O Paiz, Rio de Janeiro, 16 de Agosto de 1909
A morte de Euclides da Cunha
Um doloroso drama de sangue – As causas e os fatos – As declarações à polícia – O transporte do corpo – As manifestações de pesar – O enterro.
Varado de balas, num subúrbio distante e ermo, a que o conduzira a perturbação de uma idéia fixa e o aguilhão mordente de uma suspeita alucinadora, morreu ontem Euclides da Cunha, o escritor poderoso que a publicação dos “Sertões”, o seu primeiro livro, deu ao Brasil a glória de um novo estilista e a segurança de uma alta capacidade de estudo e de trabalho posta ao serviço constante do país.
Hoje não há em toda a vasta extensão da nossa terra pessoa medianamente culta, que lhe não conheça o nome. O seu aparecimento nas letras fez-se sem hesitações e tentativas. Foi como a arraiada radiosa de um sol; e desde então, aureolado de um prestígio que aumentava com o tempo, ficou sendo na vida contemporânea um vulto inconfundível e um consagrado.
Mas Euclides da Cunha tinha já antes da sua primeira obra um perfil distinto; o escritor ainda não se havia revelado, porque ainda se não completara o estudioso. Um longo preparo científico, feito com um meticuloso rigor e uma paciente cultura literária, bebida nas fontes mais puras da língua, deviam preceder a sua aparição como autor e formar a base sólida em que havia de assentar indestrutivelmente a sua obra e o brilho do seu nome.
O seu sucesso é recente: data de uma dezena de anos, se tanto. Mas as condições desse sucesso foram criadas por ele na dedicação ao estudo e à ciência em toda uma mocidade de serena, obscura, retraída operosidade.
Adolescente ainda, abraçou a carreira das armas, não que o empolgasse a sedução da glória militar, mas porque via nela a satisfação da sua sede de saber e era ela que lhe oferecia condições mais seguras de aquisição dos materiais de que precisava para a sua completa organização intelectual.
A Escola Militar era como um arsenal em que se fundiam e se modelavam as idéias avançadas, em que crepitava a chama viva das aspirações generosas e em que ao mesmo tempo o ardor desses impulsos da mocidade se temperava no trato severo da ciência.
Para esse meio transplantou-se Euclides da Cunha; e lá, como planta em uma estufa, se desenvolveram as suas faculdades intelectuais rápida e vigorosamente.
As abstrações empolgantes da matemática pura, os encantos das ciências físicas e naturais, enchiam-lhe as horas de trabalho; os sonhos de remodelação política do país, os devaneios de arte, as encantadoras visualidades de um futuro fecundo, tomavam-lhe o tempo que sobrava às exigências superiores do estudo.
E assim, nessa aliança entre as positividades cruas da ciência e as sedutoras perspectivas da arte, o seu espírito foi se fortalecendo e adquirindo a feição original, que o havia de elevar mais tarde às culminâncias da intelectualidade brasileira.
Ele já era, no entanto, um emotivo, e mais que isso, um impulsivo.
Ímpetos de rebeldia agitavam-no por vezes, porque se o meio altamente intelectual em que achava garantia-lhe a consecução de necessário cabedal aos seus ulteriores trabalhos, as peias da disciplina militar, dificultavam-lhe de alguma forma a adesão franca e eficaz à causa republicana, que era o seu grande sonho de patriota.
E um dia, quando o ministro da guerra, que era então o conselheiro Thomaz Coelho, passava em revista o corpo de alunos, notou com espanto que um, tomando a espada pelo cepo e pela ponta da lâmina, partia-a violentamente contra o joelho erguido e atirava ao chão em dois pedaços a arma que devia ser, nas mãos de um soldado, a guarda permanente e a defesa vigilante do regime monárquico.
Era um ato de indisciplina, se o tivermos de olhar sob o critério exclusivo e estreito dos regulamentos, mas era antes de tudo uma manifestação de sinceridade.
Verificado o nome do rebelde, viu-se que era Euclides Cunha.
O moço de então era um republicano ardente: julgou que não podia e não devia servir a monarquia como soldado, sem trair a sinceridade do seu sonho de moço.
Parecia-lhe uma deslealdade. Esta idéia fuzilou-lhe no cérebro e produziu instantaneamente o ato de insubordinação.
Valeu-lhe o desligamento da Escola Militar esse gesto resoluto e nobre de franqueza.
O seu curso interrompeu-se por isso, e só foi reatado e concluído, quando as instituições republicanas, implantadas no país, permitiram ao indisciplinado de outros tempos voltar, sem constrangimento, às fileiras do exército.
Do brilho que assinalou a sua passagem pela Escola Militar, tanto antes como depois de 1889, se não trabalhos e testemunhos escritos, como depois apareceram na sua carreira literária, há em compensação a tradição oral dos seus companheiros de estudo.
Mas, apesar de voltar ao exército, nem por isso essa volta significava a sua definitiva permanência na carreira de que pouco mais tarde se demitia, estando já graduado 1º tenente.
Na vida civil foi que veio frutificar em resultados esplêndidos o trabalho pertinaz de toda a sua mocidade, vivida no recolhimento fecundo dos livros.
Apareceram os “Sertões”. Livro nascido da sua visita a Canudos onde o exército se achava em operações contra os jagunços insidiosos de Antonio Conselheiro, resultado da observação direta exercida sobre as condições desses trechos do Brasil ignorado que se chamam sertões, estudo tanto profundo pelo rigor dos seus exames quanto encantador pelos primores novos da sua forma, esse trabalho revelou ao Brasil um nome que havia de ser em breve um título de orgulho.
O livro obteve um sucesso enorme; pode-se mesmo dizer que de alguma forma causou escândalo.
Havia nele cruezas de análise, como havia rutilações de estilo.
E tanto aquelas como estas eram acusações a que não estava muito habituado naquela época o público que lê.
O seu estilo era principalmente, um motivo de pasmo: era pomposo, animado, colorido, quente. O período ora cortava como uma lâmina, seca e brava; ora se enchia sonoramente e rolava com um fragor de onda a quebrar-se.
Surgira com os “Sertões” um estilista; manifestara-se nos “Sertões” o estudioso de outr’ora.
Tiraram-se em pouco tempo várias edições da obra e esse constitui por certo o melhor elogio dela numa terra em que uma 2ª edição é um acontecimento.
Depois Euclides da Cunha continuou a trabalhar e a estudar. Os jornais disputavam-lhe a colaboração preciosa; e entre aqueles a que deu artigos e estudos, o “Paiz” foi dos primeiros.
Não era, no entanto, o jornal o seu meio intelectual; o livro convinha muito mais à natureza dos assuntos de que se ocupava.
Nome tocado de glória, reputação indiscutida de escritor, entrou para a Academia Brasileira, por uma votação que é ainda um reflexo da unanimidade dos aplausos que lhe dispensava o nosso meio culto.
Ultimamente completou com dois livros novos a fama que conquistara com o primeiro.
Deu ao público os “Confrontos e contrastes” e o estudo “Peru versus Bolívia”, que ainda há pouco acaba de ser invocado por um país inteiro pelo órgão do seu governo, como uma prova do seu direito em litígio de fronteiras.
Aberta a inscrição do concurso da lente de lógica no atual Colégio D. Pedro II, apresentou-se candidato e com tal brilho fez as diversas provas, que o governo o nomeou para catedrático daquele estabelecimento.
Em pleno vigor dos seus 42 anos de idade, quando havia chegado gloriosamente à plenitude do talento, da ilustração e da vida, morre no doloroso desfecho de um longo e aflitivo drama moral.
As Causas
É difícil determinar as causas deste fato pungente que impressionou profundamente toda a capital. Não se podia explicar o motivo que levou esse espírito, tão operoso e tão equilibrado, apesar da sua extrema vibratilidade, a um ato que seria um desmentido à ponderação e ao método, se ele não tivesse em si mesmo uma causa poderosa a impeli-lo. E tão estranho era ao feitio de Euclides da Cunha o fato em que foi protagonista e vítima, que todos aqueles que viram os primeiros boletins noticiando o assassinato do grande escritor, recusaram-se a aceitá-lo desde logo com a expressão verdadeira do caso, e não faltou quem atribuísse a nova a uma coincidência de nomes, a um equívoco de pessoas, ocorrendo, de certo, o fato com pessoa próxima do estilista dos “Sertões”; e no qual a idade e a índole, podiam permitir aventuras desse desfecho.
Com efeito, depois de publicados os boletins, surgiram notícias, que pareciam de fonte autorizada, nas quais se afirmava justamente o que muitos conjecturavam. O morto não era o Dr. Euclides da Cunha, não fora ele o envolvido na tragédia pungente da estrada Real de Santa Cruz, o protagonista do drama, o assassinado era outro. Alguns boletins foram retirados.
Pouco depois chegava, porém, pelo telefone, de nosso repórter, a confirmação da triste realidade. Era bem verdade que fora assassinado o brilhante manejador da prosa.
Por que? Não o saberíamos afirmar com sinceridade. Os depoimentos feitos e as versões espalhadas aludem a um estado de espírito que ciúmes injustificadores teriam criado, a zelos que agiram, cada vez mais perencientes, como um perturbador da lúcida visão de Euclides da Cunha.
Mas não é demais acreditar que eles agissem como age toda a idéia que se não repele imediatamente, tomando vulto sem razão para isso, mas nem por isso dominando menos o espírito vibrátil do escritor, e impelindo-o à prática de um ato que, em outras condições não cometeria.
É bem de crer-se que as fadigas intelectuais a que se entregou com afinco, nestes últimos tempos, aquele vigoroso, mas sensibilíssimo organismo, notadamente as do último concurso em que se empenhou Euclides da Cunha, tivessem concorrido para, enfraquecendo-lhe as energias, facilitar o impulso irrefreado que deu causa à perda irreparável e a uma pungente situação.
Há neste caso situações dolorosas de espírito que é lícito revolver. Ciúme, neurastenia, repulsas de brio ferido, pode ter sido tudo isso e não ter sido nada. É a eterna contingência da vida frágil, dolorosa e inexplicável.
Antecedentes
Seriam pouco mais ou menos 10 horas da manhã, quando repetidos estampidos de tiros de revólver, alarmaram os raros e pacatos moradores da estrada Real de Santa Cruz, no trecho de Inhaúma, pondo-os em sobressalto.
Ávidos de curiosidade e passada a primeira impressão, procuraram averiguar de que se tratava; e dirigiram-se alguns para os lados de onde lhes parecera ter partido o tiroteio, que era na casa n. 214, residência de dois moços estudantes militares.
Aí, alguns populares mais animosos, penetraram no pequeno jardim, deparando-se-lhes estendido ao chão, com o dorso inclinado sobre os degraus de uma pequena escada que dá saída da casa, o corpo de um homem, todo ensangüentado, e que no momento estava sendo carregado para o interior, por dois outros, também ensangüentados, e em cujas fisionomias se espelhavam grandes dores físicas e morais.
Estupefactos com o que presenciavam, não lhes ocorreu logo, à mente a idéia de penetrarem na casa; conservaram-se em uma atitude misto de medo e respeito, até que um dos do grupo falou, lembrando chamar-se a polícia, idéia a que logo outro acedeu, partindo a correr em demanda da delegacia.
Enquanto isto se passava, chegava ao local uma senhora acompanhada de um rapaz que carregava nos braços uma criança; e apressada, arfando de cansaço, rompia o agrupamento de curiosos, e penetrava também na casa.
A esse tempo o comandante da guarda noturna, que havia recebido pelo telefone aviso do que ocorria, chegava à casa e penetrava-lhe no interior, encontrando sobre uma cama de ferro um homem arquejando, e ao lado deste dois outros feridos, prostrados, e mais um rapaz, uma senhora, e uma criança.
O seu primeiro cuidado foi chamar um médico, acudindo o Dr. Capanema de Souza que pensou os dois feridos sem poder fazer mais nada, em relação ao outro, que falecia à sua chegada.
Tomadas estas providências, e já se achando no local o Dr. Alcântara, delegado, e o escrivão acompanhado de praças foi dispersado o grupo de curiosos, que já havia invadido a casa, sendo então, interrogados os feridos, a senhora e o rapaz.
Apurou a autoridade em um ligeiro interrogatório feito aos feridos que estes eram os irmãos Dilermando Cândido de Assis, de 21 anos, aspirante do exército, e Dinorah Cândido de Assis, de 20 anos, aluno paisano da escola da marinha; que o morto era o Dr. Euclides da Cunha, lente da cadeira de lógica do Externato Nacional, ex-Ginásio Nacional, e que a senhora era sua esposa D. Anna Solon da Cunha, que ali estava com os seus dois filhos, Solon e Luiz.
Depois de saber dos nomes dos personagens tratou a autoridade, para a elucidação do caso, de orientar-se sobre as suas causas.
Disseram então, eles, que eram naturais do Rio Grande do Sul, filhos do ex-tenente do 2º regimento, João Cândido de Assis e de D. Joanna Carolina de Assis, já falecidos; que eram parentes de D. Anna Cunha, e a quem dedicavam muita amizade, e que depois da morte de seus progenitores, vieram para o Rio estudar, sendo sempre, tanto por ela como pelo Dr. Euclides, muito bem tratados, freqüentando-lhes a casa, isto durante alguns anos, sem que houvesse a menor sombra de desgosto.
Há um ano e pouco, porém, começaram a notar uma certa frieza, no modo de tratar do Dr. Euclides, que se foi acentuando cada vez mais, chegando-lhes mesmo aos ouvidos, que ele não os via com bons olhos, nutrindo suspeitas de caráter íntimo, infundadas, entretanto.
Cada vez mais acentuando-se essa constrangida situação, resolveram deixar de freqüentar-lhe a casa e comunicaram à D. Anna, a quem devem favores e obséquios extraordinários, a sua resolução, dizendo-lhe, com franqueza, os motivos a que a isso os levavam.
Aquela senhora, que os estimava sobremodo, e que não comprava para os filhos um objeto, que não comprasse também para os dois moços, sentia-se com o fato, mas concordou com eles e pediu-lhes que para onde se mudassem lhe comunicassem, que ela não se esqueceria deles e que estaria sempre pronta para auxiliá-los no que pudesse, pelo muito que devia aos seus falecidos pais.
Dilermando, então, escreveu uma carta ao Dr. Euclides da Cunha, agradecendo-lhe o tratamento que lhes dispensara sempre e ao mesmo tempo fez-lhe sentir a mágoa que tinha de pôr ele em dúvida os seus sentimentos de rapaz honesto e respeitador; ao que lhe respondera em carta o Dr. Euclides da Cunha, não ser exato que suspeitasse deles, e que continuava, por seu lado, a ser o mesmo de sempre.
Apesar disso, os dois irmãos, passaram a residir na casa da estrada Real de Santa Cruz n. 214, só comunicando a sua nova residência à D. Anna, que uma vez por outra os ia visitar, acompanhada sempre de seu filho mais velho, Solon, e de um outro filho, menor, e levava-lhes presentes, etc.
Assim residiam eles, há um ano, na casa em questão, sem freqüentarem a casa do Dr. Euclides da Cunha, sabendo, entretanto, que continuava a manter as mesmas suspeitas, cada vez mais, acirradas por uma senhora, parenta da família, que mora na casa do Dr. Euclides da Cunha, a qual, pelo seu temperamento, em vez de acalmá-lo e dissuadi-lo da preocupação que o irritava, achava razoável o seu modo de pensar. Esta é a narrativa feita por Dilermando.
Ontem, pela manhã, estava Dinorah, à janela da sala da frente, que dá para o jardim, e Dilermando deitado em seu quarto, com a porta fechada, a ler, quando apareceu o Dr. Euclides da Cunha, que perguntou a Dinorah se a sua esposa e filho não se achavam ali, e como Dinorah lhe respondesse negativamente, ele abriu a cancela do jardim, entrou na sala e dirigiu-se pelo corredor, em direção à sala de jantar.
Ao chegar em frente à porta do quarto de Dilermando, que se achava fechada, ele abriu-a a ponta pés, e entrando no aposento, sacou rápido de um revólver, dizendo ao rapaz:
— Agora, miserável, vais pagar-me!
Este quis levantar-se, mas o Dr. Euclides da Cunha detonou a arma, ferindo-o na virilha direita, e ainda o alvejou por duas vezes mais; perdendo-se, porém, as balas, que foram se alojar na parede.
