Fenômeno Interessante

O Estado de S. Paulo, 1º de janeiro de 1897

Prosseguindo nas considerações anteriores, devemos declarar que o fenômeno geológico ocorrido em Santos deve despertar o mais vivo interesse, embora sem o valor que teria se fosse originado pelo concurso das forças interiores do nosso planeta. De origem recentíssima, geologicamente, a formação dos hidrocarburetos saturados da erupção deve ter sido iniciada numa época muito anterior à nossa existência histórica quando, provavelmente, o mar, cobrindo toda a várzea que ora se estende até à ponta da Barra, impelia as suas ondas até à base do Montserrat.Esta tentativa de retrospecção assume o vigor de uma dedução científica considerando-se, de um lado, a seção vertical do solo naquele lugar, definida pela sondagem realizada, e, de outro, as conchas marítimas lançadas pela coluna emergente.

A sonda, depois de cindir a última camada de argila e determinar a violentíssima expansão, parece, realmente, ter atingido, na parte arenosa, a antiga praia, lentamente repelida para leste, até à formação do canal existente.

Para os que conhecem a estrutura geológica e a disposição topográfica daquela região – esse fato é altamente explicável. E, se considerarmos que o nosso atual período geológico é francamente caracterizado pela natural rapidez da decomposição das rochas, principalmente das que, como o gneiss, dão lugar, em virtude duma decomposição, à formação de argila, ele pode ser explicado sem a consideração de movimentos seculares de ordem mais elevada.

De fato, lentamente obstruído pelos sedimentos argilosos conduzidos das montanhas circunjacentes pelas grandes enxurradas, o mar, naquele ponto, recuando para leste, foi lentamente substituído pelo pântano que, por sua vez, de envolta com os destroços de sua vegetação característica, foi coberto pela camada impermeável e crescente de argila.

Assim revestidos e livres da ação redutora da atmosfera, os destroços vegetais e animais, por meio de uma destilação extremamente lenta, originaram os produtos voláteis a que nos referimos, constituindo um gás natural, que nem sempre indica a existência do petróleo.

Do que acabamos de expor conclui-se que a natureza realizou naquelas paragens, numa escala muitíssimo menor, com enorme redução de espaço e de tempo, o processo geral por ela adotado, segundo a opinião predominante entre os naturalistas, para a formação dos combustíveis minerais.

Substituamos à vegetação enfezada e deprimida dos mangues atuais as sigilarias elegantíssimas e altas ou as cicas majestosas da idade paleozoica; revistamo-las com a mesma argila impermeável e deixemos que sobre esse mundo vegetal extinto e comprimido pelo depósito constante de sucessivos extratos sedimentários, se desdobre a extensão indefinida das idades da terra…

É a teoria de Hunt, sustentada brilhantemente por Kroemer e verificada experimentalmente por Engler, para a formação dos combustíveis fósseis. Assim se originaram, com mais ou menos intensidade, segundo maior ou menor antiguidade, as jazidas de gás natural de Ohio e da Pensilvânia.

Menos feliz que Pittsburgh, porém, Santos não possui uma jazida capaz de, por largo tempo, iluminá-la e dar às suas fábricas a maravilhosa força motora derivada de 300.000 metros cúbicos de gás por dia.

A jazida de Pittsburgh foi atingida a 1.320 pés de profundidade e durou cerca de quinze anos com imperturbável intensidade. A de Santos, descoberta à flor do solo, quase será efêmera e terá afinal um único valor: abalar um pouco a nossa indiferença tradicional pelo estudo do nosso próprio país.

 
E.

Como citar
CUNHA, Euclides da. Fenômeno interessante. EUCLIDESITE. Obras de Euclides da Cunha. Crônicas. São Paulo, 2020. Disponível em: https://euclidesite.com.br/obras-de-euclides/cronicas/. Acesso em: [data]. Publicado originalmente em O Estado de S. Paulo, S. Paulo, 1º jan. 1897. Reprod. Fenômeno interessante. Dispersos. In: CUNHA, Euclides da. Ensaios e inéditos. org. Leopoldo M. Bernucci e Felipe Pereira Rissato. São Paulo: Editora UNESP, 2018. pp. 79-82.