O Estado de S. Paulo, 26 de outubro de 1897
Os briosos soldados que voltam da luta são dignos do entusiasmo com que o povo os recebe.
Quando, em princípio de setembro, chegamos a Queimadas, eu já sabia que o batalhão paulista chegara a Canudos realizando uma marcha brilhante e rápida. Em Queimadas, a opinião unânime dos habitantes daquela cidade traduzia-se num elogio constante ao procedimento da força deste Estado durante o tempo em que ela ali esteve.
Nem uma vez discordante perturbava essa manifestação absolutamente sincera e franca, que ainda perdura e persistirá por muito tempo.Em Monte Santo (enuncio um fato que me foi exposto pelas pessoas mais sérias da localidade) a população inteira ficou verdadeiramente surpreendida ante a entrada corretíssima de um batalhão, que acabava de realizar uma marcha de dezesseis léguas e ali chegava, em forma, numa ordem admirável, como se fosse tranquilamente para uma simples revista.
Quando segui para Canudos com o heróico regimento do Pará, encontrei uma ala da nossa força já próximo não termo da viagem. Foi entre Sussuarana e Joá, na estrada do Calumbi, havia pouco descoberta pelo tenente-coronel Siqueira de Menezes, trabalho notável que contribuiu muitíssimo para apressar o termo da luta, porque estabeleceu mais rápidas e seguras comunicações com Monte Santo.Lá estava a ala esquerda do batalhão paulista, dirigida pelo bravo e dedicado major José Pedro. A estrada do Calumbi, por onde os jagunços esperavam a expedição do general Artur Oscar, ladeada em parte pelas montanhas do Calumbi e Cachamangó, crivada de trincheiras ásperas de mármore silicoso, tendo um trecho de três quilômetros dentro do valo profundo do rio Sargento, cortando talvez quinze vezes as barrancas abruptas do rio Craíba, é de mais difícil travessia do que a do Cambaio. Guardá-la e ocupá-la, pois, não era empresa de pouca monta, sobretudo antes do estabelecimento de um tráfego franco e continuo. Tanto isto é verdade que a ala do batalhão paulista foi depois substituída por uma brigada – a do coronel Gouveia.Assim, ao chegar a Canudos, no dia 15 de setembro, eu louvava já a convicção de que os intrépidos soldados do sul prosseguiam retilineamente nas empresas rudes da guerra.
E, realmente, assim procederam sempre.
Expondo lealmente a verdade afirmando que o general em chefe repetidas vezes me manifestou, com a franqueza excepcional que o caracteriza, a confiança inteira, absoluta, que lhe inspirava o batalhão de S.Paulo:
– Cada vez me agrada mais esta sua gente…
Havia razões para isto. O batalhão era perfeito na disciplina. Cumpria as ordens que recebia, mas rigorosamente, estritamente, com uma precisão verdadeiramente militar, sem delas se arredar nem mesmo para se atirar à aventura mais tentadora e aparentemente da mais fácil realização.
Teve poucos homens fora de combate; foi mesmo, talvez, o batalhão menos sacrificado de toda a campanha. Este fato, na aparência incompatível com os inegáveis serviços por ele prestados e cuja importância não se pode dirimir, explica-se, de um lado, pelo tempo relativamente curto em que esteve no campo das operações e, de outro, por um acaso feliz, porque arriscadíssimas e sérias foram muitas vezes as posições que ocupou e não abandonou nunca.
O plano de ataque do memorável dia 1º de outubro demonstra-o. Apoiada pelo batalhão do Pará, a ala direita do batalhão paulista, sob o comando imediato do tenente-coronel Elesbão Reis, garantiu a poucos metros do centro agitado da luta, desdobrando-se na margem esquerda do Vaza-Barris, da igreja velha à nova, um extenso segmento da linha do cerco, enquanto a ala esquerda, dentro do arraial, no mais acesso do combate, compartia os trabalhos e perigos que rodeavam as forças assaltantes do exército, acompanhando-o dignamente na rara e notável subordinação ao dever e na extraordinária dedicação à República que ele sempre patenteou.
Isto é o depoimento simples e sincero de uma testemunha pouco afeiçoada à lisonja banal e inútil.
Mas, não era a primeira vez que os paulistas se aventuravam a arrancadas nos sertões.
O episódio trágico dos Palmares e a epopeia ainda não escrita dos Bandeirantes foram criados pela índole aventureira e lutadora dos sulistas ousados.
E o batalhão do S.Paulo, heróico e desassombrado no combate, fez reviver, por um momento, uma página da história do presente, todo o vigor guerreiro e toda a índole varonil dos valentes caídos há dois séculos.
CUNHA, Euclides da. O Batalhão de S. Paulo. In: EUCLIDESITE. Obras de Euclides da Cunha. Crônicas. Disponível em: https://euclidesite.com.br/obras-de-euclides/cronicas. Acesso em: [data]. Texto-base: CUNHA, Euclides da. Diário de uma expedição. org., rev. e notas de Walnice Nogueira Galvão. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. pp. 269-73. Publicado originalmente em O Estado de S. Paulo, 26 out. 1897. Reprodução sem as notas do editor.