Dinorah, vendo seu irmão ferido, correu para defendê-lo, tentando colher os braços do que atirava; mas o Dr. Euclides da Cunha, sentindo-se preso pelas costas, voltou o revólver contra o rapaz, que o abandonou, fugindo pelo corredor. O escritor então alvejou-o, atingindo-o na região dorsal.
Nesse ínterim, Dilermando tirou um revólver, que se achava sobre uma prateleira e deu dois tiros seguidos para a parede, afim de intimidá-lo, o que não conseguiu, virando-se o Dr. Euclides para ele, atirando repetidamente e ferindo-o na região estomacal e mamelão direito.
Dilermando, nesta situação, atirou com pontaria, ferindo-o no pulso direito, no braço esquerdo e na região infra-clavicular direita, ferimento este que lhe ocasionou a morte.
Sentindo-se sem forças para lutar e sem mais uma bala no revólver, o Dr. Euclides ganhou a porta da rua para sair e aí ao descer os poucos degraus, cambaleou e caiu.
Aproximaram-se dele, Dilermando e Dinorah, e a custo, o carregaram para a cama, onde o colocaram, perguntando-lhe o primeiro, porque fizera tal loucura, sem motivo algum. Ao ouvir essas palavras o Dr. Euclides da Cunha encarou-o e balbuciou:
— Odeio-te, mas te perdôo.
Meia hora depois era cadáver.
Foi esta, como dissemos já, a narrativa feita pelos irmãos Dilermando e Dinorah, ao delegado, Dr. Alcântara.
Versões
As versões alheias aos depoimentos policiais ajuntam algumas notas a este caso doloroso, notas antecedentes ao drama de sangue.
Depois do afastamento dos dois rapazes da sua residência, ficara morando o Dr. Euclides Cunha com a sua família e duas senhoras, tias de Dinorah e Dilermando, à rua Nossa Senhora de Copacabana n. 23 H.
Parece que, por questões de incompatibilidade de gênios, não havia muita harmonia entre aquelas senhoras e a esposa do Dr. Euclides Cunha, que, por esse motivo, procurava, por males suazories, ver se conseguia afastá-las de casa, para arredar uma situação constrangedora.
Por esses motivos, consta, apareceram as primeiras rusgas no casal e dúvidas no espírito do Dr. Euclides Cunha, com relação aos dois rapazes, que se foram acentuando cada vez mais.
Há Dias, D. Anna Cunha retirou-se para a casa de sua progenitora, em companhia do seu filho menor, Luiz, no campo de S. Cristóvão n. 94, afim de ver se assim as duas senhoras se afastavam de casa.
Sábado último, o Dr. Euclides foi à casa de sua sogra procurar a esposa e, aí chegando, não a encontrou, por ter ela saído com destino ao Colégio D. Pedro II, para visitar seu filho Euclides, que se achava enfermo.
Esperou-a por algum tempo e, como ela não regressasse, ele saiu e foi ao colégio, de onde retirou o menino, levando-o para casa, onde, chegando, em conversa com uma das senhoras em questão, D. Angélica Rato, bastante indignado, declarou que no outro dia, pela manhã, poria termo definitivamente àquela situação, que, que mataria Dilermando, que ele considerava o fator dessa desarmonia.
O seu filho Solon, que tudo ouvira, saiu de casa e foi à residência de sua avó, e contou a D. Anna Cunha o que seu pai havia dito.
Esta, temendo pela sorte dos dois rapazes, ontem, pela manhã, vestiu-se e, acompanhada de Solon e Luiz, dirigiu-se de trem para a estação da Piedade, onde desembarcou, tomando a direção da casa deles, afim de avisá-los.
O Dr. Euclides Cunha, por sua vez, muito cedo deixou o seu lar, com um revólver Smith and Wesson, de sete tiros, no bolso, e tomou o mesmo rumo, chegando primeiro que ela uns dez minutos apenas.
Como não soubesse, ao certo, a casa, pôs-se a indagar e a perguntar onde moravam dois estudantes militares, até que, com algum trabalho, conseguiu descobrir-lhes o paradeiro.
De modo que D. Anna, com seus dois filhos, ia chegando à casa de Dinorah e Dilermando, quando ouviu os disparos e, a correr, para ali se encaminhou, certa de que uma grande desgraça naquele momento ali se desenrolava.
Era tarde, como vimos na narrativa antecedente.
O Transporte do Corpo
Só às 5 ½ horas da tarde pôde ser transportado o corpo do malogrado escritor.
O capitão João Ribeiro da Silva, comandante da guarda noturna de Inhaúma, fez levar para a casa da estrada Real de Santa Cruz a maca de transporte de feridos, onde foi colocado o cadáver, composto com as próprias roupas que na ocasião trajava.
Pôs-se, então, a caminho, o primeiro cortejo, modestíssimo, mas solene, através o lamaçal que se estendia por toda a vasta zona suburbana.
Era apenas um grupo de autoridades da polícia, repórteres e populares, moradores nas cercanias, que se revezavam pelo caminho impiedoso. À chegada à rua Goiás, a maca era levada pelo capitão Ribeiro da Silva, o negociante Manoel de Jesus, e pelos repórteres da “Gazeta de Notícias” Alcides Silva, e Amerim Júnior, do “Paiz”.
Assim se fez o trajeto até a estação da Piedade, onde o corpo do Dr. Euclides da Cunha ficou depositado no armazém de bagagem, até a chegada do trem de subúrbio, que ali passa às 6 horas e 24 minutos.
À chegada do comboio, o corpo foi conduzido para um carro próprio, reservado, requisitado pelo delegado de polícia, e todos partiram com ele para esta capital, onde aguardavam a chegada do trem os Srs. Felix Pacheco, Pinheiro Chagas, Dr. Oliveira Alcântara, José Cordeiro, Medeiros e Albuquerque, Porphirio Camello, João Guedes de Mello, Mário Guaraná, Eustachio Alves, João Guimarães, Georgino Avelino e outras pessoas, representantes do “Jornal do Commercio”, “Gazeta de Notícias”, “Paiz”, “Jornal do Brazil”, “Correio da Manhã”, “Imprensa” e “Diário Portuguez”.
Na estação central da Estrada de Ferro Central do Brasil já se achava o coche fúnebre da assistência policial, para onde foi transportado o corpo, que seguiu para o Necrotério, às 8 horas da noite.
Neste estabelecimento foi o cadáver depositado na última mesa da ala esquerda, onde o velaram durante toda à noite muitas pessoas do mundo literário, jornalistas, etc.
Algum tempo depois de estar ali o corpo do Dr. Euclides da Cunha, chegou um automóvel do ministério das relações exteriores, conduzindo dois representantes do barão do Rio Branco, que levavam dois grandes ramos de flores naturais.
Foram estas dispostas em torno do cadáver.
Alguns fotógrafos de revistas e jornais ilustrados tiraram algumas provas ali.
A Polícia
Depois das declarações prestadas pelos dois feridos com permissão do médico, foram eles transportados, por ordem da polícia, em carro da assistência policial, até a estação da Piedade, onde tomaram um trem para a cidade, acompanhados de comissários, desembarcando Dilermando, na estação de S. Francisco Xavier, de onde foi transportado para o hospital do exército, e Dinorah, chegando à estação Central, foi em auto-ambulância da assistência municipal, transportado para o hospital da Misericórdia.
Dos bolsos da vítima foram arrecadados, uma caderneta do London Bank, com seis cheques destacados e quatro por encher, uma carteira de pele de cobra com um monograma de prata, vários cartões, selos do correio, um recibo do aluguel da casa, dois outros de matrícula do Ginásio Nacional do menor Euclides, uma cédula de 50$; dois retratos, sendo um do morto, com uma dedicatória, quando noivo, oferecido a dona Anna Cunha e um outro de um amigo; um anel de engenheiro militar, faltando duas pedras, perdidas há três anos, conforme declarou a esposa da vítima e um relógio oxidado.
Depois da saída do corpo, retirou-se então da casa, acompanhada de seu filho Solon, que levava nos braços o pequeno Luiz e do Sr. Coelho Netto, que havia sido chamado por telegrama de D. Anna Cunha, pelo braço do Dr. Martins Fontes e dirigiram-se para a estação da Piedade, onde se achava encerrado num quarto, o cadáver, sobre a maca, coberto com um acolchoado vermelho, aguardando o trem para seguir para a estação Central.
A polícia soube que da estação de S. Francisco Xavier, foi passado um telegrama para D. Angélica, tia de Dinorah e Dilermando, nestes termos: “Está feita a sua vontade”. – Guisinho Affonsinho”.
Na Academia de Letras
Podemos adiantar que a Academia de Letras fará transportar para sua sede, no edifício do Silogeu, o corpo do estimado literato, um dos seus membros mais queridos.
Será ali armada a câmara ardente, para ser exposto o corpo por alguns dias.
Para isso, o governo já tomou providências para que seja embalsamado o cadáver.
Daí sairá o enterramento, com todas as regras de grande funeral, para o cemitério de S. João Baptista.
Estão deliberadas várias manifestações de pesar pelos membros da academia.
O Paiz, Rio de Janeiro, 17 de Agosto de 1909
A morte de Euclides da Cunha
As derradeiras homenagens – No necrotério, no Silogeu e na necrópole – Na Câmara – Ainda o doloroso drama – O inquérito – O estado dos feridos – Notas várias.
Dentro de um carneiro do cemitério de S. João Baptista estão desde ontem, às 6 horas da tarde, sepultados o grande cérebro e o amplo coração que foram Euclides da Cunha, e com eles coberto da terra passageira o enigma desse doloroso drama moral que roubou ao país um dos mais profícuos trabalhadores e um dos mais vigorosos caracteres.
As homenagens de que cercaram ontem aquele féretro ferido, não somente o carinho dos intelectuais, mas ainda a intensa emoção popular, dão bem a noção do que foi a perda sofrida, homenagens que seriam um consolo bastante se houvesse ali a perda de um homem. Com o desaparecimento de Euclides da Cunha desaparecem; entretanto, esperanças que estavam agora a frutificar, e esperanças tanto mais sentidas quanto esse admirável lapidário da forma, que se impusera, ao surgir, antes de tudo, pelas cintilações do estilo, não ficara na vida intelectual brasileira como um simples e maravilhoso estilista, mas vinha-se afirmando por uma série de obras e de manifestações ligadas à utilidade interna do país e aos seus altos interesses internacionais.
A brutalidade do incidente que interrompeu essa vida necessária, o contraste entre as pequenez dos fatores desse incidente repulsivo e a grandeza desmedida da perda que eles produziram, avivam e aumentam a emoção de uma desoladora e tornam esse sentimento muito mais de desconforto ainda que de revolta.
O enterro do malogrado analista do “Peru versus Bolívia” não representou, de certo, apesar do acompanhamento numeroso, a admiração e a mágoa geral de que o corpo inerte de Euclides Cunha foi o objeto carinhoso; e isto porque à necessidade de fazer ontem o enterramento, publicamente anunciado para daqui há dias, impediu que o acompanhamento fosse maior, pela ignorância, aquele respeito, da maior parte da gente, principalmente do elemento popular. A romaria, entretanto, ao Necrotério, nas primeiras horas da manhã, e ao Silogeu, mais tarde, romaria não de curiosidade, mas de sentimento, acentuam bem o que foi essa mágoa e o que seria a transladação dessa generosa vítima do próprio coração se os amigos todos e todos os admiradores soubessem da hora da cerimônia.
O enterro de Euclides da Cunha, as homenagens expressas pela massa constante do povo que se avizinhou do féretro, foi a mais tocante e significativa consagração da vida brilhante e da morte dolorosa, que integraram na mesma dignidade a figura saudosa desse profícuo trabalhador, reto, inteligente e bom.
No Necrotério – Autópsia
Durante a noite de ontem, foi velado o cadáver do desventurado escritor, que se achava colocado à última mesa, à esquerda do Necrotério, por vários amigos, entre os quais os seus parentes Srs. Arnaldo Pimenta da Cunha, e Luiz Nestor Augusto da Cunha, Olavo Bilac, coronel Ernesto Senna, oficiais do exército e outras pessoas.
Pouco depois das 10 horas da manhã, chegaram os Drs. Afrânio Peixoto, chefe do gabinete médico legal da polícia; Diógenes Sampaio, Alfredo de Andrade, diretor do Laboratório Químico; Raymundo Caó e Cunha Cruz e os auxiliares Soares de Almeida e Roberto Bruce.
Depois de uma curta demora, foi o corpo conduzido para a sala das autópsias, onde foi procedido o exame cadavérico, pelos Drs. Afrânio Peixoto e Diógenes Sampaio, que tinham como assistentes os Drs. Cunha Cruz, Caó e A. de Andrade.
Despido o cadáver, foi feito em primeiro lugar o exame do hábito externo, sendo constatados vários ferimentos por bala, de calibre regular, continuando então a autópsia, que terminou ao meio-dia.
Recomposto o cadáver, foi novamente vestido e colocado dentro de um caixão de 1ª classe, lavrando o Dr. Afrânio Peixoto, o seguinte auto:
Inspeção externa – “O cadáver é de um homem branco, medindo 1m65 de comprimento, vestindo calça de casemira escura, ceroula branca de linho, desabotoada, em parte e descida, camisa de linho branco e outra interna de flanela, ambas manchadas de sangue, e apresentando ambas solução de continuidade de 21 milímetros de extensão e correspondendo a uma ferida na região infra clavicular direita. No dorso e à direita, estas vestes apresentam dois rasgões embebidos de sangue e correspondendo a dois ferimentos aí situados na pele. O cadáver está em estado de rigidez, de olhos e boca entreabertos, não se escapando líquido algum das cavidades naturais. Livores de hipóstase no dorso e partes declives.
Apresenta: na região infra-clavicular direita, a 11 centímetros de linha média e 10 centímetros da curva deltoidiana, um ferimento circular, de bordas enegrecidas e equimosadas, medindo dois centímetros em seu maior diâmetro, apresentando os caracteres das feridas por armas de fogo; na parte média do braço, na região antero-externa e postero-externa esquerda, dois ferimentos, também de bordas enegrecidas e auréola aquiomática em torno, medindo um 7 milímetros e outro 12, afetando a forma de orifício de entrada e de saída de um projétil, correspondendo-se pela sondagem. O braço esquerdo está encurtado e deformado, pela fratura do úmero com cavalgamento, crepitação, esquirolas e fragmentos ósseos.
No punho, à direita, uma ferida de bordas enegrecidas, medindo nove milímetros, correspondendo, na face palmar da mão, a uma outra ferida, de lábios revirados para fora e de um centímetro de extensão.
No dorso, à direita, na parte inferior da região costal, duas feridas: uma de bordas enegrecidas, medindo 15 milímetros, em seu maior diâmetro; outra de lábios revirados para fora, correspondendo-se pela sondagem, num trajeto de 55 milímetros, com o orifício de entrada e saída de um projétil.
Inspeção interna – Crânio e encéfalo, a calote resistente, meninges duras, pouco aderentes, apresentando-se bastante desenvolvidas as granulações de Pachioni.
Placas leitosas de lepto-meningite.
Ligeiro edema na imediação das circunvoluções rolândicas. O cérebro pesando um quilo e 515 gramas, foi retirado para ulteriores investigações.
Meninges aderentes à base do crânio.
Cavidade torácica e abdominal – O diafragma corresponde ao 6º espaço intercostal.
Nenhum líquido anormal na cavidade abdominal.
Aberto o tórax encontra-se, na cavidade pleural direita, um derrame sanguinolento de 1300 gramas de sangue escuro e fluído. Correspondendo à ferida externa, na região infra-clavicular, encontram-se em todos os tecidos moles um trajeto, de bordas equimosadas e penetrando na cavidade, lesando o pulmão no lobo superior através de toda a sua massa.
O pulmão direito apresenta numerosas aderências na parte superior e em sua massa nódulos numerosos.
O pulmão esquerdo igualmente aderente na parte superior e inferior do lobo superior. Na cavidade torácica esquerda existem 50 gramas de líquido sanguinolento.
O pericárdio contém cerca de 20 gramas de líquido citrino.
O coração vazio, flácido, com ligeiras sobrecargas gordurosas; cavidades esquerdas igualmente vazias.
Válvulas arteriais suficientes.
Placas de ateroma na aorta.
Coronárias vazias e permeáveis.
O pulmão direito apresentando numerosas sínfises na parte superior e dorsal.
