- S. Paulo, 6 de janeiro de 1895
- S. Paulo, 10 de janeiro de 1895
- Campanha, 23 de janeiro de 1895
- S. Paulo, 22 de fevereiro de 1895
- Campanha, 27 de março de 1895
- Campanha, 5 de abril de 1895
- B. do Descalvado, 3 de maio de 1895
- B. do Descalvado, 3 de maio de 1895
- B. do Descalvado, 12 de maio de 1895
- B. do Descalvado, 15 de maio de 1895
- Descalvado, 18 de junho de 1895
- Descalvado, 28 de junho de 1895
- B. do Descalvado, 8 de julho de 1895
- Descalvado, 6 de agosto de 1895
- Descalvado, 8 de agosto de 1895
- S. Paulo, 5 de setembro de 1895
- S. Paulo, 5 de setembro de 1895
- S. Paulo, 26 de setembro de 1895
- S. Paulo, 3 de outubro de 1895
- S. Paulo, 9 de outubro de 1895
- S. Paulo, 6 de novembro de 1895
- S. Paulo, 19 de novembro de 1895
- S. Paulo, 8 de dezembro de 1895
S. Paulo, 6 de janeiro de 1895
Meu caro João Luís
Saúde e felicidades. Desejo que estejas bom assim como toda a família. Recebi a tua carta e dou-te razão para estranhares o meu silêncio. Realmente, acúmulo de trabalho tem me impedido escrever não só a ti como a outros amigos. Recebi o teu delicado cartão no dia 1º, o qual me veio lembrar mais uma falta por mim cometida, visto como me esqueci inteiramente de saudar nesse dia aos raros e bons amigos que possuo.
Escrevo esta da casa do Porchat em quem dei o abraço que enviaste; é escusado dizer-te que ele o recebeu com a maior satisfação e agradece-te muitíssimo. É um belíssimo rapaz que quase sempre me recorda um bom amigo ausente, igualmente moço e talentoso, que aí tenho, longe, nessa nossa adorável Campanha…
Diga ao Lemos que breve, amanhã, escrever-lhe-ei; faz-lhe uma visita por mim.
Soube aqui qualquer coisa acerca do nosso velho amigo Bernardo Veiga que ao que parece esteve às voltas com um tratante qualquer, tendo a satisfação porém, de ser amparado, na refrega, por todos os filhos daí. Ainda bem: envio-lhe um abraço. Faz aqui um calor espantoso, 32, 33, 34 graus, quase diariamente; apesar disto, vou indo melhor de saúde e vão bem todos de casa. Vou logo saber se já veio afinal o Borges Carneiro. Em último caso enviar-te-ei, se o quiseres, o poeirento fóssil que existe no Garraux.
Como vai nosso ilustre amigo dr. Brandão? Dê-lhe apertados abraços por mim.
E o Chiquito? As altas questões da Justiça pública, certo, não lhe dão tempo para indagar da saúde do afilhado.
Espero a chegada do velho, que está no Paraná, a fim de tomar uma resolução qualquer acerca da mudança de vida. O clima aqui é prejudicialíssimo e estou vendo que não poderei suportá-lo longo tempo. Prevenir-te-ei, com tempo, acerca de qualquer solução.
Escreva-me sempre. Dê apertado abraço nos amigos; recomenda-me a teu sogro e a toda família.
Saudade do amo. velho
Euclides
S. Paulo, 10 de janeiro de 1895
Ilustre amigo general Solon
Desejamos que esta o encontre assim como a todos de boa saúde e felizes. Nós vamos bem, sobretudo os filhinhos, robustos, fortes como sempre. Eu é que me sinto extenuado, exausto mesmo de trabalhos, vou vivendo, porém aguentando heroicamente a luta pela vida.
Já sei que o sr. está bem aí; esta gente do Norte é boa e cavalheira – estimá-lo-á; há de deixar aí muitos amigos – e entre eles o meu tio José, um bom tipo de homem honesto e digno que lhe recomendo.
Há dias estive com o dr. Cerqueira César que lhe manda muitas lembranças – é um bom velho este e parece ser seu amigo.
Não sei que resolução tomar ainda sobre a volta à carreira militar; o meu tempo de agregação está a expirar e preciso tomar uma deliberação qualquer. Como sabe eu sou de uma irresolução vergonhosa até – se puder e quiser ajudar-me um pouco com a sua sólida experiência de homem que já lutou muito. Aguardo neste sentido a sua resposta. Uma das coisas que me impressionam é reverter e ficar adido ao quartel general, com vencimentos reduzidos e com família que somente eu sustento sem apoio algum estranho. Às vezes penso em ir para aí, como engenheiro civil, numa comissão mais ou menos estável, que me faculte reformar-me sem medo. Talvez o senhor pudesse conseguir isto com alguma influência política daí. Mande-me dizer qualquer coisa a respeito. Aqui, compreendo (e mesmo nada tentei ainda) que pouco ou nada conseguirei de uma política enredadíssima e listrada pelas raias rubras do jacobinismo que me vê com maus olhos. Tenho com os homens da situação relações corteses de cumprimento e não me animo (e porque não dizer – não quero?) ir além.
