Correspondência ativa de 1899

Belém do Descalvado, 17 de fevereiro de 1899

Escobar

Afinal vale a pena transgredir às determinações de um médico para saudar-se um amigo. É o que faço.

Estou quase bom; mas ainda sob a impressão de um grande susto: não se resvala impunemente pelo túmulo! Estou como quem se abeirou da selva oscura de Dante — aterrado, e ao mesmo tempo delirando quase pela ânsia de viver. E nesta situação as cartas dos meus amigos são as melhores receitas que posso ter. Entretanto não me alongarei.

À viva voz conversaremos, breve.

Com a mais alta satisfação soubemos que estás no estado o mais interessante possível: nas vésperas de ser pai. Enviamos antecipados parabéns. Lembranças minhas ao dr. Aquino, a quem ontem escrevi, ao Ferraz, João Novo, Antônio Preto e Wolkmann.

A Saninha envia recomendações a d. Francisca desejando-lhes felicidades.

Abraça-te o amo. velho

Euclides

[Timbre: M. R. Pimenta da Cunha — Fazenda da Trindade — Estação da Aurora — Belém do Descalvado]

S. José do Rio Pardo, 23 de março de 1899

Amo. dr. Aquino

Quando aqui esteve o meu grande amigo dr. Derby recomendou-me uns artigos que têm aparecido (sem assinatura, mas, visivelmente de Capistrano de Abreu) nos últimos números do Jornal do Comércio. Referem-se a assunto pátrio. Se puder emprestar-me aqueles números do jornal — agradecerei muito. Infelizmente me esqueci dos títulos dos artigos (creio que é “Memórias de Frei” não sei quem). Confio porém na tua perspicácia.

Recado do amo. obro.

Euclides

S. José do Rio Pardo, 9 de setembro de 1899

Porchat

Desejo-te felicidades.

Recebi a tua carta, entregue pelo Borba, com satisfação real — e, embora ela despertasse grandes saudades do bom amigo, reli-a muitas vezes.

Aqui continuo nesta vida trabalhosa, de exilado, alevantando os pilares de uma ponte que está muito longe de ser o “monumento” a que te referiste. Tenho uma compensação única — a existência tranquila; e nesta quadra não sei de melhor remuneração para os maiores esforços. Vivo entre os meus rudes italianos manejadores de marretas e sinto-me verdadeiramente feliz adstrito a uma missão exígua e fatigante de operário. O mesmo não se dá contigo; noto pela tua carta. Falta ao meu amigo a obscuridade salvadora. Na bela posição que honra sofre o pesadelo imposto dos comentários cerebrinos da imprensa e das extravagantes interpretações do que se diz, nessa terra, opinião pública. Quaisquer que sejam, entretanto, estas e aqueles, estou certo de que não tocarão uma bela reputação feita de há muito, solidamente firmada. Quer isto dizer que era escusada a tua recomendação: seria pelo menos extravagante que me impressionassem as inofensivas cincadas de pobres diabos de repórteres, que por aí vivem baldos de ideias e de assuntos.

Creio que muito breve irei até aí. Conversaremos então mais longamente. Todos da minha casa vão bem e lamentam que não tenhas dado mais detalhadas notícias sobre tão digna família. A Saninha envia muitas recomendações a d. Maria Júlia e a todos.

Abraça-te o velho amo.

Euclides

P. S. — O meu decantado livro, feito em quartos de hora, através das perturbações de outros trabalhos, está, afinal, pronto. Preciso, porém revê-lo — principalmente para lhe dar alguma continuidade.
Levá-lo-ei quando for a S. Paulo.

Euclides

S. José do Rio Pardo, 13 de outubro de 1899

Porchat

Desculpa-me não haver logo comunicado o recebimento do belo livro de Renan ― valorizado pela tua delicada dedicatória. Não o permitiram os trabalhos da ponte, agravados agora por súbita enchente do rio Pardo. Ainda agora, escrevendo-te, sou obrigado a ser breve. São 8:30 da noite e às 9 deverei estar assistindo à retirada de uns restos de andaimes que as correntezas ameaçam. Já vês que continua, sempre brutal, esta minha vida rude de operário e faço jus à antecipada absolvição por todas as incorreções acaso cometidas. Felizmente conto com a tua indulgência ampla.

A Saninha envia muitas saudades a d. Maria Júlia e a toda a Exma. família.

Abraça-te o velho amo

Euclides