O orifício externo já mencionado corresponde a um interno e inferior, indo ter após o trajeto de 9 centímetros a uma lesão da sétima vértebra dorsal, em cujo corpo penetrou o projétil, fraturando a costela direita correspondente e achando-se encravado na lâmina vertebral. É uma bala de chumbo, das de revólver, deformada na ponta, pesando 10 gramas e medindo 17 milímetros de comprimento sobre nove de largura na base.
Nódulos e núcleos caseosos na massa do pulmão direito.
O pulmão esquerdo grande, congesto e engorgitado nas partes declives, arejado, mas apresentando focos congestivos na sua parte superior; nódulos caseosos menos numerosos.
Abdômen – o fígado grande, apresentando-se à seção amarelado, havendo a espaços ligeira hipertrofia do tecido conjuntivo, o baço pequeno, retraído, exangue ao corte e se apresentando com ligeira hipertrofia do tecido conjuntivo.
O rim esquerdo de tamanho regular, cápsula aderente a espaços, nada apresentando de anormal.
O rim direito com a cápsula aderente a espaços, apresentando anemeado à seção.
O estômago grande, cheio de gases, contendo pequena quantidade de substância semi-líquida em digestão.
Intestino contendo líquido e gases, bexiga cheia de urina amarela clara.
“Causa mortis” – Hemorragia do pulmão direito devido a ferimento por arma de fogo, atravessando de um lado a outro o órgão. Além desta “causa mortis”, o cadáver apresenta três outras lesões por armas de fogo.”
Ao meio-dia e 40 minutos, saiu o esquife do Necrotério para a Academia de Letras, transportado em um coche fúnebre.
Pegaram nas alças do caixão os Drs. Afrânio Peixoto, José Veríssimo, Leôncio Correia e alunos do Colégio Pedro II, discípulos do extinto.
O coche partiu, rodando vagarosamente, sendo acompanhado, a pé, pelo general Dantas Barreto, coronel Ernesto Senna, pelo Instituto Histórico; Dr. José Veríssimo, comendador Leo d’Affonseca, Carlos de Araújo, desembargador Antonio Gomes, presidente do Tribunal da Relação do Estado do Rio; Drs. Nestor e Arnaldo da Cunha, Afrânio Peixoto e James Darcy, e Solon da Cunha, filho do extinto.
Chegado o féretro à praia da Lapa, foi o caixão tirado do carro e conduzido para a secretaria do Silogeu, armada em câmara ardente.
No Silogeu
Nas poucas horas que o corpo esteve exposto no Silogeu, foi grande o número, quer de amigos, quer de populares, que o foram ver e deitar o derradeiro olhar sobre a face do malogrado escritor.
Na rua a corrente popular foi constante, nem todos entrando, por timidez, ou por desconhecimento da permissão de entrar, mas revelando no olhar e nos comentários o sentimento que aquela morte causava geralmente.
Entre esses populares, não raro se aludia ao triste drama da estrada real de Santa Cruz, acentuando o comentário popular um ponto de vista muito diverso das narrativas dos jornais.
Essas narrativas eram analisadas e delas tiradas conclusões muito diversas daquelas a que pareciam conduzir. Houve frases indignadas, acusações francas, negativas convencidas do impulso neurastênico a que as informações colhidas pela reportagem filiavam a pungente cena e a irreparável perda.
Em dado momento, uma senhora, varou por entre os populares e penetrou o edifício.
— Será aquela? perguntaram.
— Era só o que faltava! responderam…
A concorrência popular permaneceu até a hora do enterro, avolumando-se nessa ocasião.
O Enterro
Às 4 horas da tarde, começaram a afluir dos salões da Academia Brasileira muitas pessoas que iam dizer o último adeus ao grande malogrado escritor brasileiro, ceifado na luta, quando dispunha das melhores armas para a vitória.
No centro do salão da secretaria da academia, estava armado o catafalco, ladeado de seis grandes tocheiros, sobre uma mesa forrada de veludo preto, tauxiado a ouro, achando-se aí o corpo do Dr. Euclides da Cunha.
Pouco antes de se fechar o caixão, aproximou-se dele um menor, guiado pelo nosso representante e pelo Sr. José Veríssimo.
Abeirando-se do corpo de seu pai, o “Guisinho”; como o chamam, desfez-se em prantos, sendo depois retirado por um primo do Dr. Euclides da Cunha.
Esta cena comoveu sobremaneira todas as pessoas presentes.
Ao fecharem o caixão o Sr. Coelho Netto, comissionado pela Academia de Letras, e nomeado pelo seu presidente, senador Ruy Barbosa, fez a última saudação ao ilustre colega, ornamento fulgente daquela casa, dizendo que agora que ele estava morto é que via quão grande ele era e que perda representava a sua morte para a literatura brasileira.
O Sr. Coelho Netto foi breve, devido ao cansaço que dele se apoderou, pois passara a noite toda em claro, junto de seu grande amigo.
Eram 5 ½ horas da tarde, quando pegaram nas alças do caixão os Srs. capitão-tenente Galvão Bueno, Miguel Calmon, Arnaldo da Cunha, Coelho Netto, José Veríssimo e Olavo Bilac.
O corpo foi colocado num coche fúnebre de 1ª classe, partindo logo depois, com destino à necrópole de S. João Baptista.
O préstito era composto de perto de cem carros e automóveis.
No Silogeu achavam-se presentes muitas pessoas, membros da academia, literatos, estudantes, amigos do morto e populares.
Entre os presentes, vimos os Srs.: capitão-tenente Galvão Bueno, representante do Sr. presidente da República; comendador Frederico de Carvalho, Dr. Augusto da Cunha, pelo Sr. ministro da fazenda; Dr. Pecegueiro do Amaral, pelo Sr. ministro do exterior; João de Souza Lage, comissão de alunos do Colégio Pedro II, senadores Ruy Barbosa e Sodré, Dr. Miguel Calmon, João Barbosa, por si e pelo “Estado de São Paulo” e Júlio de Mesquita; Ranulpho B. Cunha, por si e pelo senador Quintino Bocaiúva; comissão de alunos do internato Bernardo de Vasconcellos, D. Manoel Bernardez, jornalista argentino; Flávio Novaes, Drs. Araújo Jorge e José Moniz de Aragão, Alfredo Porto, Alberto Faria, coronel Ernesto Senna, por si e pelo Dr. Martins Francisco Filho; Emílio de Menezes, deputado Carlos Peixoto Filho, Viriato Correia, Dr. Octávio Novaes, Manoel de Carvalho, Dr. Leôncio Correia, Carlos de Araújo, Júlio de Medeiros, pelo “Jornal do Commercio”; Antonio Brito, Pereira Costa, Antonio Bruno, Theotonio de Oliveira, pela “Copacabana”; Mário Benjamin, pela “Kosmo” e “Careta”; Mário Cardoso, Joaquim Santos, Jonathas de Mello Barreto, Drs. E. de B. Raja Gabaglia e Ignácio Cochrane, por si e por seu pai; general Dantas Barreto, Ozório Duque Estrada, Adolpho Solon e Arnulpho Solon, pela viúva Solon; Drs. Lafayette B. R. Pereira, João Pereira Rego, Nestor Augusto Silva e Alfredo Rocha Filho, Mariano de Oliveira, Drs. João Ribeiro, Jacques Raymundo e Antonio Carneiro Leitão, pela Faculdade de Direito do Recife; Olympio de Niemeyer, Antonio Correia, Drs. Plínio Peixoto, Licínio Cardoso e Coelho Lisboa, comissão da Academia de Letras, composta dos acadêmicos Souza Bandeira, Olavo Bilac e Coelho Netto; Mário Menna Barreto, Luiz Santos, Fialho de Almeida, tenente Octávio Felix, Dr. Olympio da Fonseca, Ludgero Feital, do “Diário”; Armindo Pereira, Heitor Modesto, Traveiro José de Carvalho, Alfredo Guttenberg, Luiz Santos, Dr. Brício Filho, por si e pelo “Século”; Dr. Godofredo Cunha, Marques Pinheiro, Dr. Raphael Pinheiro, Victor da Silveira, por si e pela “Gazeta da Tarde”; Dr. James Darcy, Felix Pacheco, Lindolpho Azevedo, Sinval Saldanha, pela “Caçapava”; major Lacerda, Nicoláo Fragelli, pelo “Correio de Mato Grosso”; Silveira Martins Leão, Dr. Rodolpho Neiva, Mário Motta, Antonio Paço, por si e pela biblioteca do ministério das relações do exterior; Drs. Gentil Norberto, Arthur Lemos e Pinheiro Guimarães, por si e pelo Dr. Gastão da Cunha, ministro do Brasil no Paraguai; Dr. Deoclecio de Campos, Brito Guerra, José Cunha, Pedro Lima Valverde, pela “Propaganda”; Dr. Baptista Pereira, Amorim Júnior, do “Paiz”; acadêmicos Sylvio Romero, Felinto de Almeida, Medeiros e Albuquerque, José Veríssimo e Alberto de Oliveira, Dr. Pedro Santos, Manoel Couto, comissão dos professores do Colégio Pedro II, Dr. José Maria, Manoel Silva, deputado Eloy de Souza, Dr. Carlos Brito, Pedro Silva, Manoel Vieira, Castro Torres, e Ranulpho Cunha, do “Paiz”.
Sobre o coche e em dois carros que iam em seguida a ele achavam-se muitas coroas, entre as quais as seguintes:
“Ao bom Euclides, saudades de T. Araripe Júnior”, “Ao Euclides da Cunha, do desembargador Gomes e sua família”, “Saudades imorredouras de Adélia, Octaviano e filho”, “Ao seu distinto colaborador, o “Jornal do Commercio”; “A Euclides da Cunha, o “Paiz”; “Ao Euclides da Cunha, o seu admirador muito amigo Arthur Lemos”, “Ao Dr. Euclides da Cunha, saudades do amigo grato Rio Branco”, “Ao Euclides, saudade eterna de seu pai”, e muitas outras, bem como grande número de ramos de flores naturais. “La legation de Bolivia, al brilhante literato Dr. Euclides da Cunha”, “A Euclides da Cunha, saudades da Academia Brasileira”, “Ao Euclides, saudades de sua sogra”, “Saudades de Anna Solon da Cunha e irmãos”, “Homenagem da tia Honorina e dos primos Nestor, Álvaro e Isaura”, “Última lembrança do primo Arnaldo Cunha”, “Ao maior escritor brasileiro, veneração dos tenentes Alves, Moraes, Odillon, Nestor, Jayme, José, Júlio e Daltro Filho”, “Ao Euclides, saudades do amigo Bhering”, “Ao Dr. Euclides da Cunha, o “Estado de S. Paulo”, “A Euclides da Cunha, Júlio de Mesquita”.
O féretro chegou ao cemitério de S. João Baptista, às 6 horas da tarde, baixando logo o corpo à sepultura no carneiro n. 3026.
Não houve discursos.
O Sr. Felinto de Almeida atirou a primeira pá de cal, seguindo-lhe os membros da Academia de Letras e as outras pessoas presentes.
Estava finda a tragédia.
Ainda o Drama de Anteontem
O drama da estrada de Santa Cruz tomou ontem todos os espíritos. A narrativa, feita pelos dois irmãos aspirantes, únicas testemunhas presumíveis dos fatos, pois que o Dr. Euclides Cunha falecera, e informantes das causas daquela pungente ocorrência, parece que não se firma como a absoluta expressão da verdade. Além do que parece transparecer de contraditório e inexplicável nessa mesma narrativa, as acusações se fazem francamente em relação aos móveis que levaram a esposa do assassinado àquele ponto, e as razões que atuaram no ânimo do Dr. Euclides Cunha, para o desfecho violento de anteontem.
O caráter de intriga, emprestado à atitude das duas senhoras, parentas de D. Anna Solon da Cunha, parece reduzir-se a simples franqueza, talvez imprudente, dado o temperamento do assassinado, com que elas confirmaram suspeitas que este nutria, gerada de fatos anteriores. A necessidade de defesa, na questão moral, desses moços, fê-los filiar a ruptura do Dr. Euclides Cunha a essa intervenção.
Aliás, um dos nossos colegas vespertinos disse ontem francamente o que parece como versão mais exata desse doloroso caso.
A polícia, no inquérito que faz, parece estar apurando fatos que firmam a questão neste sentido e um dos casos que parecem averiguados é que a presença de D. Anna Solon e seus filhos no local do crime é anterior à hora indicada nas notícias de ontem.
O ato violento do inditoso escritor deixa assim de se apresentar como o resultado de um impulso doentio, mas como a conseqüência de um estado moral em que os temperamentos mais sadios teriam, quiçá, agido da mesma forma.
No Senado
O Senado lançou na ata de seus trabalhos um voto de profundo pesar pelo passamento do ilustre autor dos “Sertões”.
Essa manifestação da Câmara Alta do Parlamento foi a requerimento do senador João Luiz, que o fez pelas seguintes palavras:
“O Senado já manifestou o seu pesar pelo falecimento de dois dos mais distintos representantes da literatura brasileira ultimamente falecidos: Machado de Assis e Arthur Azevedo.
É justo, portanto, que eu venha pedir também um voto de pesar pelo doloroso fato do falecimento de Euclides Cunha, o moço que, pela sua tradição republicana, já se impunha à consideração de todos os brasileiros; homem que, pela limpidez do seu impoluto caráter, pela grandeza de sua alma, já se impunha à consideração dos homens de bem; escritor que perpetuou na nossa língua as maiores belezas do norte; pensador que deixou monumentos de uma alta filosofia sobre os problemas sociais que nos agitam; historiador que soube escrever as maravilhosas páginas dos “Sertões”; geógrafo que prestou os mais relevantes serviços nas fronteiras do Acre e continuou a prestá-los com a publicação do seu livro “Peru versus Bolívia”.
Quando, por seus sentimentos republicanos, pela sua elevação literária, pelos trabalhos prestados à história e à geografia da nossa Pátria, não mereça as homenagens do Senado, merecê-lo-ia certamente pelos serviços que prestou, defendendo o país, defendendo o direito da Nação, a integridade do território, como auxiliar do Sr. ministro das relações exteriores.
Estou certo que o Senado corresponderá ao meu apelo, mandando consignar na ata dos nossos trabalhos um voto de pesar pelo falecimento do imortal escritor Euclides Cunha.”
Falou depois o Sr. Quintino Bocaiúva:
“Senhores, o Senado ouviu o requerimento verbal, apresentado pelo nosso colega, senador pelo Espírito Santo.
Á maioria de aplausos com que foram acolhidas as palavras de S. Ex. dispensa qualquer consulta ao Senado, para que seja consignada em ata dos nossos trabalhos a expressão de profundo e sincero pesar, que neste momento comove a Nação, e de que o Senado, pelo seu voto, vai dar a demonstração autêntica e sincera.
O requerimento do honrado senador pelo Espírito Santo, pedindo a expressão de um voto de pesar, pelo falecimento do Dr. Euclides Cunha, corresponde, creio, ao sentimento geral da Nação, que via nesse moço uma das glórias mais legítimas da geração atual, assinalada não só pelos serviços prestados à República, como por produção de alto engenho literário, que atestarão no futuro quanto este representante da nova geração brasileira era, pela pujança do seu cérebro, um dos mais nobres e dos mais brilhantes representantes da nossa Pátria.
O voto de pesar, requerido pelo honrado senador, pelo Espírito Santo, será consignado na ata dos nossos trabalhos.”
Na Câmara
Na Câmara não repercutiu com menos intensidade e sem grande sentimento de horror a notícia emocionante da aterradora tragédia.
Euclides da Cunha tinha naquela casa muitos admiradores e de seus melhores amigos.
Coelho Netto comentava entre amigos a catástrofe, e todos o ouviam sucumbidos diante da grande desgraça.
O primeiro a falar foi Érico Coelho, que mal pôde dizer umas palavras, tão emocionado estava, com os olhos marejados de lágrimas.
Depois falou Coelho Netto, um dos amigos mais íntimos do morto, e produziu um formosíssimo discurso.
Damos as duas orações, na íntegra:
O Sr. Érico Coelho – Srs. deputados, o povo de meu Estado natal, que em tão má hora política represento (não apoiados gerais), sofre uma irreparável mágoa desde ontem, pois acaba de perder Euclides da Cunha, na flor dos anos, mas cujo nome já está gravado na história da civilização brasileira, em letras primorosas. (Muito bem.)
Peço aos Srs. deputados se dignem conceder que seja inserido na ata da sessão de hoje um voto, como dizer?… de admiração e de saudade (muito bem) pelo grande moço patriota, o herói, o angélico, o genial Euclides da Cunha, cuja morte os fluminenses deploram neste momento. (Apoiados.)