Tenho trabalhado muito e lucrei muito como engenheiro nestes seis meses de aplicação – não dou por perdido, portanto, todo este tempo. Preocupo-me, porém, muito pensando no futuro para o qual terei talvez aptidão para seguir, mas certo não tenho jeito.
Ora, a situação é justamente dos espertos, daí o grande desânimo que me atinge.
Estarão aí tão irrequietos como aqui os restauradores?
Às vezes creio que a nossa República atravessa os piores dias. Esta reação monárquica tem afinal aliança das nossas desgraças políticas e temos às vezes, imaginando um sucesso que por isso mesmo é um absurdo pode-se realizar na nossa terra.
Também será o que falta para completar a nossa desmoralização perante o mundo.
A pior posição será a nossa, a dos republicanos de todos os tempos… os outros aderirão pela segunda vez e continuarão a mesma vida cômoda que hoje têm.
A Saninha pede-lhe para retribuir as lembranças da família do sr. coronel Saturnino.
Mande-nos dizer que tal tem achado tudo isto por aí; mas escreva-me – não creio que o comando do Distrito abosorva-lhe todo o tempo. Os meus amigos vão ficando escassos – só falta agora que o velho amigo imite-os. Também a Saninha queixa-se da falta de cartas… neste andar a nossa sociedade estará em breve reduzida aos dois filhinhos.
Esteve aqui o Ferraz e trouxe uns presentes que agradecemos. O coronel Noronha, um bom e digno amigo seu manda muitas lembranças.
Recomende-me a todos. Aí vai grande abraço e grandes saudações do genro e amo. obrmo.
Euclides da Cunha
Campanha, 23 de janeiro de 1895
Porchat
Desejo-te saúde e felicidades; cumprimento a toda a família.
Há dois ou três dias recebi a tua última carta e estimei saber que estás bom assim como toda a família. Creio que breve deixarei esta boa terra – aonde desejaria atravessaria atravessar a existência toda – porque o Regimento que aqui estava seguiu já para S. João Del Rei. Não sei para onde irei.
Concordo contigo acerca da má feição dos negócios públicos daí; péssima feição cuja causa essencial está neste fato: não há lugar algum no mundo tão próprio para o sucesso das nulidades atrevidas quanto S. Paulo. Passar uma revista pelo mundo político desta terra é observar os tipos mais completos dos mais perfeitos parvenus.
Bem sabes que não preciso saber uma longa citação de nomes.
Eu lamento o fato; S. Paulo é digno de outros homens, é digno de outro destino.
Escreva-me sempre, todos daqui muito se recomendam aos teus.
Aceita um abraço do amo. obrdo.
Euclides
S. Paulo, 22 de fevereiro de 1895
João Luís
Desejo-te saúde e felicidades. Recomenda-nos a toda a família. Acabo de receber com a maior satisfação a tua última carta. Tens razão estranhando o meu silêncio; ele é, porém, justificado; tenho a vida atarefada de sempre e embora não esqueça os amigos sem sempre posso escrever-lhes. Imagina que atravesso o período agudo das maiores preocupações: estás prestes a terminar o meu tempo de agregação e terei de dar uma solução definitiva à vida – Com certeza opinarei pela vida civil.
Admitindo, porém, esta última solução que é a mais fácil do problema, surgem outros: deverei permanecer como empregado público? Resolvo igualmente pela negativa. De sorte que terei de ligar-me às grandes agitações da minha carreira, a a toda uma grande cópia de incômodos. Assim é que talvez seja para a construção de uma nova estrada de ferro entre Araraquara e Ribeirãozinho e etc. Tudo isto, como vês, seria coisa fácil se não fosse a família – daí as preocupações a que acima me referi, as quais ocupando todo o tempo em que por acaso esteja desocupado, impedem-me conversar um pouco, à distância, com os amigos ausentes. Além disto, como sabes, eu tinha a ideia de dar um passeio até aí e agora vejo que é preciso demorar a viagem até que se resolva a situação atual em que estou.
Vou indo, entretanto, perfeitamente bem – e acho-me perfeitamente animado, encarando com firmeza o futuro. Creio mesmo que muito breve realizarei o meu grande sonho, a única aspiração constante que de há muito tenho: tirar, por concurso, uma cadeira na Escola de Engenharia daqui. Logo que abrirem as inscrições avisar-te-ei – e fique já certo de que não dispensarei, absolutamente não dispensarei, a tua presença no dia em que tiver de defender a tese que apresentar. Dizer-te isto é dizer-te que tenho estudado alguma coisa. Ficas assim formando perfeita ideia de uma das existências mais agitadas de nossa terra (salvo os coeficientes de redução que a minha modéstia determina que sejam antepostos a tal expressão).
Dê apertado abraço em cada um dos bons amigos daí e acredita sempre na afeição do amo. e admor.
Euclides
N. B. – Estou em grave falta acerca dos livros que encomendaste; não tenho estado com o Michel de sorte que é bem possível já tenham vindo. Logo verificarei – e escrever-te-ei imediatamente. Desculpa a pressa com que vai esta escrita. Dê um abraço no dr. Brandão e em teu sogro.
Euclides
Campanha, 27 de março de 1895
Porchat
Saúdo-te, desejando felicidades, assim como à Exma. família. Nós vamos bem.
