar aquele nosso amigo — e enviar-me o livro para o Descalvado (Estação da Aurora). Não registre, porém, porque ocasionaria maior demora. Adeus, vá desculpando sempre todas essas aparências de ingratidão do sempre amo

Euclides da Cunha

[Timbre: O Estado de S. Paulo — Propriedade de J. Filinto & Cia — Rua 15 de Novembro, 58 — S. Paulo]

Descalvado, 23 de dezembro de 1897

Ilustre amigo Domingos Jaguaribe

Agradecendo penhoradíssimo a saudação sincera do distinto amigo devo dizer-lhe que a copio em tudo desejando-lhe felicidades assim como a toda a Exma. família. Nada respondi à sua primeira carta, porque a recebi numa quadra em que o meu estado de saúde impedia a leitura do folheto que a acompanhava. Aguardava completo restabelecimento para dizer-lhe então, após atenciosa leitura, a minha opinião desautorizada. Infelizmente continuo ainda às voltas como os remédios e ao partir há cinco dias para S. Paulo tive que voltar logo, demorando-me apenas um dia aí porque recrudesceram os incômodos. Ainda estou sob as vistas de médico (o dr. Miranda Azevedo) e portanto sob um regime dietético no qual a abolição do estudo é quase imposta. Guardo por isto ainda para ulterior leitura o seu trabalho porque se o lesse agora não sofrearia o desejo de dar a minha opinião e faria um esforço que nas condições atuais seria prejudicial.

Porque um dos maiores problemas desses tempos, ligando-se a sérias questões da mecânica e da física, para ser encarado com firmeza exigiria muito estudo e muita atenção.

Além disto, li, logo depois, no Jornal do Commercio, que o seu invento tinha sido subordinado ao estudo da notável congregação da Escola Politécnica do Rio — e nosso digno amigo sabe que a ciência, a suprema niveladora — apesar disto, também tem os seus titulares, a sua aristocracia que não vê com bons olhos a precedência dada aos quase profanos, aos que ainda não se armaram cavaleiros numa luta séria — e eu estou neste último caso.

Tenho naquela escola antigos mestres — devo ceder-lhes a primazia no juízo; quero ouvir-lhes uma nova lição.

O que mais uma vez lhe afirmo com sinceridade é que da rápida observação que fiz do seu invento, com as indicações que me deu na ocasião, tirei uma conclusão favorável — e no mesmo dia, na redação do Estado, uma hora depois, em conversa com amigos manifestei-me francamente crente na exequibilidade da invenção.

Vou ler o folheto e ao mesmo tempo aguardar o juízo daquela congregação. Não acredite, porém, que o magister dixit seja para mim uma fórmula absoluta e esmagadora; sou um disciplinado mas não um submisso incondicional; um voto contrário por mais peso que tenha não me fará vacilar na defesa se da leitura do seu trabalho concluir a exequibilidade do invento.

Ainda não li o Juvenal Galeno; ando verdadeiramente acabrunhado e sem disposição para o trabalho — e olho para as páginas em branco do livro que pretendo escrever e parece-me às vezes que não realizaria o intento.

Acredita na consideração e estima de quem é amo crdo. obrdo.

Euclides da Cunha

Belém do Descalvado
(Estação da Aurora)

Salvador, 1897

Ilustre Pethion de Villar
Ontem à noite procurei recordar alguns trechos dos “Holandeses” e dos “Bandeirantes”. Aí vão truncados, mal recordados. É uma lembrança vaga e nada mais.

Recado de quem seria feliz se fosse um confrade
Euclides
[Cartão de visita] Impresso: Euclides da Cunha ― engenheiro militar