Vozes – Todo o Brasil. (Muito bem; muito bem!)
O Sr. Coelho Netto – Sr. presidente, era natural que eu fosse precedido por um representante do Estado do Rio, neste transe de saudade, de amargura para todos nós.
Venho agora, em palavras que não sei se levarei a termo, falar do grande espírito, que se calou em um drama de sangue.
Ontem, acudindo a um apelo que me foi feito, dirigi-me à estação da Piedade, dolorosa duas vezes para nossa Pátria, primeiro porque foi nesse recanto que tem um nome suave e predestinado, que morreu o saudoso José do Patrocínio; depois, porque dali saiu ontem para o túmulo Euclides da Cunha. Ali chegando, ante uma casa de aspecto miserável, pareceu-me, de improviso; que eu estava entrando, páginas adentro, pela obra do grande mestre, tendo à frente de meus olhos o episódio de Atrides: era, francamente, um trecho de Orestia, tal a grandeza da tragédia.
O momento, porém, não comporta frases, nem minha palavra tem disciplina bastante para fazê-lo.
Devo dizer que as letras nacionais estão cobertas de pesado luto (muito bem), anda a morte a ceifar a fina flor de nosso espírito. Sibaritismo, puro sibaritismo!
Agora, que vamos fazendo novas as nossas forças é que começa a cegadora terrível a ceifar… Que há de ser de nós amanhã, se assim vão sendo levados os que nos poderiam engrandecer?
Esse que desapareceu corporalmente do nosso convívio, deixando um nome que há de pairar como um espírito benéfico de nossa cultura, neste tempo, foi um forte escritor e um dos mais robustos representantes da literatura da língua portuguesa, porque no próprio berço da língua, não há modernamente quem se lhe compare em vigor e em pureza verbal.
Honra das letras portuguesas, a sua obra não é simplesmente de um beletrista, mas a de um profundo pensador amoroso de sua Pátria.
Ele inaugurou para a nossa terra o período da evangelização literária.
Não quis entrar perifericamente nessa Pátria; abalou-se aos sertões. Onde encontramos nós descrição mais palpitante, mais viva, da nossa natureza, nossas terras interiores, se não nas páginas formosas e eternas de Humboldt?
Quem é capaz de se emparelhar, em estilística soberba, na palavra tersa, na frase extreme, nos períodos refeitos, com esse homem, subitamente roubado por uma tragédia?
É o caso de eu dizer à minha boca que tem obrigação de calar-se nesta casa, porque há um grande mistério pairando sobre o túmulo, mistério que eu não tenho o direito de desvendar perante vós. Não sei o que é que armou aquela mão.
Sei, porém, Sr. presidente, que ainda nessa tragédia, aparece robusto, brônzeo, o caráter viril daquele escritor possante.
Caiu, mas a sua obra aí está; é o bronze perene.
Que cabe a nós outros, brasileiros, dizer neste momento? A mim, nada mais; começo a sentir o enfraquecimento da minha alma. A minha palavra já oscila, a expressão falha-me; alguma coisa ocorre-me que é mais forte do que meu dizer… Esta, porém, não deve aparecer aqui; é preciso que, falando de um homem pujante, eu tenha, pelo menos, a energia de o acompanhar sem lágrimas neste transe derradeiro.
O voto que faço – não que peço – é que o Brasil acompanhe o grande espírito de Euclides da Cunha, como Israel acompanhou a ascensão dos anjos visitadores, de olhos levantados para o céu – primeiramente para o céu da história, depois para o céu de Deus, em que há de ficar perenemente vivo o espírito que residiu no corpo do honrado mártir que desaparecera.
É com grande saudade, senhores, que eu, amigo de Euclides da Cunha, falo à Câmara dos Deputados; é com um grande pesar que eu, brasileiro, me refiro a este nome; é com a gratidão de sertanejo, com a minha alma de filho das terras interiores deste país, que agradeço àquele beneficiador dos simples o livro primoroso que veio mostrar à nossa Pátria, que lá dentro, nessas grandes terras, há uma raça forte; a dos trabalhadores, dos sofredores, dos que plantam e colhem, dos que vão à peleja, dos que vão explorar as regiões maninhas do norte, a raça que integra o patrimônio do Brasil, a raça do caboclo, que tem naquele livro o seu grande poema de reivindicação de direitos, que tem naquela obra de protesto contra o esquecimento do sul, protesto em que ele pede alguma coisa, uma parte de amor a que tem direito, como filho que é desta terra, protesto que ele foi achar na pena desse homem, nascido no Estado do Rio, e que tanto amava as regiões do norte, porque era o poeta da simplicidade, da saudade, da natureza, e principalmente o poeta dos humildes.
Senhores, não é um voto de pesar que peço à Câmara, pois este vejo que está mais do que lavrado na ata; está em todos os olhos, em todos os corações (muito bem, muito bem); mas um preito de glorificação ao espírito desse que foi herói-poeta, como o definiu Carlyle, pela força do cérebro e pela bondade do coração. (Muito bem; palmas no recinto.)
O Inquérito
A polícia do 20º distrito prossegue no inquérito, tendo ouvido ontem, em sua residência, à rua de Nossa Senhora de Copacabana, D. Anna Cunha.
As suas declarações foram tomadas por termo pelo respectivo escrivão que, em seguida acompanhou o delegado à Piedade, afim de se proceder ali a novos interrogatórios.
O Estado dos Feridos
Na 1ª enfermaria do hospital central do exército, destinada aos oficiais, acha-se internado Dilermando Cândido de Assis.
Dilermando passou a noite de anteontem agitado, sem poder conciliar o sono, com dispnéia, e tem constantes escarros sanguíneos, inspirando seu estado sérios cuidados.
Ontem, porém, passou bem disposto, sem sintomas graves, de modo a crer-se na próxima cura.
Às 10 ½ horas da manhã foi ele conduzido do leito para o pavilhão eletro-terápico, onde foi submetido a uma aplicação radioscópica para a descoberta da localização dos projéteis.
Na 18ª enfermaria do hospital da Misericórdia acha-se internado Dinorah de Assis, cujo estado é lisonjeiro, tendo sido ontem examinado pelo Dr. Rodrigues Caó, médico legista da polícia.
Telegramas
BAHIA, 16.
Consternou as rodas literárias o fim trágico de Euclides da Cunha.
PORTO ALEGRE, 16.
Causou consternação geral a notícia do assassinato do Dr. Euclides da Cunha.
Os lentes da Faculdade de Direito não deram aula, em homenagem ao morto, tendo o Dr. Pacheco Prestes delineado em alocução o perfil moral e intelectual do Dr. Euclides da Cunha.
S. PAULO, 16.
Todos os jornais da manhã, lamentando a morte de Euclides da Cunha, inserem longas biografias do ilustre escritor, e publicam artigos de análise da sua obra grandiosa.
O triste fato causou aqui profunda mágoa, os Drs. Ernesto Moura e João Mendes, lentes do 5º ano da Faculdade de Direito, suspenderam as suas aulas, em sinal de pesar. Os acadêmicos de direito, reunidos em sessão, deliberaram tomar luto por sete dias e telegrafar ao Dr. Ruy Barbosa, enviando pêsames à Academia de Letras, e ao barão do Rio Branco, pedindo para representá-los nos funerais.
O Centro Acadêmico Onze de Agosto realizará no sétimo dia da morte uma sessão fúnebre, no salão nobre da Faculdade de Direito, falará o lente Dr. Reynaldo Porchat.
O Paiz, Rio de Janeiro, 18 de Agosto de 1909
A morte de Euclides da Cunha
O desmentido das primeiras notícias – O que se apura dos depoimentos – Misérias desvendadas – O crime como ele foi – Os feridos – Notas diversas.
Os depoimentos obtidos ontem pela polícia do 23º distrito levantam, finalmente, o véu, já tênue, que envolvia esse triste caso da estrada real de Santa Cruz, e desvendam em sua repulsiva nudez fatos e caracteres que mais pungente ainda tornam o drama doloroso em que foi sacrificado o saudoso e intemerato Euclides Cunha.
Acentuamos ontem que a opinião geral e a própria polícia encaminhavam-se no sentido de verdades mais rigorosas do que as mal tecidas e estranhas narrativas dos dois irmãos, narrativas sobre as quais a maior parte da imprensa firmou a sua exposição dos fatos; havia suspeitas, dúvidas, acusações, que não se conformavam já com a história odiosa com que pretenderam fazer da reação violenta, mas digna, do malogrado autor dos “Sertões”, o impulso quase inconsciente de um neurastênico, exacerbado pela intriga de duas senhoras despeitadas. Hoje, há muito mais do que isso: os fatos positivaram-se em depoimentos acordes, e de todo, ou quase todo o noticiário da manhã seguinte do crime, fica apenas a sensação da tendência sentimental da letra de fôrma, confiante e explorada, que, por não querer suspeitar demasiado da maldade alheia; purificou infâmias e lhes emprestou gestos e atitudes nobres, que não tiveram nessa contingência.
A verdade que jorra, finalmente, dos testemunhos de ontem, se traz uma nota mais desoladora ainda aos pungentes sucessos de domingo, tem, ao menos, valor de apresentar as figuras e os fatos como realmente são, tirando a falsa auréola de simpatia com que se resplandeciam os tristes personagens desse drama odioso, e não permitir mais que aquele doloroso mártir da honra, tivesse a chasquear-lhe o sofrimento a insinuação de desequilíbrio mental, com a deprimente piedade que deriva dela.
Neste ponto, a esposa do assassinado teve um movimento digno e uma franqueza generosa, desfiando, sem esconder detalhes, a sucessão de misérias morais que tiveram como conseqüência o desfecho de domingo, para que seu marido, de quem divergia profundamente, “não passasse por um louco”.
Essa infeliz senhora, obsedada por uma paixão que a desproporção das idades tornava mais dominadora, e explorada indignamente por uma mocidade sem brios, não é, aliás, a mais merecedora dos ápodos. Há em torno dela um ambiente de misérias morais, cúmplices de seu erro, e tanto ou mais flageláveis do que ela; e o que aparece de mais revoltante é a exploração desse desvairamento, é o tributo pecuniário imposto à cegueira apaixonada de uma mulher, é a retribuição de um afeto delituoso convertido em uma forma de indústria particular.
Esta situação apaga as simpatias que poderia despertar a mocidade do triste herói dessa história lamentável e anula, com os antecedentes morais, as desculpas da defesa material.
O inquérito policial que hoje começa a vir a público, dá a impressão de um desmoronamento em que fôssemos todos envolvidos; e mais acabrunhadora torna a lembrança da perda de um grande espírito e de um generoso caráter, por efeito de tão deploráveis fatores.
O Caso e os Seus Antecedentes
O Dr. Oliveira Alcântara, delegado do 20º distrito, depois de trabalhosas investigações, conseguiu apurar toda a verdade da tragédia desenrolada no chalé n. 214 da estrada real de Santa Cruz, na manhã de domingo último.
Aquela autoridade interrogou, tomando por termo as declarações, na presença de testemunhas, a preta Anna de Almeida Lima, de 60 anos de idade, criada atual de Dilermando e Dinorah, e outr’ora empregada de D. Anna da Cunha, de cuja casa saiu por enferma, internando-se no hospital da Misericórdia, de onde tivera alta, para ficar aos serviços daqueles rapazes, a pedido da mesma senhora.
Foram também tomadas por termo as declarações de Dinorah de Assis, dona Angélica e D. Lucinda Rato e, finalmente, de D. Anna da Cunha, em sua residência, à rua Nossa Senhora de Copacabana n. 23 H, ontem, às 4 horas da tarde.
Os depoimentos prestados por estas testemunhas são acordes em todos os pontos.
Deles ressalta a culpabilidade de Dilermando, que aparece no meio de tudo isso num destaque antipático.
Em resumo, toda a lutuosa história limita-se ao que disse D. Anna da Cunha. Esta senhora declarou que, no intuito de levantar a memória de seu marido, usa para com a sociedade a mesma franqueza que já usara para com ele, e, não obstante reconhecer no seu marido honradez e caráter, era forçada a dizer que ele lhe faltava com o carinho e o afeto, desde o início de sua vida conjugal. Essas declarações também as faz, para que a imprensa e a sociedade não o estigmatizem, chamando-o de louco, quando ele nada mais era que um apaixonado pela sua reputação. E assim envereda D. Anna em descrições de fatos da sua vida íntima, que, no seu entender, concorreram para o epílogo doloroso da tragédia da Piedade.
Desde os primeiros tempos de casada, diz aquela senhora, nunca vivera bem com o marido. Simpatizara com Dilermando logo após a sua chegada do Rio Grande.
Coincidiu, por uma fatalidade, ter o seu marido de ir para o Acre e tempos depois partia também Dilermando para o seu Estado natal.
Mais tarde regressou Dilermando, indo morar em uma “república”, no Méier, de onde mudou-se para a estrada real de Santa Cruz n. 214. Aí então, freqüentemente, ia D. Anna visitá-lo, em companhia dos filhos. Quando não podia ir vê-lo, tinha dele notícias por intermédio da criada Anna de Almeida. No dia 31 de julho, o pai de seu marido, enfermando em S. Carlos do Pinhal, ela foi visitá-lo, dando-lhe o Dr. Euclides da Cunha 300$ para as despesas da viagem.
Partiu ela com o seu filho Solon e Dilermando, ficando este em S. Paulo. Chegada a S. Carlos do Pinhal, seu sogro deu-lhe ainda 200$, ignorando isto o seu marido, que lhe enviou novas quantias para o regresso. Chegou à casa, de volta, no dia 6 do corrente.
Nesse mesmo dia teve com seu marido forte discussão a respeito de seus gastos. Nos dias subseqüentes repetiram-se as mesmas cenas, por este e outros motivos, até que na quinta-feira última, contrariada com esses acontecimentos, retirou-se de casa com o seu filho Luiz, acompanhada de Dinorah, e foi para a estrada real de Santa Cruz, onde declarou a Dilermando que havia proposto a seu marido o divórcio.
Jantaram e, terminada a refeição, Dinorah veio à cidade, a seu mando, para se encontrar no largo do Machado com suas tias DD. Angélica e Lucinda Rato, que lhe haviam prometido aí se acharem, afim de lhe contar o que ocorrera durante a sua ausência.
Ao chegar àquele local Dinorah encontrou-se com Solon, que lhe disse ter havido uma violenta altercação entre seu pai e suas tias. Nesse ínterim chegou D. Anna ao largo do Machado, acompanhada de Dilermando, que trazia ao colo o menor Luiz. Ao ter ela conhecimento do que se passara, regressaram todos para a cidade [ou Piedade], exceto Solon, que foi para a exposição, sendo ela acompanhada até a casa de sua mãe, no campo de S. Cristóvão, onde Dilermando se retirou para a Piedade.
No outro dia, sexta-feira, pela manhã, o Dr. Euclides da Cunha ali compareceu, não lhe dirigindo palavra e pouco se demorando em conversa com a sua sogra, ausentando-se em seguida.
D. Anna almoçou, vestiu-se e saiu com destino ao Colégio D. Pedro II, em visita ao seu filho Euclides, que se achava enfermo; daí encaminhou-se ela para a casa de Dilermando, na Piedade, onde passou a noite.
Sábado, mandou Dinorah em casa do marido, em Copacabana, sondar o que ali havia. Este, no cumprimento de sua missão lá foi, regressando horas depois dizendo-lhe, assustado, que não se animara a passar do jardim, por ouvir de longe a voz irada de seu marido. Isto já estava no conhecimento de D. Anna, por lhe ter ido contar o seu filho Solon, que para ali partiu, vendo o estado exacerbado de seu pai.
À vista disso Solon e Dinorah aconselharam-na a voltar para casa. Ela, receosa, não acedeu.
A noite de sábado para domingo não a dormiu, todo agitado, ora a passear, ora a debruçar-se sobre as janelas. Assim surpreendeu-o o amanhecer do dia.
Uma vez despertadas as senhoras Lucinda e Angélica Rato, ele vendo-as, pediu-lhes suplicante, que lhe dissessem o número da casa onde residiam os irmãos Assis. As senhoras ou por franqueza ou aterrorizadas pela sua atitude, indicaram-lhe.