Mui breve creio estar aí: dei parte de doente ― considerando-me incapaz para a vida militar, incapaz fisicamente porque moralmente creio-me incompatível de há muito com ela. Aguardo a inspeção de saúde que será feita aí, na sede do Distrito.
Quer isto dizer que mui breve terei a satisfação de abraçar o meu grande amigo.
Responda-me; aceita um abraço do
Euclides da Cunha
Campanha, 5 de abril de 1895
Porchat
Saúdo-te, desejando felicidades.
Acabo de receber a tua carta ― e é desnecessário dizer quanto estimei.
Infelizmente a minha parte doente parece haver encalhado na secretária do comandante do Distrito; até hoje nada de solução. não imaginas como isto me incomoda! Escrevo hoje particularmente ao cel. Pires Ferreira, pedindo-lhe uma solução ― já que o pedido legal, dignamente feito por meio de um ofício ― não vale coisa alguma. Peço-te ― e constituo-te nesta questão um advogado ― veres se é possível abreviar a solução que espero, falando ao Pires Ferreira a respeito, e caso não tenha com ele relações, ao Argemiro, ou qualquer outra pessoa que com ele se dê.
Aguardo, breve, a tua resposta a respeito.
Recomende-nos muito a toda a Exma. família; a Saninha manda muitas saudades e lembranças a d. Maria Túlia. Muito breve terá a imensa satisfação de abraçar-te o velho companheiro e amigo
Euclides da Cunha
P.S. ― Desculpa-me o laconismo desta; acerca do nosso estado de coisas tinha tanto a dizer-te que temi alongar-me demais. Mui breve, a viva voz, conversaremos.
Euclides
B. do Descalvado, 3 de maio de 1895
Meu caro João Luís
Envio-te apertado abraço, desejando as maiores felicidades assim como a toda a família. Com exceção do filhinho menor, chegamos bem. Fizemos a pior das viagens: logo ao entrar no trem, aí, na Campanha, a Saninha deitou-se, tonta pelo movimento e só levantou em S. Paulo! Imagina, agora, que interessantíssima viagem eu fiz, tendo de fazer requisições de passe, de baldear bagagens e ao mesmo tempo cuidar das funções estranhas de ama-seca… No Cruzeiro, enquanto eu requisitava a passagem, a Saninha e a senhora do dr. Carlito tomaram o trem que seguia para o Rio e quase que para lá foram – porque após desfeito o engano, retiraram-se do trem quando este já ia em movimento – Renuncio, porém, à ideia de relatar-te os episódios da romaria. Esta carta tem um único objetivo: demonstrar-te que não esqueço o bom e distinto amigo. Tenho tantas cartas a escrever que me é impossível alongar-me mais. Amanhã escreverei ao teu sogro, o inolvidável parceiro do pôquer. Dê-lhe, por mim, apertadíssimo abraço. Diga ao Capelli que amanhã irei tratar do negócio do Ferreira e então escrever-lhe-ei.
É escusado dizer as saudades que sinto da Campanha. Já temos aqui um quarto preparado para você e família – porque afinal estamos certos que não ficará em palavra apenas a promessa que nos fez de vir passar aqui algum tempo.
Lamento não ter tempo para conversarmos mais, noutra carta serei mais longo. A Saninha envia muitas saudades a d. Fernandina, d. Maria Antonia, d. Zoraide, d. Lalica e meninos; deseja, como eu, que a Maria de Lourdes continue bonita e forte. Abrace por mim aos amigos daí e disponha de quem é com verdadeira estima amº obrmo.
Euclides
[carimbo: M. R. Pimenta da Cunha. Fazenda da Trindade. Belém do Descalvado]
B. do Descalvado, 3 de maio de 1895
Porchat
Saúde e felicidades. Recomenda-nos à Exma. família. Chegamos sem novidades. Escrevo-te esta para comunicar-te isto. Tenho que escrever não sei quantas cartas ainda, de sorte que não tenho remédio senão apelar para uma concisão espartana. Amanhã ou depois serei mais longo.
Desculpa-me, pois; recomenda-me aos amigos daí e aceite um abraço do amo. e obrmo.
Euclides
[carimbo: M. R. Pimenta da Cunha. Fazenda da Trindade. Belém do Descalvado]
B. do Descalvado, 12 de maio de 1895
Porchat
Saúdo-te assim como a Exma. família. Logo que cheguei escrevi-te – até hoje porém não tive resposta alguma.
Nós vamos indo bem.
