Notas de leitura

Pudessem todos ler este livro… O espírito após atravessar estas páginas como se transfigura — sentimos dentro de nós uma nova força, latente e invencível — a única capaz de fielmente transmitir as energias da nossa alma.

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Vemos quanto é forte esta alavanca — a palavra — que alevanta sociedades inteiras, derriba tiranias seculares…

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É curioso ver-se tombar, ruir por terra — o velho castelo de granito do feudalismo — não batido pelas picaretas de ferro, não chocado pela polêmica formidável das catapultas antigas — mas ao embate do verso iluminado de Mirabeau!…

É mais interessante ainda o ver-se uma frase tão simples “Deus o quer!…” alevantar cem povos; lançar uma de encontro a outra, num duelo horrível, duas religiões enormes, encher de devastação a Ásia e de horror a Europa, burilar o símbolo da cruz aos copos de todas as espadas — dar às arestas das cruzes o gume das espadas — e fazer convergir para o túmulo de um filósofo ilustre toda a vitalidade das sociedades medievais!…

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Eu tenho fanatismo tão insensato pela palavra, pela tribuna que, faça embora o que fizer de melhor para a sociedade, terei cumprido mal o meu destino se não tiver ocasião de, pelo menos uma vez, erguer a minha palavra sobre a fronte de qualquer infeliz, abandonado de todos; e aí impávido, altivo, audaz e insolente arriscar em prol de sua vida obscura todas as energias de meu cérebro, todos os meus ideais — a minha ilusão mais pura, o meu futuro e a vida mesmo!…

Rio, 6 de agosto de 1888

Como citar
CUNHA, Euclides da. Notas de leitura (sobre Éloquence et improvisation, de E. Paignon). In: EUCLIDESITE. Obras de Euclides da Cunha. Dispersos e fragmentos. São Paulo, 2021. Disponível em: https://euclidesite.com.br/obras-de-euclides/dispersos-e-fragmentos/notas-de-leitura/. Acesso em: [data]. Reprod. de: CUNHA, Euclides da. Obra completa. Fragmentos e relíquias. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2009. v. 1. p. 803-4. Manuscrito na última página do livro Éloquence et improvisation: art de la parole oratoire au barreau, à la tribune, à la chaire (Paris: Auguste Durant, 1854), de Eugène Paignon. Acervo Lúcio de Mendonça, Academia Brasileira de Letras. Publicado originalmente na Revista do Grêmio Euclides da Cunha, Rio de Janeiro, nº 26.