Imediatamente preparou-se e saiu dirigindo-se ao local designado. Bateu ao portão. Assomou à janela a fisionomia pálida de Dinorah. Perguntou-lhe pela esposa e pelos filhos. Disse-lhes Dinorah que não se achavam ali. O Dr. Euclides pediu para entrar e encaminhou-se para a porta.
Nesse momento Dinorah fechou a janela e precipitadamente foi à sala de jantar onde tomavam café D. Anna, Dilermando e Solon, avisando-os do que ocorria. Dilermando levantou-se. D. Anna deita o menor Luiz, que lhe dormitava no colo, sobre a cama da criada e Dilermando segurando-a pelo braço, impeliu-a para dentro de uma câmara escura, destinada a trabalhos fotográficos, próximo à cozinha. Solon ocultou-se sob a cama da criada e Dilermando correu para o seu quarto, deitou-se sobre o leito, e abrindo um livro, simulou que lia.
Feito isto, Dinorah foi à sala e deu entrada ao Dr. Euclides da Cunha, que se dirigiu para o interior da casa, de fisionomia transtornada, gritando pela esposa. Parou em frente da porta desse quarto, e dizendo que ia ali “para matar ou morrer”, arrombou-a e sacando do revólver alvejou Dilermando, por três vezes, indo um dos projéteis feri-lo na virilha esquerda. Dinorah veio em socorro do irmão, mas sendo alvejado, correu para a sala de visitas, perseguido pelo infeliz desvairado. Dilermando aproveitou o ensejo para retirar da prateleira um revólver Nagant, e voltar em auxílio de seu irmão, que já se achava ferido. Cruzaram-se os tiros. Restabelecido o silêncio, D. Anna, ansiosa de saber o que se passava, arrombou a porta da câmara escura e ao sair encontrou-se com Dilermando que ensangüentado lhe disse ter morto o marido e que o perdoasse. Encaminharam-se para o lugar onde agonizava o desventurado escritor, Dilermando, então, auxiliado por seu irmão, removeu o moribundo para o seu próprio leito. Nesse momento D. Anna aproximou-se e foi repelida por um gesto da vítima. Dilermando, por sua vez acercou-se do leito e afirmando-se inocente pediu-lhe perdão, ao que o Dr. Euclides da Cunha respondeu: “Odeio-te, mas perdôo-te”.
Ressalta das declarações de D. Angélica Rato que D. Anna, além de grande afeto que mostrava por Dilermando, pagava-lhe as contas, e recorda-se de uma vez tê-la visto receber uma carta dele, acompanhada de uma conta de seiscentos e vinte mil réis, despesas de alfaiate e armazém, pedindo o seu urgente pagamento.
Apurou ainda a polícia que a despesa de aluguel da casa que os dois irmãos ocupam, é de cem mil réis mensais e a do armazém, de José dos Santos, de duzentos mil réis, perfazendo um total superior aos vencimentos de ambos.
Na ocasião em que o Dr. Alcântara, delegado do 20º distrito, tomava as declarações de D. Anna da Cunha, na residência desta senhora, apresentou-se um moço acompanhado de Solon, o qual tentou perturbar a marcha dos trabalhos, alegando ser redator do “Copacabana”, e que ali ia, afim de evitar qualquer violência. A autoridade chamou-o à ordem e a declarante fez-lhe ver que depunha a bem de sua defesa. O advogado do “Copacabana”, compreendendo a inutilidade do seu concurso, calou-se, a um canto, até ao fim.
Tudo que aí fica, é o extrato perfeito do que a polícia apurou, ouvindo os personagens da emocionante tragédia iniciada em Copacabana e terminada na Piedade.
Os Feridos
Continua em estado lisonjeiro, em uma das enfermarias do hospital central do exército, Dilermando de Assis, aguardando os seus médicos que se acentuem as suas melhoras para submetê-lo à operação para a extração dos projéteis.
Dinorah, que teve alta anteontem, depôs na delegacia do 20º distrito ontem, de onde se retirou à tarde de perfeita saúde.
O Sr. Alberto de Oliveira recebeu um telegrama do Dr. Augusto de Lima, encarregando-o de sua representação nas homenagens ao seu desventurado colega da Academia de Letras, Dr. Euclides da Cunha.
Na sessão de ontem da Assembléia Fluminense, o Sr. Adílio Monteiro disse ser acabrunhador falar dos mortos, ao mesmo tempo que sentimos o pesar invadir a alma, abate-se-nos o espírito ao refletir na triste contingência da fragilidade humana. E quando o morto de que se trata era um amigo com quem cultivávamos relações, e que se cercava de uma atmosfera [ilegível] de simpatia, exalta-se o sentimento da saudade a confrager-nos o coração.
Referia-se ao passamento do notável escritor e estilista, Dr. Euclides da Cunha, ocorrido em uma lamentável tragédia.
Não era proposto do orador fazer o elogio fúnebre do ilustre morto, porque para isso lhe falta competência; apenas vinha pedir que seja inserido na ata um voto de pesar profundo por motivo do seu passamento, passamento que enlutou não só a terra fluminense, que lhe serviu de berço, mas o Brasil inteiro, que nele perdeu um grande cultor das letras pátrias.
Em seguida enviou à mesa o seguinte requerimento:
“Requeiro seja inserido na ata dos nossos trabalhos um voto de pesar pelo passamento do notável escritor fluminense, Dr. Euclides da Cunha.”
O presidente declarou que interpretando os sentimentos da Assembléia, faria inserir na ata da sessão o voto de pesar requerido.
S. PAULO, 17.
Na sessão da Câmara dos Deputados o Dr. Alfredo Pujol fez brilhante discurso sobre a individualidade do Dr. Euclides da Cunha, pedindo que se inserisse um voto de profundo pesar pelo seu falecimento e se transmitissem pêsames à família e à Academia de Letras. O requerimento foi aprovado unanimemente.
— O diretor e funcionários das obras públicas resolveram mandar celebrar uma missa de “libera-me”, de sétimo dia, e depositar uma coroa no túmulo do Dr. Euclides da Cunha, como companheiro de trabalho.
— No juizado da 2ª vara foi lançado no protocolo um voto de profundo pesar.
RECIFE, 17.
Foi aqui recebida com bastante sentimento a notícia da morte do literato Dr. Euclides da Cunha.
PORTO ALEGRE, 17.
A imprensa é unânime no pesar que demonstra pela morte de Euclides da Cunha, ao qual dedica sentidos necrológios.
PARÁ, 17.
Foi muito sentida na capital a morte de Euclides da Cunha.
TRÊS TIRAS
Não há, neste momento, para a crônica, outro acontecimento que sobreleve, em importância, a trágica morte de Euclides Cunha. Ela é o assunto que a todos preocupa, enchendo a todos de dor, de emoção, de pesar. Ela obseda, absorve e compunge. Toda a cidade está de luto. Mesmo os que jamais conheceram, quer o escritor, quer o homem, quer a sua alma simples e primitiva, quer a sua obra forte e evocadora, sentem um quê de mágoa e de desolação, diante desse desfecho deplorável.
É certo que a morte surpreende todos os dias milhares de criaturas e nada haveria de estranhável em registrar mais uma vítima. O desaparecimento de Euclides Cunha nada teria, assim, de extraordinário, se não desaparecesse com ele um dos nossos mais singulares escritores, um dos nossos mais fulgurantes literatos, um dos mais intensos pensadores da presente geração nacional, uma das figuras mais características da nossa literatura contemporânea, assim como, por outro lado, se a extinção dessa preciosa vida não se tivesse revestido de tão comoventes e lamentáveis circunstâncias.
Não há quem não tenha sentido um grande abalo, lendo, nos jornais de ontem, os pormenores da tragédia. É uma vida inteira de trabalho e de meditação que se esboroa e pulveriza, ao inclemente e execrável sopro de uma sinistra e rígida nortada!
Euclides Cunha estava ainda na plena exuberância de seus quarenta e um anos de idade. Tinha um passado de esforços, de lutas, de estudos e de vitórias.
E essas mesmas vitórias, que poderiam tê-lo feito adormecer sobre as glórias conquistadas, não eram senão novos estímulos, para novos empreendimentos e para novos e justos prêmios ao seu talento fascinante, ao seu saber pacientemente acumulado, à sua imaginação fecunda e lampejante. Volvendo os olhos ao passado, podia orgulhar-se da distância vencida.
Tinham ficado em seu caminho, assinalando os trechos principais já percorridos, Os sertões, Contrastes e confrontos, Peru versus Bolívia e outros produtos do seu espírito superior, onde pusera alguns pedaços do seu ser. Alongando o olhar perscrutador para o futuro, devia também sentir a plena confiança de que teria de atingir a pontos culminantes.
Mas, de repente, como num sonho complicado, toda essa vida se desfaz. E não é uma causa materialmente grande que a derruba e que a aniquila. Não é um simoun devastador. Não é uma caudal impetuosa. Não é uma dessas grandes forças da natureza, inevitáveis e invencíveis.
Mas, nem por parecer pequena, nem por ser abstrata e imponderável, deixa de ter uma indomável violência, uma brutalidade assombrosa. Para definir a sua intensidade, basta dizer que ela está no coração humano. Essa força chama-se ciúme e envolve, no caso presente, estes dois aspectos tremendos: a honra que, com ou sem razão, se presume golpeada; a posse, que se quer para si só, do objeto que se estremece e se venera. É um egoísmo, talvez; mas é da índole e do sentimento humanos. É do convencionalismo social. Foi assim que o fizeram.
Já Lafontaine afirmava, com a profunda observação que tinha dos seus semelhantes e da vida:
Lês maux lês plus cruels né sont que des chansons
Prés de ceux qu’ans meris cause lo jalousie.
E quando esse ciúme é instigado e enrodilhado na pérfida intriga dos Jagos e dos Corasmins, como em Zaira e Otelo, em que Voltaire e Shakespeare deram-lhe toda a vibração e os ímpetos supremos; quando se envolvem na sua trama essas figuras abracadabrantes, como parece que, no caso atual, sucedeu, com essas duas senhoras que instigaram o desventurado Euclides à tragédia a que tão dolorosamente sucumbiu – então o ciúme reveste o seu aspecto mais triste e comovente.
Faz recordar a passagem de Zaira, quando o príncipe Orosmano apunhala, infundadamente, a linda jovem, ao encontrá-la com seu irmão Nerestau, que tem a seguinte imprecação:
Ah! que vois-je? ah! ma socur… Barbare! Qu’as tu fail?
E Orosmano, reconhecendo o seu erro, exclama: Caso de angústia:
Sa socur!… Zaire! elle m’amail? Est-il bien vrai, Fatime?
Sa socur!… J’etais aime!…
E crava o mesmo punhal contra o seu próprio peito!
***
Na tragédia em que foi principal protagonista o inditoso e admirável prosador dos Sertões, não se sabe ainda, com segurança, se o seu ato foi um desvairamento puro e simples, por meras e infundadas suspeitas que na sua alma delicada tomaram vulto e cresceram demais, ou se havia, efetivamente, uma razão sólida e indestrutível que, de algum modo, justificasse essa atitude de suprema dor.
Não só não se sabe, como vale à pena ficar-se ignorando.
Vale à pena deixar em paz, na tranqüilidade de seu túmulo, esse homem que foi tão digno e tão nobre. Não lhe enlamelem o nome honrado. Não o arrastem, depois de morto, pelas colunas irreverentes dos jornais, devassando-lhe o lar, a intimidade, a honra conjugal, o bom nome dos filhos, que eram, decerto, a sua razão mais forte de viver, a compensação de muitos dissabores, o seu orgulho e o seu único conforto.
Deixem Euclides Cunha tranqüilo. Deixem a sua memória em paz, serena e límpida!… – F. V.
P. S. – Deixou de ser publicada ontem por ter chegado tarde – N. da R.
Microcosmos
Sumário: – O escritor e o frade. – Dolorosos conflitos! – Como se fazia uma praça de guerra… – A nevrose da revolução. – Morticínio de presos políticos. – Com o disfarce da salvação pública. – Nem pedra sobre pedra! – Justiça histórica para o sertanejo. – Supremo perdão! – Orar, consolar, bem fazer.
Vou falar de dois mortos…
A tragédia de 15 – dia da Glória! – tristemente ainda conturba o espírito público.
Não há quem diante dessa catástrofe, em que se abismou um dos mais fúlgidos talentos brasileiros, não se sinta intimamente abalado, como se no homem que desapareceu algo se perdesse do patrimônio nacional, desse conjunto de atividades que afinal melhor do que os edifícios e os navios constituem a riqueza de uma nação.
Todo túmulo é digno de lágrimas. Em todo féretro vão a esconder-se mundos de afeto. Não há tumba, por mais humilde que seja, onde não chore uma saudade ou não se lamente uma esperança. Mas quando o morto tem vivido dessa larga vida da publicidade em que comungam milhares de inteligências, há nas tristezas que o acompanham ao cemitério, alguma coisa mais solene que os lutos da família. Chora também essa grande e pujante mãe, que todos amamos e tanto que por ela daríamos a vida; chora a Pátria, orfanada de mais um filho que a ilustrava e que dos resplendores de seu nome lhe entretecia um trecho da formosa auréola.
Bem pouco privei com Euclides da Cunha; porém muito não era preciso para a diagnose daquela personalidade. Foi uma bela inteligência, dotada de imensa força expansiva, e aliada a um coração capaz dos mais altivos cometimentos.
Educado em meio conveniente, que lhe corrigisse as demasias, que lhe orientara a sede de verdade, que lhe disciplinara os descomedidos arroubos, e que em tudo lhe pusesse, ao lado dos generosos impulsos, a regra de os encaminhar aos supremos ideais da justiça e do bem, ele houvera dado não somente o que deu, porém mais ainda, e talvez ainda vivesse, deparando esplêndidos frutos, como lícito nos era esperar dos que já se tinham maturado na sua opulenta florescência.
Ele, porém, foi um infeliz colocado sempre nos tremendos conflitos da razão e de seus impulsos emotivos.
Moço ainda, viveu naquela escola militar onde o verbo sedutor de Benjamin Constant pregava, às vistas da autoridade, uma guerra santa, de que Augusto Comte era o Mafoma, e que os moços inespertos acerava com todas as delícias do paraíso republicano…
Falava-se às escancaras na mudança do regímen. A suma tolerância do Imperador tolhia a ação repressiva dos ministros. Matutis mutandis (e não há nada como o tempo para dar razão a quem a tenha) eu pergunto que é que hoje se faria a um lente militar que dentro de uma escola para oficiais, isto é, dentro de uma praça de guerra, se permitisse fazer o que muito à sua vontade fizeram, nos últimos anos do Império, Benjamin Constant e seus imitadores, insuflados pelos republicanos civis, que ora ao exército até contestam o legítimo direito de dar um marechal para a presidência da República?
Entre os arrastados pela nova torrente de idéias estava Euclides da Cunha, e sempre com os ímpetos da sua convicção sincera. O ministro da guerra do penúltimo ministério da monarquia, um leal amigo do exército e a quem, sem falar de outros serviços, se deve a fundação do Colégio Militar, realizava uma visita à Escola da Praia Vermelha, e estavam em forma os jovens educandos, quando súbito, e como que tomado de frenesi, um deles adiantou-se e deitou fora as armas, com gesto indignado. Geral foi o assombro, e, intervindo o comandante e outros oficiais, limitou-se a dizer-lhes o ministro:
— Recolham à enfermaria aquele moço. Evidentemente se acha enfermo.
Acertava o estadista em seu dizer de médico; era a nevrose da revolução que então combalia a mocidade; mas nem ele nem outros do governo acertaram com o remédio por evitar a explosão do mal. A revolução fez-se e ainda aí está e se vai alastrando. O império descerrou a formação religiosa e filosófica do caráter, e a república, piorando a moléstia da alma nacional, cada vez mais a deteriora, produzindo os mais lamentáveis resultados, que só não reconhecem e receiam os espíritos de curto descortino, atufados em mesquinhos interesses da atualidade.
Que combate se houvera travado na consciência do moço militar? A luta entre o dever, que era a defesa das instituições juradas, e os princípios do novo Alcorão, que lhe pregavam os republicanos, então não civilistas. Outros igualmente hesitavam no pungentíssimo conflito… Nele o duelo terminou fulminante e imprevisto, como lh’o requeria a natureza impetuosa, mas ainda simpática nos seus desvarios incorretamente sinceros.