Escrevi hoje mais uma vez ao meu procurador em Ouro Preto – a fim de mandar para aí, a teu cuidado, a minha caderneta. Logo que ela aí chegar, comunica-me. Sem mais assunto – desejo muito que estejas no melhor dos melhores mundos possíveis nessa boa terra – e que na próxima carta digas alguma coisa do que vai por aí ao velho amigo
Euclides
Endereço:
[timbre: M. R. Pimenta da Cunha. Fazenda da Trindade. Belém do Descalvado]
B. do Descalvado, 15 de maio de 1895
Porchat
Saúde e felicidades. Recomenda-nos à Exma. família. Recebi a tua carta e respondo-a. A caderneta ficará contigo até ulterior deliberação. Talvez, tenha de ir breve até aí porque o ministro até hoje não deu solução ao parecer da junta médica que me inspecionou – julgando-me incapaz para a vida civil. Li na tua carta o que não escreveste acerca das festas que aí se fizeram. A tua maneira de ver está afinada pela minha… Estranhas, como eu, tanta alegria numa época tão triste ante um futuro tão ameaçador. O fato é, porém, explicável… Recordo-me, a propósito, de uma cena que vi não sei mais em que opereta fantástica: um sujeito medroso que atravessava uma estrada sinistra, povoada de fantasmas – para iludir o terror, o pobre diabo tangia nervosamente um cavaquinho e cantava, cantava com uma voz esfarrapada, rouquenha, soluçante… A nossa gente, meu amigo, vai como o Vasquez naquela opereta fantástica.
É bem possível, porém, que estejamos em erro e que tenham razão os que ainda sabem rir ou então quem sabe se eles riem por isto mesmo que a situação é lamentável, aceitando o conselho do Hamleto:
What should a man do but be merry?
[William Shakespeare, Act 3, Scene 2]
Talvez a explicação do enigma esteja justamente neste verso do poeta mais filósofo que tem havido.
Adeus, Porchat. Dê apertado abraço no Bellegarde, Gabriel e […] de Rezende – aos quais já escrevi. Escreva sempre ao velho companheiro
Euclides da Cunha
P.S. – Não terás por aí qualquer folheto, qualquer velho alfarrábio, que trate da época colonial, de 1640 até 1715; qualquer coisa sobre a antiga S. Vicente, princípios de S. Paulo, excursões dos bandeirantes etc.? Tenho grande necessidade de qualquer escrito sobre isto; mais tarde saberás porque. Mandando-os farás extraordinário favor ao teu menor amigo e maior cacete
Euclides
[timbre: M. R. Pimenta da Cunha. Fazenda da Trindade. Belém do Descalvado]
Descalvado, 18 de junho de 1895
Meu caro João Luís
Desejo-te saúde e felicidades – em companhai de toda a família. Nós vamos indo sem maior novidade embora comece a se tornar pesada para mim a monotonia da roça.
Creio que é a terceira ou quarta carta que te escrevo; devo atribuir à infidelidade postal o não haver ainda recebido resposta alguma? Creio porém que acertarei levando-a em conta à ingratidão do amigo. Escrevi ontem ao dr. Brandão, o nosso eminente chefe – do qual tenho tido imensas saudades. Não sei se a recíproca é verdadeira, não sei se os meus amigos daí ainda se lembram de mim. Isto porém não me impedirá de escrever-lhes sempre: a Campanha avultará sempre no meu passado como a paragem mais formosa e santa da minha existência de árabe. Sou tão sincero no que digo que acalento a mesma ideia de terminar aí esta vida agitada; talvez assim ainda sejamos sócios de velhice e recordemos um dia – trêmulos, acurvados, dos lentos passeios pelas suas ruas – as cenas e os dias da mocidade.
Entre os que deixaram de responder-me avulta pela pasmosa ingratidão o nosso amigo comdor. Bernardo Veiga. Dou-te, por esta, procuração bastante para exprimir-lhe de minha parte amaríssima mágoa. Nunca me passou pela mente a ideia de que ele se armasse contra mim de tão pecaminoso, criminosíssimo silêncio.
Em resposta a esta diga-me se a Campanha tem entretanto algum elemento de vida ou se imobilizou definitivamente. Dê-me notícias de tudo e de todos.
A Saninha espera aqui a d. Fernandina em agosto; está firme que virá; eu, porém (sejamos francos) tenho-lhe dito que não pense nisto porque você não virá com certeza porque a distância enfraqueceu os laços da antiga amizade e etc.
Amanhã ou depois escreverei ao coronel Faria em resposta à sua carta. Esta já vai longa, não a prolongarei porque é para mim duríssima tortura escrever aos amigos ausentes.
Envio-te um grande abraço, tão grande que com ele possa enlaçar o dr. Brandão, Bernardo Veiga, dr. Saturnino, cel. Faria, Neneco enfim aos bons amigos daí.
A Saninha envia muitas saudades a d. Fernandina, ds. Lalica, Zoraide, Maria Antonia e pede-lhes respondam as cartas que escreveu.
Adeus e acredite na afeição sincera do
Euclides da Cunha
P.S. – A Regina e o Artur vão bem. Vai uma carta deles que peço-te mandar entregar ao pai.
Euclides
Descalvado, 28 de junho de 1895
Porchat
Desejo-te saúde e felicidades. Somente hoje estou completamente restabelecido de complicada moléstia – durante a qual não tive uma só carta do ilustre companheiro.
Escreva-me, pois, dando notícias tuas ao amo. e admor.
Euclides
[Cartão de visita. Impresso: Euclides da Cunha – bacharel em Matemática, Ciências Físicas e Naturais]
B. do Descalvado, 8 de julho de 1895
João Luís
Saúde e felicidade. Recomendai-nos muito, a mim e a Saninha à toda família.
