Henry Bacon
As leguminosas, altaneiras noutros lugares, ali se tornam anãs. Ao mesmo tempo, ampliam o âmbito das frondes, alargando a superfície de contato com o ar, para a absorção dos escassos elementos nele difundidos. Atrofiam as raízes mestres, batendo contra o subsolo impenetrável e substituem-nas pela expansão irradiante das radículas secundárias, ganglionando-as em tubérculos túmidos de seiva. Amiúdam as folhas. Fitam-nas rijamente, duras como cisalhas, à ponta dos galhos para diminuírem o campo da insolação. Revestem de um indumento protetor os frutos, rígidos, as vezes, como estróbilos. Dão-lhes na deiscência perfeita com que as vagens se abrem, estalando como se houvessem molas de aço, admiráveis aparelhos para propagação das sementes, espalhando-as profusamente pelo chão. E têm, todos, sem excetuar uma única, no perfume suavíssimo das flores, anteparos intácteis que nas noites frias sobre elas se alevantam e se arqueiam obstando a que sofram de chofre as quedas de temperatura, tendas invisíveis e encantadoras, resguardando-as… Assim disposta, a árvore aparelha-se para reagir contra o regime bruto.
Euclides da Cunha, Os Sertões, Ed. Nova Cultural, São Paulo, 2002, p. 36. Cotejado com Livraria Francisco Alves, Rio, 28ª ed., 1979, p. 30.
Todo mundo lembra a figura usada por Euclides para descrever os melocactos: que parecem como cabeças decepadas e sanguinolentas – uma descrição que temos de admitir que é verdade. Mas devemos também contemplar este outro aspecto das observações do nosso autor, o que muitos críticos não fazem. Gilberto Freyre e Franklin de Oliveira juntos insistem sobre o gosto de Euclides por tudo que era convulso, agressivo, hirto e anguloso, todos estes adjetivos são empregados por eles para descrever a sua obra. Vamos nós evitar o mesmo erro deles. Vamos mirar a beleza e a delicadeza com que Euclides pinta o seu quadro destas flores do sertão, com o seu perfume suavíssimo formando os anteparos intácteis. Se estes existiam de fato no sertão, não sabemos. Mas existiam na imaginação fértil, e delicada, do autor.
BACON, Henry. Uma pausa de beleza. EUCLIDESITE. Artigos. São Paulo, 2012. Disponível em https://euclidesite.com.br/artigos. Acesso em: [data]. Reprodução permitida para fins educacionais e desde que citada a fonte.