Outra vez foi no tempo da revolta. Desligado que fôra do serviço no exército, Euclides a este volvera com a proclamação da república. Ainda aí se viu dolorosamente colocado entre dificuldades, como que a lhe experimentarem as energias. Florianista, ele tinha por sogro o general Solon, já em abril de 93 comprometido entre os infensos à onipotência do Vice-Presidente, e, após a revolta de setembro, recolhido aos cárceres atulhados de vítimas. Falava-se muito na possibilidade de um desembarque das forças navais sob o comando de Custódio e Saldanha da Gama; e então, até mesmo no Senado Federal, não faltou quem aventasse a crudelíssima lembrança de, nessa possível emergência, sufocar os presos políticos… Há quem afirme ter havido começo de execução, e que com sinistros intuitos, à porta de cada cubículo, sacos de cal foram postos para o grande assassinato, que em nossa história ainda mais tivera nodoado o lúgubre período…
É preciso ter vivido nesse tempo, quando a imprensa jazia maniciada e só se lhe **avam os ferros para mentir sob o di**do oficial; é preciso haver, como o escritor destas linhas, medindo bem as profundezas de abjeção a que o pavor fizera baixar as consciências, para compreender a bizarria do protesto com que, sob sua responsabilidade pessoal, Euclides, em breve, mas enérgico artigo, verberou a infâmia que já começara de afeitar-se com a roupagem de salvação pública.
Honrado, aí também, o seu movimento, e sempre com o destaque cavalheirosamente temerário da verdadeira intrepidez!
Mais tarde foi em Canudos. Assoalhava-se que tinha índole monarquista a resistência dos sertanejos baianos. Como de costume fizera-se o terror para evitar a discussão. Assaltados e despedaçados os jornais monarquistas, claro está que por força tinham razão os contrários… Armavam-se batalhões patrióticos, como se para a defesa nacional foram impotentes exército, marinha, guarda nacional e polícia. Um presidente da república declarava, às forças expedicionárias, a necessidade de lá não deixarem pedra sobre pedra – ordem essa desgraçadamente bem cumprida… E foi logo em seguida ao tétrico desfecho da campanha, quando, por assim dizer, ainda no ambiente se enovelavam os rolos da infecta fumaça sobre a estupenda fogueira em que se abrasara Canudos, – foi então que apareceu aquele ótimo livro de Euclides, reconstituindo com a pena do historiador o vulto miserando e caluniado do sertanejo rebelde.
Republicano de convicção, Euclides assim vibrou, obedecendo aos inelutáveis impulsos da justiça, três grandes golpes no regímen de suas afeições: – mostrando, primeiro, que não é lícito ao soldado desservir a legalidade, isto é, acentuando, perante a história, a viciosa geração de um regímen criado pela sedição; em segundo lugar denunciando aos posteros a torva tirania, para a qual todos os meios eram bons, inclusive o feroz morticínio de prisioneiros políticos; e, finalmente, fazendo desfilar, ad perpetuam rei memoriam, em sua verdadeira luz e com libérrimos toques de narrador insuspeito, essa outra enormidade republicana, que foi a campanha de Canudos, – inútil e condenado desperdício de sangue e de bravura brasileira.
Que mais direi do pobre Euclides, mísera folha tão agitada por tais lufadas?
Não, não falarei da sua derradeira e suprema crise, porque, se vivo fôra, ele seria o primeiro a pedir-me silêncio.
Assuntos há tão melindrosos e delicados que toda cautela se faz pouca em agitá-los à tona da publicidade. Cumpra a justiça seu rigoroso dever apurando responsabilidades, que disso nos não é lícito demovê-la. Aos amigos do ilustre morto, e mesmo aos indiferentes que lhe prezem a memória, só é permitida a triste compostura das câmaras mortuárias.
Apenas – e porque nessas últimas palavras está a revelação do grande mal desse destino – recordarei o que moribundo segredava Euclides ao homem que ele supôs autor da sua desgraça: — Odeio-te, mas perdôo… Até ao fim da vida oscilou aquela alma, tão bem nascida e tão mal fadada, entre os impulsos irrequietos da paixão e os nobres ditames de uma coração generoso…
E por que tamanhos conflitos em existência relativamente assim curta? Por que toda essa vacilação na linha do dever e o fatal anseio por soluções inatingíveis e que o traziam torturado?
Porque ao cientista e ao literato faltava uma luz superior e que melhormente o tivera guiado na labuta pela vida.
Faltava-lhe o influxo benéfico e o supremo conforto da religião.
Possa por ele pleitear, perante Aquele que nos há de julgar a todos, essa última palavra de perdão, sorriso talvez de outra aurora, que lhe punha termo ao vendaval da existência.
. . . . . . . . . . . . .
Falei de dois mortos. Um foi Euclides, e, notável contraste! foi o outro esse bom e velho frade, o capuchinho Luiz da Piazza, de longa e alvíssima barba, tão conhecido nesta capital, e mormente dos pobres, dos humildes, dos enfermos.
Luta heróica, também a desse, mas escondida. Lutou contra o erro, contra a escravidão, contra o crime, contra a ingratidão dos que injustos o feriram.
Em poucas palavras, aliás, se resume o seu trabalho: viveu orando, pedindo aqui a esmola que além dispartia, consolando o moribundo, a falar-lhe do céu. Chegou a sua vez e partiu suave, resignada, santamente, a dormir o último sono, não como era praxe no seu mosteiro, entre seus irmãos de hábito, mas em todo caso na terra bem-amada da sua pátria de eleição, deste nosso Brasil para onde ele veio bem moço, e ao qual dedicou todos os esforços beneméritos.
Por esse não é preciso fazer votos. Tinha por norte uma luz que o haverá levado a bom caminho.
C. de L.
* * *
Telegramas
BAHIA, 17.
— Os jornais publicam sentidos necrológios sobre o Dr. Euclides da Cunha.
ARACAJU, 17.
— Causou profunda mágoa a notícia do assassinato do Dr. Euclides da Cunha.
BELO HORIZONTE, 17.
Hoje, na sessão da Câmara, o deputado Nelson de Senna pronunciou um discurso em homenagem à memória de Euclides da Cunha e pedindo um voto de pesar pela grande perda sofrida pela intelectualidade brasileira. Falou em seguida o deputado Waldomiro de Magalhães, que requereu fosse passado um telegrama de pêsames, em nome da Câmara Mineira, à Academia de Letras. Ambos os requerimentos foram unanimemente aprovados.
Toda a imprensa local dedica sentidos necrológios ao malogrado escritor.
O Paiz, Rio de Janeiro, 19 de Agosto de 1909
A morte de Euclides da Cunha
As diligências de ontem – Visitas a Dilermando
O Dr. Alcântara, delegado do 20º distrito, prossegue nos trabalhos para a elucidação completa do assassinato do escritor Euclides Cunha, empregando para isso toda a sua atividade.
Ontem tomou ele por termo as declarações de D. Lucinda Rato, uma das tias dos irmãos Assis, não adiantando mais do que já publicamos sobre o lutuoso caso.
Disse aquela senhora que, em 1905, por ocasião da partida do Dr. Euclides para o Acre, passou a sua esposa a residir na pensão Monat, na rua Senador Vergueiro, onde ela declarante a encontrou ao regressar de S. Paulo e ali também se instalou.
Pouco tempo depois de sua estada na pensão, apareceu Dilermando, que foi visitar D. Anna, a pretexto de levar-lhe livros, e a seu pedido, fixou também a sua residência na pensão. Nada mais disse ela que se prendesse ao fato que ali levara à autoridade.
Depois disso o Dr. Alcântara dirigiu-se ao gabinete do Dr. chefe de polícia, dando-lhe conhecimento de tudo quanto tem feito sobre o caso, fazendo uma exposição minuciosa de todos os pontos que não têm aparecido completamente claros.
O Dr. Leoni, depois de ouvi-lo, aprovou as medidas tomadas e ordenou-lhe que continuasse em suas diligências.
Hoje pela manhã irá aquela autoridade ao hospital central do exército, ver se consegue interrogar Dilermando, cujo estado é plenamente satisfatório, conversando com quem bem quer.
Pelo exame radioscópico a que foi submetido, verificou-se não ter a bala atingido ao pulmão, como se pensava, sendo de esperar que em breves dias tenha alta.
Quanto a outra bala, que se lhe alojara na virilha esquerda, essa vai ser extraída, não oferecendo perigo a intervenção cirúrgica, dadas as condições do local em que se alojara, revelado pelo dito exame.
Além da visita do Sr. Deocleciano Martyr e de seu irmão Dinorah, Dilermando recebeu também a do menor Solon, filho do escritor assassinado.
Hoje o Dr. Alcântara prosseguirá em outras diligências, para ver se descobre o paradeiro de um vendedor de jornais, única testemunha, segundo consta, que assistiu à cena do assassinato, em seus detalhes.
— O Dr. Mário Rache, em nome da diretoria das Obras Públicas, do Estado de S. Paulo, depositou uma riquíssima coroa sobre o túmulo do malogrado escritor.
Esteve em nossa redação o redator do “Copacabana”, que nos explicou que o “mal-entendu” havido entre ele e o delegado do 20º distrito policial, produziu-se nas seguintes condições:
Quando D. Anna Cunha era interrogada, em segredo de justiça, pela autoridade policial, na residência daquela senhora, em Copacabana, chegou ali a seu pedido o redator do “Copacabana” e a depoente, em particular lhe comunicou ter feito as declarações de que pernoitara no chalé da Estrada Real, por ter sido instada pelo delegado para que salvasse a honra do seu esposo e o futuro dos seus filhos.
Feita a comunicação, consultou o nosso colega de imprensa sobre se devia ou não firmar as referidas declarações, não sendo elas a expressão da verdade.
O nosso colega respondendo, à consulta, manifestou a opinião de que, declarações só devem ser firmadas quando representam a verdade.
D. Anna Cunha voltando ao interrogatório, completou as declarações e depois firmou-as com o seu nome.
Em seguida à essa assinatura a autoridade convidou o nosso colega de imprensa a firmá-las também.
Este recusou-se, em vista de que antes lhe comunicara a declarante, sobre a inverdade do quanto dissera.
* * *
Euclides da Cunha no rio da Prata
Sabendo que o nosso amigo e confrade platino, Manoel Bernardez, tinha diversas vezes conversado com o malogrado Euclides da Cunha e outros escritores brasileiros, para tratar de fomentar relações permanentes e cordiais entre os nossos escritores e os publicistas do Uruguai e da Argentina, que hoje se ignoram incrivelmente, pedimos-lhe uma nota a respeito, com a sua impressão sobre a obra do nosso grande morto, que ele muito queria e admirava. Bernardez respondeu ao nosso pedido, remetendo-nos as seguintes notas, escritas com o seu costumado brilho de frase, elegância de forma e elevação de conceitos:
“Ainda não posso sair do doloroso assombro. Ainda não me entrou na cabeça que uma causa tão triste, tão absurda e tão ruim, pudesse produzir semelhante catástrofe. Essa desgraça a desabar assim me faz pensar no sacrilégio imbecil de um transeunte bêbado, que na sua inconsciência estúpida, apagasse de um sopro a lâmpada de um deus. Porque este escritor, tão grande já para os seus, é ainda maior para os estranhos, que não podem entrar na sua obra, estupenda de arte e de verdade, sem sentir como que a presença de um Espírito revelador da alma misteriosa da Natureza – daquela maravilhosa, ignota, amorfa, enorme, da Amazônia, ou da natureza triste, complexa e nostálgica dos sertões, que Euclides perscrutou no seu passado étnico e geológico, tão genialmente e com tão fundo amor. Para os leitores de fora, os livros de Euclides da Cunha dão a impressão penetrante de estar animados, na sua magia evocativa, por uma Força e por uma Voz da Natureza.
Por isso ele falava na necessidade de organizar um novo léxico, batendo a fogo o metal nobre da própria língua. Como o precursor evangélico, ele pedia para os novos vinhos, novos odres.
Podia e fazia – fazia mesmo, a estrutura de uma língua original, toda poderosa para dizer coisas estranhas e traduzir sensações e paisagens enormes, diante das quais a nossa retórica de pequenos recursos verbais fica desapontada e impotente. O Brasil é a nação da Sul-América que pode-se gabar de ter tido uma melhor dúzia de escritores que sentiram e deram a sensação emotiva da sua terra, do seu ambiente, do seu sol, das suas aves, das suas florestas, da sua vida característica. Porém, Euclides é, entre todos, o mais possante, pois que é o que vai ao fundo, até a alma recôndita da terra e da vida, científica e sensitivamente. Ele abriu uma estrada nova, larga e clara, não só para os escritores brasileiros, senão para todos os chamados a interpretar novas e enormes formas da natureza, novas e colossais formas da vida. A mocidade do Brasil deve tomar a seu cargo o cuidado de que nessa estrada não cresça a erva do esquecimento. Bastar-lhe-há adotar, como Decálogo, aquele soberbo prólogo que Euclides fez para “O inferno verde”, de Alberto Rangel. Ali estão fortemente traçadas as novas vias, sobre a terra amazônica, ainda emergente do caos, como as criações genésicas da Bíblia – e é por ali que os fortes do novo tempo devem tratar de ir adiante.
Quanto a nós, latinos do sul continental; olhamos para isto com a surpresa de uma descoberta.
Como nos ignoramos! Vivemos materialmente voltados de costas uns para os outros. Alguns escritores platinos, a quem levei “Os sertões”, diziam-me com estupefação, depois de lê-lo: “Mas é possível que semelhante livro possa aparecer em alguma parte do mundo, sem converter-se imediatamente num sucesso notório para todo homem culto?” E esta nossa ignorância platina para com os grandes produtores mentais do Brasil só tem como lamentável compensação a ignorância brasileira a respeito da nossa intelectualidade. Tive disto uma entristecedora evidência, quando o próprio Euclides da Cunha me procurou, para me perguntar quem era José Enrique Rodé, a quem absolutamente desconhecia, ele, que era tão atento e profundo sabedor, e de quem com crescente admiração estava a ler o último e admirável livro “Motivos de Proteu”. Falamos então com Euclides Cunha das nossas respectivas ignorâncias intelectuais, e conviemos em que era uma coisa triste e bárbara, contra a qual se devia reagir. Combinamos então um jantar com ele e Coelho Netto. Coelho Netto não pôde assistir, porque tinha essa noite o último ensaio da sua peça “Bonança”, com que devia ser estreado o Municipal. Porém, falamos longamente com Euclides, na intimidade de uma palestra que foi ainda matizada pelo fino espírito de Batista Pereira. E ficamos nisto: eu seria o mensageiro entre os intelectuais de aquém e de além. Estabeleceríamos primeiro as relações entre os mais altos, para basear a nossa futura confederação literária. Eu falaria com Rodé em Montevidéu e com Leopoldo Lugones em Buenos Aires, ambos os mais conspícuos e indiscutíveis representantes da alta mentalidade das duas nações platinas. Além disso, eu traduziria as obras primas dos nossos escritores, para entregá-las ao público do Brasil, e as obras primas brasileiras, para apresentá-las aos leitores platinos. Até ficando de acordo nas “Memórias de um sargento de milícias”, “A escrava Isaura”, “Retirada da Laguna”, “A moreninha”, “Marabá”, “O cabeleira”, “O matuto”, “A casa de pensão”, e vários contos de Alencar e de Arinos.
Euclides, que ignorava também a Lugones, quando foi por mim informado da sua obra, já enorme e possante, de pensador e de artista verbal, ficou num verdadeiro enlevo, com a expectativa e o pregosto do nobre comércio intelectual a que resolvêramos dar início. Levei para Rodé e Lugones livros brasileiros. Vi que Rodé conhecia, admirava e amava o mestre brasileiro; porém, o forte autor do “El imperio jesuitico”, Lugones, ignorava por sua vez o autor dos “Sertões”.
Breves palestras bastaram para que fosse aceita com entusiasmo a idéia do fraternal e desinteressado intercâmbio projetado entre os altos representantes do pensamento dos três países, que eu considerava como os plenipotenciários virtuais, fadados a assinar, com sua aproximação e amizade, o tratado sem cláusulas da nossa futura aliança espiritual, complementar da outra que os estadistas previdentes sonham, para conjugar, na defesa do comum patrimônio, as energias da nossa América…
E aqui cheguei, há quatro dias, obscuro mensageiro da boa mensagem, conduzindo para o pensamento brasileiro, personificado em Euclides da Cunha, expressões de fraternidade intelectual, que não pude transmitir, e livros dos autores de lá, mandados em homenagem, que já não posso entregar!…
A idéia, porém, está em marcha. E espero que a morte de Euclides da Cunha, que se oferecera para dotá-la regiamente com os tesouros do seu gênio e do seu altruísmo, em vez de malográ-la, deixá-la-á consagrada e entregue, como uma bela herança, aos pensadores moços do seu país.