Somente hoje tenho a satisfação de responder a tua última carta, carta que me veio, em boa hora, demonstrar que ainda se lembra de mim o digno companheiro e irmão de ideias. O mesmo não posso dizer do nosso eminente amigo, o dr. Brandão. Uma única carta recebi dele e tenho já quase perdida a esperança de receber segunda. Apesar disto porém, afirma-lhe por mim a mesma afeição antiga e dê-lhe apertado abraço. Eu imagino o choque que aí produziu a morte do Marechal de Ferro. Devo dizer-te com sinceridade que ela me comoveu também e bastante. Quem lucrou e muito foi a nossa história: tem agora uma figura original e admirável que recorda Luís XI envolto na couraça guerreira de Turenne.
Pelo que li, foram notavelmente lisonjeiros para a Campanha os últimos pensamentos do grande homem: envio-te por isto muitos parabéns.
Volvamos porém a outro assunto. Estou certo que continuas a mesma vida – calma, estudiosa e útil – nesta adorável Campanha, aprazível Ferney de três Voltaires: eu, você e o dr. Brandão.
Eu levo aqui vida trabalhosa de roceiro –; felizmente a agitação exclusivamente muscular em que vivo, deixa-me o cérebro adormecido, numa grande e benéfica inconsciência do que vai pela nossa terra. Por isto não farei consideração acerca da nossa política.
Hei de escrever-te mais a miúdo, esperando a recíproca. Diga ao Capelli que receba do Lemos o dinheiro que el deu por mim ao carniceiro. A Regina e irmão vão bem. Não me esqueci da sua promessa; tanto eu como a Saninha te esperamos assim como a d. Fernandina em agosto, sem falta. Estou certo que virão. O meu pai envia-te um abraço.
Recomenda-me muito a todos. A Saninha envia muitas saudades a d. Fernandina, d. Lalica, d. Maria Antonia, d. Zoraide e meninas. Abraço por mim no dr. Brandão e cel. Faria.
Disponha de quem é e será sempre amo. e admor.
Euclides da Cunha
Descalvado, 6 de agosto de 1895
Porchat
Desejo-te saúde e felicidades, assim como a toda a família. Ainda hoje não poderei mandar a carta que juntamente com a caderneta que aí está deverá ser enviada ao […]. Estou muito atarefado nessa faina da roça – da qual me quero ver livre o mais breve possível. Gorou a minha pretensão? Diga-me alguma coisa: caso haja naufragado mais uma vez, envia-me lá um pouco da tua adorável filosofia, consoladora e amiga. Infelizmente não me posso alongar mais. Amanhã ou depois, escrever-te-ei. Adeus. Dê apertado abraço nos amigos e disponha do verdadeiro amº. e humílimo crdo.
Euclides
Descalvado, 8 de agosto de 1895
Meu ilustre amigo dr. Brandão
Saúde e felicidades. Recomendai-nos muito a toda a Exma. família. Lamento ser obrigado a responder a vossa belíssima carta que só agora recebi, ao voltar de S. Paulo, num simples cartão de visita. É que não tenho aqui papel de carta e o mal é irremediável, na roça. Estou cansado, meu distinto amigo, desta vida de roceiro; espero que termine a quadra trabalhosa da colheita para procurar outro rumo. Felizmente, o meu pai resolveu que é impossível o adaptar-me a semelhante meio. Irei para S. Paulo ou para o Rio; participar-vos-ei com antecedência. De qualquer modo quase posso afirmar que no fim deste ano, em novembro ou dezembro, irei com Saninha até aí – abraçar as pessoas que tanto nos distinguiram. Amanhã escreverei ao João Luís, em quem, peço dê por mim grande abraço. O meu Euclidinho já está andando e já conhece pelo retrato a sua madrinha – infelizmente, não tenho aqui a do padrinho, ingrato compadre que nem notícias pede ao afilhado. Adeus, meu ilustre amigo – recomendai-vos a toda a família – abraçai aos bons amigos daí e acreditai na estima e consideração do amo. e admor.
Euclides
[Cartão de visita. Impresso: Euclides da Cunha – bacharel em Matemática, Ciências Físicas e Naturais]
S. Paulo, 5 de setembro de 1895
Meu ilustre amigo dr. Brandão
Saúde e felicidades em companhia de toda a Exma. Família é o que sinceramente desejamos, eu e a Saninha. Nós vamos indo felizmente, bem. Estou em grave falta com meu distinto amigo, reconheço-o; inúmeros afazeres distraíram-me do cumprimento de um dever que é, entretanto, para mim, muito sagrado. Acresce ainda uma circunstância justificadora: acabo de alterar mais uma vez a orientação da minha vida. Reconheci que não poderia suportar a vida na roça e, com a aprovação do meu velho, resolvi abraçar a minha profissão de engenheiro aqui em S. Paulo – aonde estou com a família. Está aí a causa predominante do meu silêncio; estou certo que não precisaria apresentá-la; os meus amigos felizmente me conhecem bastante – jamais serei um ingrato.
Acho-me empregado – como engenheiro ajudante nas obras públicas daqui; não tenho entretanto desejo de ser por muito tempo empregado público; aproveitarei a primeira oportunidade que tiver para exercer a minha profissão mais dignamente.
