Aconteceu em agosto: casos e causos das Semanas Euclidianas
Foi acalentando esse pensamento que um professor muito querido, que se encontra há mais de quatro décadas no movimento, resolveu tentar garantir a seus alunos esse direito.
O professor em questão foi maratonista em 1965 e, costuma dizer que depois daquela experiência surreal, teve sua vida virada de pernas para o ar, porém a Semana Euclidiana não só mudou a posição das pernas do jovem, mas seu pai também viu sua vida virar de cabeça pra baixo.
O jovem, que até então era um filho obediente, seguidor das vontades do pai, rebelou-se. Rebelou e não conversou… Foi logo avisando no dia 16 de agosto que estudaria música e cursaria a Faculdade de Letras. O pobre pai, mesmo desejando um futuro mais promissor para o filho, com o tempo teve que engolir a amarga pílula.
A Semana Euclidiana, como sempre, fazendo estrago na cabeça e no comportamento das pessoas, aquele jovem que poderia ter uma carreira promissora e milionária em qualquer profissão, ou entregar-se ao lucro fácil da corrupção e dos desvios de verbas públicas, resolveu escolher outro caminho: ser professor e de Língua Portuguesa e Literatura!
No início dos anos 70, já professor e com uma cabeça cheia de caraminholas, nosso herói resolveu fazer valer o direito dos jovens alunos, decidindo levá-los, em agosto, a São José do Rio Pardo.
Era uma época mágica, se assim podemos dizer, apesar da ditadura ficar cada vez mais dura, o mundo estava vivendo o momento da grande revolução cultural, onde o lema era: – É proibido proibir.
Mulheres andaram queimando sutiãs em praça pública, as calças boca de sino, sapatos de plataforma e cabelos black power eram moda. Porém, na contrapartida havia também os resquícios de um certo jeitinho de fazer as coisas e, com uma pitada de romantismo no ar protagonizado pelo pai do rock in roll Elvis Presley e seus filmes dos recém-passados anos 60 como “Feitiço havaiano”, “Paraíso no Havaí” entre outros.
Filmes tendo praias paradisíacas como cenários e um tal de “luau” que enlouquecia a juventude da época.
Tomarei a liberdade de tentar explicar aos mais jovens o que é um “luau”. Trata-se de uma fogueira na praia, à noite obviamente, onde em volta dela os jovens se reuniam e namoravam, cantavam e às vezes bebiam. Inocente, né?
Não para os pais e para a maioria dos adultos naquela época. A imaginação das pessoas sempre foi fértil, imaginavam-se coisas e coisas. “Luau” era coisa do capeta, defendiam alguns.
Pois bem, foi numa época dessas que o tal professor preparou dois alunos paulistanos e mandou-os para a Semana Euclidiana. A garota ficou numa casa de família e o garoto em outra. Naquele tempo, os maratonistas eram gentilmente hospedados nas casas dos moradores da cidade.
Não se conformando com o fato de apenas dois de seus alunos participarem da Semana Euclidiana, o ex-maratonista chamou uma inspetora de alunos da escola para ajudá-lo a preparar uma FUDEGA, que naquele tempo ainda não tinha esse nome.
Pronto: juntou-se a corda e a caçamba. Reuniram trinta alunos, muitos instrumentos de fanfarra para batuque e rumaram para São José do Rio Pardo com o intuito de dar apoio aos colegas que representavam a escola paulistana. Passariam o final de semana em São José e voltariam em seguida para São Paulo.
O detalhe sórdido da viagem é que não havia ônibus que fizesse tal façanha, tendo de ser feita de trem, que naquele tempo era alimentado a carvão e lenha, fazendo um fumacê danado, soltando fagulhas, que, ao entrar pelas janelas, queimava e impregnava as roupas, os olhos e os cabelos dos viajantes.
Saíram de São Paulo às 18 horas, chegaram a Campinas por volta de 22 horas para a baldeação, chegaram à estação de São José às 4 horas da manhã, cheirando fumaça, com olhos vermelhos e carregando instrumentos para a batucada.
O que fazer àquela hora? Aonde ir?
Não havia o recanto euclidiano, havia no local apenas um pequeno jardim que não era muito convidativo para passar o resto da noite.
O professor, ex-maratonista experiente, encaminhou o festivo grupo para a praça, que naquele tempo era ocupada pelos maratonistas, a praça do mercado de hortaliças, o qual funcionava como posto de abastecimento da cidade, hoje um belo espaço revitalizado, chamado de Mercado Cultural.
Chegaram os trinta e dois fazendo barulho e procurando bancos para se ajeitar, só que, nessa altura, a polícia local já havia sido avisada pelos moradores, da passagem de um bando ruidoso pelas ruas.
O chefe da polícia chegou e já foi inquirindo:
– Onde vocês esconderam a fogueira do “luau”?
– “Luau”? Do que o senhor está falando? Perguntou o chefe da comitiva de apoio.
– O senhor acha que me engana? Com esses instrumentos, esses olhos vermelhos e o cheiro de fumaça que aqui não havia uma fogueira? O senhor não comandou um “luau” igualzinho aos dos filmes do Elvis? Pois bem, aqui não é lugar de vagabundos, todos em fila, já pra delegacia. Ordenou o mantenedor da ordem, da moral e dos bons costumes do lugar.
Bem! Aqueles dois que deveriam ser apoiados pela turma do suposto “luau”, acabaram tendo que dar apoio aos companheiros na delegacia. Um vexame, imagine!
Do mesmo jeito que chegaram, voltaram. Sem dormir, sem comer, sem banho, mas com muito cheiro de fumaça, olhos vermelhos provocados pela mesma e, com muita energia para continuar a fudega de volta.
O chefe da comitiva ficou um tempo sem aparecer às Semanas Euclidianas, dizem que foi por conta de seu matrimônio e sucessivos nascimentos dos filhos, mas desse episódio surgiu a aproximação dos dois maratonistas que representavam a escola e que acabou culminando em casamento.
E por falar em casamento, o nome desse professor deveria ser Antônio, porque ao retornar à Semana Euclidiana anos depois, trouxe alunos e entre eles uma garota que se casou com um rapaz da cidade, hoje, ela é professora, residem em S. José e têm filhos riopardenses.
Além do movimento cultural, a Semana Euclidiana, para alguns, também foi e continua sendo um movimento matrimonial.
Anos depois, os maratonistas passaram a se reunir na praça da matriz e depois na praça em frente à Escola Estadual Euclides da Cunha e tinham o costume de passar uma noite no Cristo para ver o sol nascer, era como um “luau”, porém sem fogueira.
Quando a aluna do professor, que deveria se chamar Antônio, participou pela primeira vez, ela e nenhum de seus colegas puderam participar dessa atividade no Cristo, ele não deixou. É como diz um antigo ditado popular: “Cachorro mordido de cobra tem medo de linguiça.”
Hoje, os jovens já não passam mais a noite no Cristo esperando o sol nascer, mas para cumprir o ritual os antigos maratonistas, todos com bem mais de 45 anos, dirigem-se para lá, passam algumas horas conversando e relembrando episódios de antigas Semanas Euclidianas, mas já não esperam mais o sol nascer… Quanta saudades!