E quanto desejaria para, no meu papel eventual e obscuro de simples intermediário, ficar com o conforto de ter concorrido para organizar uma maneira positiva e útil de manter viva a memória daquele, cuja morte produziu um doloroso eclipse intelectual, visível de todas as zonas do pensamento sul-americano.
M. Bernãrdez.
O Paiz, Rio de Janeiro, 20 de Agosto de 1909
A morte do Dr. Euclydes da Cunha
Novas diligências – Na república sinistra – Busca e apreensão – Documentos importantes – Notas.
Desde domingo, dia em que se desenrolou a sinistra cena, que teve por epílogo a morte do escritor Euclides da Cunha, que a casa n. 214, da estrada real de Santa Cruz, ficou fechada e guardada noite e dia pela polícia do 20º distrito, que se entregara dedicadamente a investigações e sindicâncias, para descobrir as causas que determinaram tão trágico desenlace.
Acrescia para isso a circunstância de serem os personagens envolvidos na tragédia, os primeiros a procurar dar informações que, claramente, os punham num plano simpático, deixando a figura da vítima em um plano inferior e até houve quem reputasse de imbecil o que fosse capaz de pensar que outros motivos agiram, a não ser os de um impulso irrefreado, produto de um temperamento enfermiço.
O choque da lutuosa nova, a barafunda do momento, não deu ensejos a que se procedesse a uma severa reportagem e daí a notícia, por nós cautelosamente dada, deixando transparecer, com franqueza, as interrogações e reticências, que tínhamos no espírito.
Por isso mesmo, se a polícia do hábil delegado, Dr. Oliveira Alcântara, não descansou um momento, nós por nossa parte, agíamos esmerilhando fatos remotos, concatenando um por um, até que chegamos à conclusão de que algo de extraordinário envolvia toda uma vida de martírio, para cuja reabilitação era necessário rasgar o véu denso do martírio, com que a queriam sepultar.
Chegou mesmo o sentimentalismo, piegas a deixar as suas comodidades e passear a sua opinião mórbida e anêmica pelos acanhados e mal-alinhavados períodos, encabeçando as notas de reportagem.
A acomodatícia filosofia dos naturais de bom gênio revoltou-se contra o modo por que o desventurado escritor agiu em defesa de sua honra e o conselheiro Accacio reputou-o de imprudente e vítima de sua neurastenia.
Deixamos, porém, de parte tudo isto e procuramos informar aos nossos leitores do que há; isto é; da verdade que agora, quase completamente apurada, surge de todo este volutabro, deixando transparecer tranquila e serena a figura do escritor dos “Sertões”, vítima das suas qualidades afetivas, da sua bondade, da sua confiança e do zelo pela sua reputação.
Além das diligências colhidas e por nós publicadas, o Dr. Oliveira Alcântara, em vista de ter D. Anna Cunha procurado fazer acreditar que o que declarara em seu depoimento, isto é, só o que o delegado viu ser necessário para o inquérito, tinha sido feito sob constrangimento, tratou aquela autoridade de robustecer o processo com outras provas, entre estas a de uma busca na casa n. 214, agora conhecida pela “República sinistra”.
Ontem o Dr. Alcântara, acompanhado do seu escrivão, do doutorando Anor Margarido, de repórteres, comerciantes e funcionários públicos, penetrou assim na ex-residência dos irmãos Assis.
Tudo aí se achava como ficou no dia do crime. A mesma desordem, a panóplia ostentando dois floretes de aço brunico, lâminas de Toledo, retratos pela parede, o violão, o violino.
O quarto de Dilermando com as vidraças veladas, cuidadosamente, pelas cortinas vermelhas, a cama de ferro com as roupas em desordem, a sala de jantar com as cadeiras atiradas para os lados e sobre a mesa os restos do café, do trágico domingo, nas xícaras, pão e manteiga.
Enfim, via-se que ali ninguém havia tocado desde aquele lutuoso dia.
Depois dessa pequena revista, o delegado foi ao quarto de Dilermando, acompanhado de todos e deu princípio à busca.
Encontrou-se um par de botinas, pouco usado, e um par de sandálias para senhora, cinco caixas contendo colarinhos e punhos, cinco pares de botinas e vários ternos de roupa para homem.
No ângulo direito do quarto havia um saco de roupas servidas, que a autoridade mandou verificar o seu conteúdo, encontrando um “peignoir” de rendas, camisas e calças de senhora.
Passou então a autoridade para o quarto de Dinorah e mandou arrombar uma mala, do que foi lavrado o respectivo termo, sendo encontrada grande correspondência amorosa, endereçada a Dilermando, de caligrafias diferentes; outros objetos de pouca monta e 12 cautelas de casas de penhores, todas de jóias de senhora, pulseiras, bichas, marquises e anéis, empenhados em nome de Dilermando de Assis, na importância de 638$000.
Foi arrombada ainda outra mala, e nesta como na primeira só havia fotografias e cartas amorosas.
Passados à sala de jantar, encontrou-se por trás de um pano para fotografia, um baú de folha, cheio de roupa para senhora e criança, reconhecendo Anna de Almeida, que ali aparecera, como sendo de propriedade de D. Anna, como também as botinas, as roupas do saco e as sandálias.
No porão foi encontrado um embrulho, contendo retratos de várias mulheres, com dedicatórias a Dilermando. Sob a mesa da sala de jantar achou o delegado um livro de Selma Lagerlof, sueco, intitulado “Cura de um louco”, com o nome à chancela de Euclides da Cunha.
Foram encontrados ainda uma conta da alfaiataria da rua Gonçalves Dias n. 8, no valor de 280$, tendo passado o recibo, com a data do mês passado, de 200$; um caderno de compras, da venda de José dos Santos, tendo na capa o nome de Dilermando, onde se verifica que a despesa dos dois irmãos, no mês de julho, foi de 328$900, sendo gêneros 197$100, e “diversos artigos”, réis 131$800.
Depois disso o delegado partiu para a delegacia, deixando a casa fechada, com soldados à porta e tomou por termo as declarações da menor Celina, de 9 anos, filha de Maria Augusta Fontainha e Constantino Fontainha, residência n. 216, de cuja casa deva**-se a de n. 214.
Celina, inteligente, desembaraçada, repete sempre a mesma coisa e é a única testemunha de vista.
Diz ela que no domingo ouviu uns tiros na casa dos moços e subiu a escada da cozinha, que é de onde se avista o interior da casa e fica em frente à porta da sala de visitas, pensando serem bombas chinesas. Que de repente viu um moço moreno sair da sala e dirigir-se em caminho do portão, enquanto um outro, não o moreno, diz ela, e sim o louro e mais alto, veio até à porta e dizendo “cachorro!” estirou o braço que empunhava um grande revólver e atirou por duas vezes, virando-se nessa ocasião o que era alvejado e caiu.
Estas declarações, que Celina conta e repete, sem a discrepância de uma palavra, foram confirmadas por seus pais, que dela ouviram no mesmo dia.
Constantino Fontainha, pai de Celina, foi quem ensinou o caminho da casa ao Dr. Euclides. Conta ele que às 10 horas desembarcou de um trem que vinha da cidade, na estação da Piedade, e aí um moço perguntou-lhe se ali morava e se conhecia uma casa, onde residiam dois estudantes.
Constantino disse-lhe que era vizinho da casa em questão, e seguiu com o Dr. Euclides até a esquina da rua Goiás, onde entrou em um açougue, para comprar carne, indicando com a mão a casa ao doutor, que fica a alguns metros distantes.
Maria Augusta, mulher de Constantino, disse que, pela manhã do domingo, muito cedo, ela viu abrir-se a janela do quarto de Dilermando, que dá para a sua casa, e D. Anna atirar a água de uma bacia para o jardim, recolhendo-se em seguida.
Maria Augusta, muitas vezes, viu D. Anna na casa de Dilermando, e a velha criada, sempre que isto acontecia, dizia-lhe que temia um desastre.
Terminado este depoimento, o delegado, que havia mandado tirar fotografias, pelo fotógrafo da polícia, do baú, da roupa e de tudo mais, guardou tudo na delegacia, afim de ter o conveniente destino.
As jóias constantes das cautelas, aquela autoridade vai procurar saber a quem pertencem, começando amanhã as suas investigações para esse fim.
O Dr. Alcântara foi ontem ao hospital central do exército interrogar Dilermando, negando-se este a prestar declarações sobre o crime; entretanto, conversa o dia inteiro com todos os que o vão visitar. Em vista disso, o delegado oficiou ao Dr. diretor do hospital, pedindo a sua incomunicabilidade, para não perturbar a ação da justiça.
O delegado fez lavrar um auto de recusa, que foi assinado por Dilermando, diretor do hospital e médico assistente.
Esteve nesta redação o Sr. Solon Cunha, filho do malogrado Dr. Euclides Cunha, que nos veio declarar não ser exato ter estado no hospital central do exército, em visita ao assassino de seu pai, como foi noticiado.
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Vida Social
Missas
Na igreja de S. Francisco de Paula será celebrada amanhã, às 9 ½ horas, a missa do 7º dia do passamento do saudoso homem de letras Dr. Euclides da Cunha.
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Participações fúnebres
Dr. Euclides da Cunha
Manoel Rodrigues Pimenta da Cunha, Dr. Octaviano da Costa Vieira, senhora e filhos (ausentes), Arnaldo Pimenta da Cunha, Nestor Augusto da Cunha, desembargador José Antonio Gomes e filha. Pai, cunhado, irmã, sobrinhos e primos do malogrado EUCLIDES DA CUNHA, mandando celebrar missa de 7º dia, por alma do mesmo, convidam aos seus amigos para assistirem a esse ato religioso, que se efetuará amanhã, sábado, 21 do corrente, às 9 ½ horas, na igreja de São Francisco de Paula.
O Paiz, Rio de Janeiro, 21 de Agosto de 1909
A morte do Dr. Euclydes da Cunha
Novas diligências – Reconstituição do crime – Novo depoimento de Dinorah – As criadas Brasília e Regina.
Acha-se quase terminado o inquérito policial sobre a tragédia da estrada Real de Santa Cruz, faltando simplesmente ser ouvido Dilermando, o assassino do Dr. Euclides da Cunha.
O Dr. Oliveira Alcântara, que se lhe faça justiça, tem mostrado em todo o seu trabalho, uma perspicácia a toda a prova, obedecendo a um raciocínio seguro, só peculiar aos que se compenetram das responsabilidades de que se acham sobrecarregados, não descansou enquanto não chegou ao termo de apresentar, com provas concludentes, à justiça, o autor do bárbaro assassinato do homem que ultrajado em seus brios, procurava um desforço para a sua honra.
Agora, pelo apurado que passamos a expor, não paira mais dúvida alguma que não houve um assassinato em legítima defesa, como a rabulice ignara já corvejando em torno do cadáver, procurava atenuar, com as garras dilatadas, a culpa do criminoso.
Dilermando, além de atassalhar a honra do homem seu protetor, além da exploração torpe à cujas expensas viveu, a farta, matou-o covardemente, está provado, sem pelo menos alvejá-lo frente a frente, com a mesma nobreza e com a mesma coragem.
É pasmosa a reconstituição do crime, feita ontem espontaneamente por Dinorah.
Anteontem, ao sair da delegacia, à noite, onde se achava detido desde meio-dia, por ter tentado penetrar na “República sinistra”, Dinorah, em presença dos repórteres que ali se achavam, garantiu ao delegado que voltaria no outro dia para fazer uma retificação necessária ao seu segundo depoimento, o que realmente fez, cumprindo assim a sua palavra.
À hora por ele marcada, compareceu na delegacia, cumprimentou o delegado e, depois de curta palestra, prestou o seguinte depoimento, que copiamos na íntegra:
Disse que, em relação às suas declarações prestadas no dia 17 do corrente, tem a retificar o seguinte: que não foi sexta-feira durante o dia, que esteve em casa do Dr. Euclides e sim na quinta-feira, 12 do corrente; que domingo abriu a porta para deixar entrar o Dr. Euclides; que este entrou na sala de visitas e de pé na entrada do corredor, voltando-se para ele declarante disse, já empunhando o revólver: “Vim aqui para matar ou morrer”, que em seguida dirigiu-se para a primeira porta, justamente a do quarto onde estava Dilermando, que a porta estava fechada com o trinco e que o Dr. Euclides abriu-a, metendo-lhe os pés; que aberta a porta, o Dr. Euclides desfechou para dentro do quarto dois tiros; que, quando o Dr. Euclides desfechou o terceiro tiro, ele Dinorah, segurou-o, botando-lhe a mão direita sobre o ombro esquerdo e a esquerda no antebraço direito, e que o empurrou para o lado da sala de jantar, sendo esse terceiro tiro o que lhe perfurou o dólman; que continuando ele a segurar o Dr. Euclides, este desfechou-lhe o quarto tiro, que lhe atingiu o dólman, na parte esquerda inferior, que então largou o Dr. Euclides e dando-lhe as costas, fugiu para o seu quarto, que nesta ocasião recebeu o quinto tiro que lhe feriu pelas costas; que uma vez dentro do seu quarto, procurou na mala e não achou o seu revólver e aí se conservou até que passassem os estampidos; que, enquanto aí permaneceu, ouviu várias detonações mais fortes e que cessadas estas, saiu e encontrou seu irmão na porta da sala, empunhando o revólver, que agora reconhece no que lhe é apresentado; que chegando junto do seu irmão viu o Dr. Euclides caído no jardim, à esquerda, próximo à uma cerca de zinco e à uma pequena calçada de cimento, com o rosto voltado para a frente da casa, quase de bruços e sobre o braço esquerdo; que seu irmão Dilermando, nessa ocasião, entrou para o interior da casa, de onde voltou sem o revólver e acompanhado de D. Anninha e Solon, conservando-se o declarante junto ao corpo do Dr. Euclides; que aí, ele e seu irmão recolheram o corpo, ainda com vida, para o quarto de Dilermando, e o colocaram sobre a cama; que na casa só se achavam ele, Dilermando, Dr. Euclides, D. Anninha, Solon, Lulu e a criada Anna de Almeida, que se achava no quintal; que, finalmente, reconhece o revólver que neste ato é lhe apresentado como o que empunhava o Dr. Euclides, e que depois de consumado o crime, entraram várias pessoas desconhecidas na casa.
Terminado isto, o delegado amistosamente pôs-se a conversar sobre a cena de sangue, e Dinorah acedeu em ir, a “república”, fazer uma reconstituição do crime, descrever-lhe as peripécias.
O delegado, em vista disso, dirigiu-se para a casa n. 214, da Estrada Real de Santa Cruz, acompanhado de vários repórteres, do Dr. Segurado, escrivão Anor e outras pessoas qualificadas.
Ali chegando, o escrivão Anor, por ser da estatura do assassinado, representou o papel do Dr. Euclides; o delegado, por ser mais alto, fez o de Dilermando, e Dinorah conservou-se no seu próprio.
Distribuídos os personagens, Dinorah dá entrada ao Dr. Euclides, que deixa encostado, à grade do jardim, o seu guarda-chuva; entra na sala, dirige-se para o corredor, vira-se para Dinorah, que se acha no meio da sala e diz-lhe de revólver em punho: “vim aqui para matar ou morrer”, e pára em frente à porta do quarto de Dilermando, que se acha fechada com o trinco, e que ele abre, uma banda apenas, aos ponta-pés.
Aberta esta, dá para dentro dois tiros seguidos. Dinorah corre para ele, bota-lhe a mão direita sobre o ombro esquerdo, encostando-o à parede, e com a esquerda agarra-o no antebraço direito.
O Dr. Euclides assim manietado, consegue dar o terceiro tiro, que lhe perfurou o dólman. Dinorah não o larga, empurrando-o para a sala de jantar.
O Dr. Euclides dispara o quarto tiro que, como o terceiro, errou o alvo, atingindo o dólman na parte esquerda inferior.
Vendo o momento que era vítima, largou-o, e correu para o seu quarto, sendo nessa ocasião ferido na altura do pescoço.
Uma vez no quarto, tratou de procurar na sua mala um revólver que não achou e daí ouviu então estampidos de calibre grosso.