Estive ontem com o vosso filho, o dr. Carlito – que está bom de saúde. Acalento sempre a esperança de ir breve até aí, abraçar a tantos amigos e rever a Campanha, a nossa Tebaida mineira.
Os meus filhinhos continuam como sempre fortes e sadios e como sempre serem a preocupação constante, insistente e muitas vezes dolorosa do meu espírito – sobretudo agora, numa grande cidade que, embora seja hoje das mais salubres da nossa terra, está sujeita ao assalto de todas as epidemias.
Mandai-nos notícias de todos, da nossa digna e respeitável comadre d. Maria, do ingratíssimo compadre Chiquito, enfim de todos.
E sempre às vossas ordens – envia-vos apertado abraço o amo. e admor.
Euclides da Cunha
P.S. – Estamos morando numa casa muito boa e bonita na rua de Santa Isabel –; não tem ainda número – por isto peço enviar as cartas para a rua do marechal Deodoro nº 19.
Euclides
S. Paulo, 5 de setembro de 1895
João Luís
Que a mais ampla felicidade te rodeie em companhia de toda a família. Não te tenho escrito pelo seguinte: a vida rude e trabalhosa da roça não me permitia; fiz a colheita da fazenda do meu velho, tive que lidar com vasta série de trabalhos que me eram totalmente estranhos etc. – além disto eu confiava e confio na tua longanimidade, certo de que me perdoarias a gravíssima falta. Cansei-me afinal da roça; senti-me alquebrado pela faina de roceiro; a atividade exclusivamente muscular cansou e eu reconheci que ainda era cedo para fugir às agitações da vida.
Deixei por isto a Fazenda do velho que aprovou a minha resolução.
Estou como engenheiro ajudante nas Obras Públicas deste Estado – abraçando assim francamente a minha verdadeira profissão. Aguardo a todo o momento a reforma que pedi.
Aí está em traços rápidos a alteração que sofreu a minha vida – aguardo sobre ela o teu parecer valiosíssimo de constante e leal amigo.
Moramos na rua de Santa Isabel – numa casa que ainda não tem número porque foi concluída agora, por isto peço-te enviares as tuas cartas para a rua do marechal Deodoro nº 19, residência do distinto colega teu, o Reinaldo Porchat – um dos meus raros e dignos Amigos.
Estou certo que ainda este ano iremos até aí; para mim fazer uma viagem à Campanha – terra de tantos bons e leais amigos – é fazer uma romaria, é procurá-la com a mesma devoção religiosa que leva os Muçulmanos à Meca. Não acredites que seja isto um exagero: os homens daqui poder-te-ão dizer talvez melhor do que eu toda a imensa afeição que dedico à tua, à nossa boa cidade.
Adeus, meu caro amigo, recomenda-nos muito a toda a família – abraça por mim aos bons amigos daí e não esqueça nunca o amo. e admor.
Euclides
N.B. – Todos de casa, bons.
S. Paulo, 26 de setembro de 1895
João Luís
Desejo-te muitas felicidades, assim como a toda a família. Tenho-te escrito todas as vezes que posso abrir um parêntesis na minha vida atarefada. Firme no meu propósito continuo a escrever, embora os amigos daí: você, o dr. Brandão, B. Veiga e outros – respondam-me com um silêncio extraordinário. Estarão mal comigo? Agito às vezes este ponto de interrogação sinistro como o Hamlet nas malhas do ser ou não ser e como heroi Shakesperiano deixo-me dominar pelas mais dolorosas dúvidas. Enfim é possível se hajam perdidos as cartas que tenho escrito. Vou, por isto, heroicamente, insistir na correspondência.
Tenho-me dado perfeitamente na vida estudiosa que levo – muito contraposta à existência tranquila demais da roça. A vida ativa de engenheiro, mas de engenheiro a braços com questões sérias e não cuidando de emboços e reboços em velhos pardieiros – veio convencer-me que tinha muito ainda a aprender e que não estava sequer no primeiro degrau de minha profissão. Por aí já vês que a minha atividade intelectual agora converge toda para os livros práticos – deixando provisoriamente de lado os filósofos, o Comte, o Spencer, o Huxley etc. – magníficos amigos por certo mas que afinal não nos ajudam eficazmente a atravessar esta vida cheia de tropeços e dominada quase exclusivamente pelo mais ferrenho empirismo. Infelizmente é uma verdade: as páginas ásperas dos Aide-Mémoires ou dos Engineer’s pocket books são mais eloquentes, neste fim de século, do que a mais luminosa página do mais admirado pensador. Imagina, se podes, a imensa tristeza que sinto ao escrever isto.
Não prolonguemos, porém, divagações inúteis. Amanhã escreverei a outros amigos daí. Recomende-me muito ao cel. Faria, dr. Brandão, B. Veiga – enfim aos que aí me estimam tanto quanto eu acredito.
Recomenda-nos, a mim e a Saninha a toda a família. Aceita apertado abraço do amo. e abrdo.
Euclides da Cunha
P.S. – Pondo ontem em ordem alguns papéis encontrei uma conta de cinquenta e poucos mil do sr. Adolfo Luís; com verdadeira surpresa vi que a não tinha ainda pago, por lamentável esquecimento. Peço-te perguntar a ele se quer que mande pelo correio ou se tem aqui alguém a quem eu possa entregá-la. Adeus.