Findo o tiroteio, veio para a sala de visitas, onde encontrou Dilermando à porta que dá para o jardim, com a arma fumegante, em punho.
Não viu mais nada depois que se refugiou no quarto, porém, chegou-se à conclusão de que Dilermando atirou sempre entrincheirado, por trás da meia porta fechada e assim provam os dois buracos feitos por bala na porta de dentro para fora, alvejando justamente os pontos onde deixara Dinorah, o Dr. Euclides.
Há ainda uma bala que foi alojar-se na fechadura da porta da sala de visitas e outra que se alojara mais adiante, na parede daquela mesma sala, que, pela trajetória, se evidencia que foram atiradas de dentro do quarto, de onde se conclui que se sentindo ferido o Dr. Euclides retirou-se para a sala, sendo sempre alvejado por Dilermando, de dentro do quarto, que daí só saiu quando o viu dar-lhe às costas e aí ainda o alvejou, como se verifica do ferimento no quadril esquerdo, feito de trás para frente.
Uma vez o Dr. Euclides fora da casa, no jardim, ele chegou-se à porta que dá para a pequena escada e disse-lhe a frase que a menor Celina ouviu, e o Dr.Euclides, em um assomo de indignação, virando-se para ele foi de novo alvejado, recebendo, então, o tiro que o matou.
Toda esta cena está de acordo com o que declarou Celina, e quanto ao tiro, está de acordo com o auto da autópsia, que constata o ferimento na região infra-clavicular, que lhe ocasionou a morte, como sendo dado de cima para baixo.
Hoje o Dr. Segurado, perito, vai levantar uma planta da diferença de planos, do local onde atirou Dilermando e onde se achava a vítima.
— Depuseram ontem Brasília Lauriana dos Santos e Regina, irmãs, a primeira cozinheira e a segunda copeira da casa de D. Anna Cunha.
Empregaram-se na segunda-feira e declararam que na quinta-feira dona Anna saiu com Lulu de casa, só voltando domingo à noite.
Disseram mais, que contra seus hábitos, o Dr. Euclides, pela manhã do domingo, escovou ele mesmo a roupa e saiu.
— Em um dos livros que se achava na “República”, há essa dedicatória, que vem provar que nem os próprios livros do malogrado Dr. Euclides escapavam à sanha insaciável que ali grassava. Diz a dedicatória: “Envio-lhe essa nova edição popular do breviário que mais freqüentemente se manuseia. Como a introdução é de Preing e existem junto ao texto umas policromias de gosto, pensei que lhe seria agradável possuir esse exemplar portátil e muito próprio para ser lido em dias estivais no “mangrulho” da arte. Rio, 12-2-07 – Araripe Júnior.”
— Dilermando continua em vias de pronto restabelecimento e não sabemos por que ainda não foi permitido ao delegado tomar-lhe o depoimento, necessário à ultimação do processo.
— O Sr. Deocleciano Martyr, para armar ao efeito, impetrou ontem ao juiz da 3ª vara criminal, uma ordem de “habeas corpus” em favor de Dinorah de Assis.
Alega o impetrante estar Dinorah ilegalmente detido na delegacia do 20º distrito.
O juiz requisitou informações do respectivo delegado e determinou que o paciente lhe fosse apresentado hoje.
* * *
Telegramas
BAHIA, 20.
— O corpo docente da Faculdade de Direito promove uma seção cívico-literária, que se realizará no dia 15 de setembro, no paço do Conselho Municipal, em homenagem à memória de Euclides Cunha. Presidirá a sessão o conselheiro Carneiro da Rocha, sendo orador oficial o acadêmico Abelardo Vieira.
O Paiz, Rio de Janeiro, 22 de Agosto de 1909
A morte do Dr. Euclydes da Cunha
Continuação do inquérito – Estado de Dilermando – Testemunhas importantes.
O Dr. Alcântara, delegado do 20º distrito, ontem, conforme noticiamos, foi à casa de D. Anna Cunha, que isto lhe mandara pedir.
A autoridade para ali se dirigiu, encontrando-a ligeiramente enferma.
D. Anna começou por pedir-lhe desculpas por ter escrito uma carta a um jornal da manhã, em que declarava terem sido as declarações constantes do seu depoimento feitas sob coação, quando tal não se havia dado, acrescentando ainda que assim o fizera por um ato de irreflexão.
O delegado tratou de sair desses pormenores, que nada lhe interessavam, e perguntou-lhe o que desejava, ao que ela respondeu precisar fazer mais algumas declarações francas e sinceras, o que levaria a efeito logo que a sua saúde permitisse.
O Dr. Alcântara retirou-se, para voltar por estes dias.
Chegado à delegacia, aí já o aguardava o Dr. Segurado, que com ele seguiu para a casa da estrada Real de Santa Cruz, onde foi levantada a planta de diferença dos planos onde se achava Dilermando e onde caíra morto o Dr. Euclides, bem como a altura dos dois e a posição exata em que foi disparado o tiro por Dilermando.
Aos poucos vão aparecendo mais testemunhas de vista e o denso véu que a princípio envolvia a tragédia, vai se afastando para surgir a verdade.
Estas duas testemunhas, cujos nomes, para não embaraçar as diligências policiais, deixamos de dar à publicidade, elucidarão os últimos pontos do crime, até agora obscuros.
Dilermando, ontem, foi submetido a uma intervenção cirúrgica, que não deu resultados satisfatórios, correndo mesmo com insistência, que se agravara profundamente o seu estado.
— Uma comissão do ministério das relações exteriores foi à casa da rua Nossa Senhora de Copacabana, e dentre os manuscritos que se achavam no gabinete de trabalho do falecido escritor, separou os relativos a assuntos importantes daquele ministério e entregou-os à viúva para guardar.
* * *
TELEGRAMAS
S. PAULO, 21.
— Foi muito concorrida hoje a missa na catedral, por alma do Dr. Euclides da Cunha, mandada rezar pelos funcionários da repartição de obras públicas, de que foi engenheiro o malogrado escritor.
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A Semana
A morte do Dr. Euclides da Cunha marcou com uma pedra negra estes sete dias – e difícil me fôra comentar os fatos da semana sem aludir ao principal dentre deles, ao mais lutuoso e lamentável que os jornais haviam noticiado.
Foi na verdade um assombro nas rodas mais cultas da cidade esse fim dramático e violento do autor dos Sertões, mais conhecido pela sua auréola de escritor e acadêmico, do que mesmo pela face mais íntima de chefe de família. Ai dele! que louros e encômios não bastam à criatura, e prevalece na vida essa outra necessidade mais viva e palpitante, mais real, menos abstrata do que a glória, de ter no conchego das quatro paredes do ninho fechado às vistas exteriores a sua felicidade, a sua doçura, o seu maior prazer e maior consolo.
Muitas vezes, o talento só não basta para formar essa macia pousada, da harmonia e do amor. O clarão que esparge fora o prestígio do homem público vela aos olhares que somente a ele contemplam muitas dores que ficam atrás do seu vulto aplaudido, muitos martírios calados, muitas opressões tirânicas, muitos atos mesmo de violência, que não desculpam, de certo, reações sentimentais, se as houve, como propalam, mas atenuam, sim, atenuam muito a fraca alucinação de uma alma desorientada, ressentida e vazia, que se debatia entre rancores acumulados.
Diz o provérbio árabe que se não deve bater em uma mulher nem com uma flor… E, realmente, a mulher maltratada perde, como a flor, o brilho veludoso do seu melindre mais puro. A revolta substitui o afeto, abrindo a porta aos feios instintos humanos.
E cumpre que a irreparável desgraça da vítima principal da tragédia não apague nos corações justos a piedade indulgente, feita de tristeza e amargura, que também merece a outra vítima que ficou na terra para provar o cálice de talvez ainda maiores desenganos e sofrimentos.
Quanto a mim, guardo a minha antipatia para esse tipo incestuoso, hoje comum em nossa sociedade, do homem novo que explora fraquezas e cegueiras da mulher madura, quase maternal, perdida nesse anseio vago de um certo período difícil da vida feminina em seu declínio, quando a assaltam sonhos mórbidos, angústias fisiológicas, desejos de simpatia, precisões de carícias – para a arrastar ao abismo das concessões e até… coações.
Esse tipo de rapaz é simplesmente repugnante… Como consolador, enoja, por ter espedaçado a barreira moral do respeito; e, como explorador, indigna, enfurece…
Como, porém, pululam atualmente esses tipos, risonhos, bem vestidos, impudentes, usufruindo todas as regalias sem uma vermelhidão na face imberbe, já privada do verniz da honra! Chamam a isso: amor!… Não, amor não é isso, nem jamais excluiu o amor de uma alma de homem, mesmo novo, o sentimento do brio e do orgulho.
Quero, entretanto, acreditar que, no lastimável caso atual, não se trata disso. São conjecturas, desconfianças, tristezas. E, como realidade, só o sacrifício de uma vida ilustre, a desventura de outra vida – e o dever sagrado de não agitarmos demasiado os fatos que possam ofender a memória do morto e prejudicar o nome de uma dolorosa viúva e seus filhos órfãos…
(…)
Carmen Dolores.
* * *
Vida Social
Missas
Rezou-se ontem, no altar-mor da igreja de S. Francisco de Paula, a missa por alma do grande escritor brasileiro Dr. Euclides da Cunha.
No centro do templo achava-se armada a eça, ladeada por dez grandes tocheiros e seis palmas ciprestes.
Oficiou monsenhor Moura Guimarães, servindo o padre Tarfé de mestre de cerimônias, de diácono o padre Rocha e de sub-diácono o padre Epaminondas.
A concorrência foi extraordinária e seleta, comparecendo altas autoridades, intelectuais, amigos e admiradores.
Achavam-se presentes as seguintes pessoas:
Barão do Rio Branco, ministro das relações exteriores, Dr. Araújo Jorge, secretário das relações; deputado Felix Pacheco, Dr. Lassance Cunha, Dr. Guimarães Natal, Dr. Aristides Benício de Sá, Dr. Theodulo de Meirelles, Dr. Barros Almeida, Dr. Lopes Rodrigues, barão Homem de Mello, general Thaumaturgo de Azevedo, capitão Virgílio Lopes Rodrigues, Victor Rossi Grey, conselheiro Coelho Rodrigues, Enéas Martins, Cid de Menezes Pádua, Tasso Fragoso, José do Patrocínio Filho, Marques Pinheiro, Henrique Morel, do Etoile du Sud; Dr. Raphael Pinheiro, Randolpho Soares Leitão, Nestor Victor, Leônidas de Barros, Odilon S. de Albuquerque, Luiz Nunes Rodrigues, Ary de Noronha, Homero Carneiro, Olympio Pinto Coelho, Júlio Caulliraux, Vicente Trotte, João Moraes, Roberto Fonseca, Sylvio Santos, Carlos S. Araújo, Alcides Medrado, Bellarmino de Mendonça Filho, Roberto Moreira da Costa Lima, Leopoldo Coelho de Gouveia, Manoel Lourenço Ferreira, Oliveira Coelho, Antonio Joaquim Monteiro, José Alves Ferreira Chaves e senhora, Alfredo L. Ferreira Chaves, Mário Oliveira, Carlos Bittencourt, Luciano da Costa Peres Trilho, Alfredo Henrique da Costa, Lauro Salles da Silva, Oswaldo Ferreira de Mendonça, José Belém de Almeida, Ary Kerner Gil de Araújo, Eugenio de Carvalho, Drs. Guilherme Affonso, Guerreiro Lima, Moura Ferreira, Ernesto de Araújo Vianna, Frederico da Costa Brito, Henrique Noronha; general J. C. Pinheiro Bittencourt, Dr. João Pedro de Aquino, Dr. Cruz Abreu, Dr. João Baptista Capelli, almirante Carlos Balthazar da Silveira, Dr. Benjamin Franklin de Albuquerque Lima, Dr. Manoel Cunha Júnior, Dr. J. A. Coqueiro, coronel Rodolpho Nunes Pereira, Dr. Guilherme de Moura, Dr. Giffenig von Niemeyer, engenheiro Carvalho Borges Júnior, major Costa Filho, James Golder, Dr. Alfredo Balthazar da Silveira, Raymundo de Abreu, pela Tribuna; Dr. Bernardo Ribeiro de Freitas, Dr. Pedro Luiz Soares de Souza, Alfredo Alexandre, Dr. Olympio da Fonseca, Cyro Farinha, Gustavo Augusto de Rezende, major Antero de Siqueira, José Deocleciano Gomes Júnior, Sylvio Wright Netto Machado, Ernesto Thibau, Stephane Vannier, José Gabriel Nunes, Alexandre Ferreira de Oliveira, Moniz de Aragão, Fernando dos Santos Marques, Joaquim Dias dos Santos, Frederico Furtado Cavalcante, Mário Soares Magalhães, Oswaldo Duarte, Mário Barros Lima, Octavio Salles, Oscar Madeira, Alberto Terra, Horácio Dias, Bernardino Fonseca, Sócrates Pinto, Antonio Coelho Bittencourt, Jayme de Almeida, coronel Benjamin Carvoliva, Manoel José da Silva, Alcino Chavantes Filho, Horácio Alves Moraes, Victor Vianna, Américo da Silva Pinto, Joaquim da Silva Pinto, Luzia de Carvoliva, pelo Dr. Brício Filho e pelo Século; Alfredo Guimarães, R. Murtinho Doria, Baldomero Carqueia Fuentes, Olympio Mendes, João Luso, Joaquim Eulálio, Alexandre da Costa Neves, José Maria Pereira de Castro, Benedicto de Oliveira Júnior, Frederico Alves, Fábio de Azambuja, Manoel José de Campos, Júlio Medeiros, pelo Jornal do Commercio; Eduardo Solon Ribeiro, Adolpho de Almeida Figueiredo, Felix Pereira Marques, Alfredo Santos, Antonio Luiz Pereira, Dr. Fernando Terra, Dr. Bento Lisboa, Dr. Aristêo de Andrade, Walfrido Ribeiro, Oscar Peckolt, Dr. Luiz Bahia, deputado Francisco Veiga, Dr. Ângelo da Veiga, capitão-tenente Galvão Bueno, M. G. Moreira, Dr. Amaral Peixoto, João Coelho dos Santos, Dr. Pedro Vergne de Abreu, Agenor de Carvoliva, Dr. Alfredo Gomes de Almeida, Edgard Pego, Secundino Tamborim, Affonso Duarte Ribeiro, major José Joaquim Firmino, Paulo G. de Mendonça, general Bellarmino de Mendonça, Mme. Medeiros e Albuquerque, Dr. Júlio da Veiga, Américo Lassance, coronel Alfredo Braga, Constancio Alves, Dr. Pinheiro Guimarães, Dr. Gastão da Cunha, Dr. Belizário de Souza, Dr. J. B. Paranhos da Silva, Dr. Elpídio Trindade, J. Henrique Aderne, Accacio Werneck, Luiz Augusto Ciodaro, tenente Juvenal Ramos de Oliveira, Joaquim Lacerda, José A. Boiteux, major Moreira Guimarães, Manoel Antonio da Silva Villar, Armary Aché Pillar, Alfredo Gomes Felix de Souza, general Olympio da Silveira, Oswaldo O. Storino, Joaquim Henrique Coutinho, Elisiário Malta da Costa, Elysio da Silva Pinheiro, Mme. Macedo Soares, Mme. Elsa Guimarães, Domingos Machado, Mme. Ernesto Machado Guimarães, viúva Moraes e Filho, Rubens Maximiano de Figueiredo, Mário Telles da Silva, Silveira Sampaio, Annibal Babo, Horácio Basson, Vito N. Campos, Dr. Pedro Vergne de Abreu, Francisco Eduardo Vasconcellos, Manoel Freire dos Santos, tenente Alfredo Lemos, Vianna Figueiredo, Hugo Laemmert, Laemmert & C., Olindo Pinto Coelho, Eduardo Veiga, Araken Coutinho, Dr. Amaral Peixoto, Dr. Leôncio Correia, Gastão Betim, Dr. Eurico de Góes, J. M. Cardoso de Oliveira, Raul Barreto Maranhão, Barros Moreira, J. Marques da Silva, pelo Correio Paulistano; Dr. F. Simões Correia, Oscar Correia, José Pereira da Silveira, Francisco Ribeiro, João Barbosa, por si, pelo Estado de S. Paulo e pelo Dr. Júlio de Mesquita; Gastão de Moutinho, Deoclides de Carvalho, Arthur Goulart e Ranulpho Cunha, por esta folha.