Euclides
S. Paulo, 3 de outubro de 1895
Porchat
Saúdo-te. O portador deste é um pobre rapaz, carregado de família numerosa e a braços com sérias dificuldades para sustentá-la. Vou fazer todo o possível para ampará-lo – desejo que me auxilies na empresa; recomendo-to. Ele quer uma coisa simples e que não creio difícil – trabalho. Estendo ao dr. Antonio Bellegarde este pedido.
Até logo. Recado do amigo
Euclides
S. Paulo, 9 de outubro de 1895
João Luís
Saúdo-te assim como a toda a família.
Até que afinal!…! Afinal consegui a suprema ventura de ter uma carta tua, duplamente valiosa, porque trouxe as duas fotografias fidelíssimas, a moral e a física do companheiro e bom amigo ausente. Eu já andava andava bastante contrariado com o silêncio dos meus amigos da Campanha e achava singular que não encontrassem nas suas longas horas de tranquilidade cinco minutos para escreverem-me; rompeste felizmente o criminoso silêncio.
Lamentei que a tua carta, tão vibrante e iluminada, trouxesse, dividindo-a transversalmente na sua primeira página, tristíssima novidade que ali estava anômala como um farrapo de treva, como um trapo de nuvem tempestuosa num céu claríssimo e vasto. Devias tê-la enviado num de papel, à parte, porque ela é um traço eloquentíssimo da feição dolorosa da alma humana… Passemos porém, a outro assunto.
Ficamos muito satisfeitos com a notícia da tua próxima vinda aqui. Que ela não fique apenas em projeto e se vieres previne-me antecedência a fim de esperá-los porque não dispenso absolutamente a satisfação de acolher o meu amigo e família na minha tenda de árabe.
O que poderei dizer-te de novo sobre a minha vida? E sem mesma, incoerente, sulcada, de desânimos profundos, agitada, de ações tumultuosas, iluminada às vezes por esperanças imensas… Felizmente porém, meu caro João Luís, prendi-a à de dois filhos pequenos, transformei-a de direito que é para quase toda a gente em dever imprescritível (se é que admites tão singular dever) e sigo avante. Deves saber que a minha índole é contraposta ao meio tumultuoso em que estou, aonde a luta pela vida lembra, pela ferocidade e pelo bárbaro egoísmo a agitação da idade das Cavernas.
Estou entre trogloditas que vestem sobrecasacas, usam cartola e leem Stuart Mill e Spencer ― com a agravante de usarem armas mais perigosas e cortantes que os machados de Sílex ou rudes punhais de pedras lascadas. Imagina agora que milagres tenho feito: vou bem entre eles! Não me devoraram ainda e ― fato singular ―! não precisei para isto despir-me da rude simplicidade espartana que desgraçadamente tenho. Atravesso essa sociedade agitada numa abstração salvadora, cedendo automaticamente ao dever com a precisão de uma máquina moderna. Em compensação, a sociedade moderna ― essa que nós também conhecemos encontra no meu lar ampla, iluminada, vastíssima ― limitada pelos quatro ângulos da minha estante. E assim vivo aqui nesta boa terra.
E você? Persiste ainda no propósito de permanecer ai perenemente, na Tebaida ― como um monge imberbe, ilogicamente desalentado? Não te atrai uma estrada mais perigosa e abrupta para o futuro? Conta-me alguma coisa neste sentido, na resposta a esta que espero breve.
Diga ao nosso grande amigo dr. Brandão compreendo perfeitamente que somente raras vezes terá tempo para escrever aos amigos, com a vida atarefada que aí leva.
Recebemos o broche que aí ficara e não comuniquei porque era desnecessário.
Recomende-nos muito a todos da tua família e do dr. Brandão. Mal resta-me espaço para assinar-me como sempre. Amo. obrmo.
Euclides da Cunha
S. Paulo, 6 de novembro de 1895
Ilustre amigo dr. Brandão
Saúde e felicidades é o que vos desejo assim como a toda a Exma. família – a quem nos recomendamos muito, eu e a Saninha.
A ausência das minhas cartas não provém do fato de não receber eu as do distinto amigo e sim das grandes ocupações que me assoberbam.
Nas horas de trabalho entretanto faço ligeiras pausas, durante as quais recordo-me sempre dos bons amigos da Campanha, muitos dos quais constituem para mim fonte de perene saudade. Peço-vos dizer isto ao nosso velho (velho vai escrito como o melhor eufemismo que achei para dizer a um tempo bom e respeitável) amigo Bernardo Veiga e outros.
O meu Solon faz hoje uma visita à vossa digna família. Este retrato dirá, no seu silêncio, muito mais do que eu agora poderia dizer.
Não tenho estado com o dr. Carlos; duas ou três vezes nos encontramos e ofereci-lhe a minha casa; creio, porém, que ele sofre do mesmo mal que me assaltou: trabalho e trabalhos – de modo que não tem tempo de visitar-me.
O que me diz, o meu digno amigo das coisas da nossa terra? O que diz acerca dessa aura de esperança que agita as cabeças brancas dos velhos fiéis, caducos cavalheiros andantes da Restauração?
A História tem também seus absurdos; talvez tenhamos que lhe fornecer mais um. Confesso-vos que a coisa será interessante e – porque não levar ao extremo a confissão? – asseguro-vos que intensa curiosidade dá-me alguma vontade de que o absurdo se realize. Tenho saudades daquela minoria altiva anterior ao 15 de novembro… há tanto republicano hoje… Para mim Restauração teria o valor de fazer ressurgir a legião sagrada mais enérgica e mais orientada, capaz de vencer com mais dignidade e com mais brilho. Com certeza, porém, esta linguagem não está agradando ao meu digno amigo e torno a outro assunto.
Não sei se poderei ir este ano aí – farei entretanto todos os esforços neste sentido.
Estou em falta com muitos amigos pelo silêncio que para com eles tenho mantido – peço-vos desculpar-me com eles – em breve escreverei a todos.
A minha família vai bem; os meninos continuam fortes e sadios. A Saninha envia muitas recomendações à sua digna e respeitável comadre e eu enviando saudades a todos peço que acredite na estima e consideração do amo. e admor.
Euclides
S. Paulo, 19 de novembro de 1895
João Luís
Saúdo-te, desejando felicidades.
Depois de desastrosa viagem a Lorena e sofrendo as consequências do impaludismo, adquirido num banho forçado do insidioso Paraíba, aqui cheguei.
A vista do que disse estou certo que me desculparás o levar tanto tempo silencioso. Ao chegar aqui não pude de pronto satisfazer o pedido da tua última carta: a capital paulista na ebriez das festas republicanas impediu-mo. Como encontrar em tais dias o tranquilo pensador Manzoni?
Deixei passar a onda e hoje dirigi-me ao Garraux. Infelizmente não encontrei o livro; esperam-no, porém, muito breve.
Enquanto não chega, pois, peço-te um esclarecimento: Qual das obras de Manzoni queres? Há duas, tratando ambas do direito Civil Italiano – uma, completa, com comentários, constando de 15 volumes e outra, menor (7 volumes) tratando exclusivamente do Direito Civil.
É bom esclareceres neste ponto o teu pedido.
O Garraux espera breve as duas obras citadas.
Ando meio adoentado: não é debalde que se atravessam os pantanais de S. Paulo. Se o mau estado de saúde continuar tomarei outra vez o velho cajado de peregrino e procurarei outras terras. É destino. Às vezes, chego a acreditar que tenho a vida mais incômoda ainda que a de Ashverus – porque afinal aquele pobre diabo não tinha mulher e filhos.
Pergunte ao dr. Brandão se não recebeu uma carta minha e um retrato do Solon. Por que não me escreve nosso distintíssimo amigo?
A Saninha manda muitas saudades à d. Fernandina e a toda a sua família.
Envia-te apertado abraço o amo. e velho companheiro
Euclides
S. Paulo, 8 de dezembro de 1895
João Luís
Saúde, paz e felicidades.
Já deves ter em mãos os cartões que encomendaste e com certeza aplaudiste já o sentimento estético que revelei, porque foram calcados sobre desenho meu.
Quanto ao Borges Carneiro – como já te participei é preciso esperar alguns dias. É verdade que encontrei um exemplar no Garraux – mas em que estado! Cheio de traça, corroído em mil partes, poeirento, imundo, quase ilegível; não tive a coragem de comprá-lo, embora o dessem por baixo preço. Espero assim os exemplares que segundo me diz o Ferreira estão a chegar.
As coisas por aqui vão na mesma, sem interesse algum. Eu continuo na vida transitória de empregado público dilettanti – porque afinal de contas devo-te dizer que a acho simplesmente detestável e cheia de velhos vícios repugnantes. Já estou quase engenheiro – graças às peregrinações pelo sertão e um trabalho intensivo de três meses. Paguei para isto um duro imposto: uma intermitente que creio haver conseguido debelar porque há dois dias que se não manifesta. O meu velho foi dar uma volta ao Rio da Prata, espero a volta dele, a fim de orientar novamente a vida. Sou incorrigível, meu caro João Luís: Não sei quando acabarei de iniciar e destruir carreiras. Já estou cansado entretanto desta tarefa de Sísifo: os trinta anos aí vêm, perto, ameaçadores, trinta anos de agitação nervosa que já são quase velhice. É preciso parar.
Estou com uns retratos do meu filhinho mais moço para mandar; esqueci-os porém, em casa – amanhã ou depois irão. Já não espero cartas do nosso amigo dr. Brandão; substituo-as, porém, às vezes – recordando as antigas palestras, iluminadas sempre pela grande lucidez de um dos espíritos mais robustos que conheço. És mais feliz neste posto do que eu: há homens que valem uma sociedade numerosa. Ele que não me escreva mas que não se esqueça do antigo discípulo.
Vou encerrar esta. Insistente, terrivelmente cacete, aqui, a meu lado, um empreiteiro – uma sanguessuga qualquer, pede-me por todos os medalhões do Céu, de S. Benedito e S. Pedro, que lhe passe um atestado. Vou satisfazê-lo.
Adeus – Recomendações a toda a família – apertado abraço em todos os amigos.
Escreva sempre ao amo. e admor.
Euclides da Cunha